sábado, 30 de agosto de 2014

O arbítrio não é livre

La Liberté guidant le peuple - Eugène Delacroix
Num exercício rápido de reflexão, poderíamos analisar quais as nossas reais chances de podermos escolher o que realmente seremos e faremos. Será isto possível sempre, por completos livres? O que temos por concepção de liberdade e livre arbítrio que nos faça julgar imparcialmente esta questão?
Nas estruturas atuais de pensamentos filosóficos existem várias correntes para se interpretar e tentar compreender este tema, como o determinismo, o compatibilismo e o incompatibilismo, dentre outras. Mas é possível ver que, como é natural em toda a análise comportamental que tem por fundação espalhar-se na gama mais generalista possível, ela foge dos aspectos intrínsecos aos grupos sociais mais espalhados pelo globo. Um dos erros, por exemplo, é o jugo de que as pessoas possuem vontades e que estas, solícitas ou não, permeariam o resultado de suas ações. Esta conclusão não se permite refletir sobre como é vista esta mesma problemática em diferentes culturas e povos, que sua cultura mais específica pode remontar a vicissitudes bem distintas.
Na história do direito[1], há a imputabilidade moral; como pressuposto penal seu fundamento possui o livre arbítrio, e este passa pela simplicidade de se entendê-lo como algo inato ao ser humano e de total responsabilidade sua. Hoje sabemos que a formação de agentes da lei é para conceber o que se pode analisar do réu. Mas isto ou é pouco praticado ou o é feito de maneira parca, na maior parte dos casos. O livre arbítrio passa então a privilegiar a concepção determinista do futuro do réu. Porém é importante que se compreenda que este mesmo réu possui todo um contexto histórico por trás de si, além de uma abrangente leva de opções contundentemente relevadas a levá-lo para escolhas que ferirão as leis vigentes. Temos, pois, pessoas presas nos aspectos sociais e culturais que as cercam e veem às poucas ações a si como único caminho a ser percorrido, e o que pode gerar as inquietudes que os assolam.
O livre arbítrio, portanto, não representa uma possível liberdade (aliada às suas possíveis consequências), mas sim um aspecto circular de culpabilidade, onde pouco se oferece, quase nada de chances, salienta-se ideias consumistas e desvinculadas das necessidades reais humanas e cobra-se desta pessoa que ande nestes trilhos. Se o mesmo não faz, não serve; mas se não o faz, não o faz por não “saber usar seu livre arbítrio”. Simplificação falaciosa com relação à compreensão do ser humano.
Outro ponto é a equidade que se faz na relação livre arbítrio - liberdade. Pode não parecer, mas são coisas distintas. O primeiro se relaciona como remetido à mente da pessoa e sua cultura ligada, seu ambiente; já a segunda é algo inato ao indivíduo em sua relação com outros e sua integração social na forma das leis. É comum, dentro dum senso restrito e defasado – o senso-comum – de que ambos se equiparam ou mesmo sejam a mesma coisa e não são, tendo principalmente em vista que ter liberdade para fazer algo não significa ter o livre arbítrio (que é próprio, da pessoa) para fazê-lo. Podemos ter a liberdade legal e jurídica para algo, mas nosso livre arbítrio encontra-se moldado por dogmas – principalmente religiosos – e conjecturas sociais, o que nos faz não usufruir da liberdade que possuímos na forma da lei.
Há ainda um aspecto muito mais centrado e real com relação a esta questão: como seria a proposição neural e funcional do livre arbítrio? Nosso cérebro realiza atividades específicas com relação à nossas atitudes e escolhas antes mesmo que nós mesmos a tomemos. Isso implica que nosso cérebro é quem faz os comandos necessários para uma escolha, antes mesmo de termos consciência desta escolha.

“O pesquisador Stefan Bode e sua equipe realizaram exames de ressonância magnética em 12 voluntários, todos entre 22 e 29 anos de idade. Assim como o experimento de Libet, a tarefa era apertar um botão, com a mão direita ou a esquerda. Resultado: os pesquisadores conseguiram prever qual seria a decisão tomada pelos voluntários sete segundos antes de eles tomarem consciência do que faziam. Nesses sete segundos entre o ato e a consciência dele, foi possível registrar atividade elétrica no córtex polo-frontal — área ainda pouco conhecida pela medicina, relacionada ao manejo de múltiplas tarefas. Em seguida, a atividade elétrica foi direcionada para o córtex parietal, uma região de integração sensorial. A pesquisa não foi a primeira a usar ressonância magnética para investigar o livre-arbítrio no cérebro. Nunca, no entanto, havia sido encontrada uma diferença tão grande entre a atividade cerebral e o ato consciente.”[2]

O que temos, portanto, é o fato de que o conceito de livre arbítrio espalhado pelas últimas décadas possui origens bastante antigas, juntos ao conceito de direito. Mas este também possui o viés cristão, onde esta religião passou décadas e décadas a ministrar estes conceitos. Pôs-se a imbuir de forma sistemática sua dogmática onde, de fato, retirava o arbítrio – até então visto como sendo do homem – para Deus, onde este é quem dizia quais eram as regras. E suas opções sempre acabavam por condizer às necessidades e caprichos de seus representantes oficiais.
Basicamente, este alvedrio é uma ilusão. Uma ilusão que nos faz sentir detentores do próprio destino e consequência. Mas factualmente isto não ocorre. Sendo uma sociedade mundial que reprime muitos a favor de poucos, e se nestes aspectos apenas pouquíssimos conseguem de fato escolher algo, é leviano “afirmar” que haja escolha para o ser humano.

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