La Liberté guidant le peuple - Eugène Delacroix |
Num exercício rápido de reflexão, poderíamos
analisar quais as nossas reais chances de podermos escolher o que realmente
seremos e faremos. Será isto possível sempre, por completos livres? O que temos
por concepção de liberdade e livre arbítrio que nos faça julgar imparcialmente
esta questão?
Nas estruturas atuais de pensamentos filosóficos
existem várias correntes para se interpretar e tentar compreender este tema, como
o determinismo, o compatibilismo e o incompatibilismo, dentre outras. Mas é
possível ver que, como é natural em toda a análise comportamental que tem por
fundação espalhar-se na gama mais generalista possível, ela foge dos aspectos
intrínsecos aos grupos sociais mais espalhados pelo globo. Um dos erros, por
exemplo, é o jugo de que as pessoas possuem vontades e que estas, solícitas ou
não, permeariam o resultado de suas ações. Esta conclusão não se permite
refletir sobre como é vista esta mesma problemática em diferentes culturas e
povos, que sua cultura mais específica pode remontar a vicissitudes bem
distintas.
Na história do direito[1],
há a imputabilidade moral; como pressuposto penal seu fundamento possui o livre
arbítrio, e este passa pela simplicidade de se entendê-lo como algo inato ao
ser humano e de total responsabilidade sua. Hoje sabemos que a formação de
agentes da lei é para conceber o que se pode analisar do réu. Mas isto ou é
pouco praticado ou o é feito de maneira parca, na maior parte dos casos. O
livre arbítrio passa então a privilegiar a concepção determinista do futuro do
réu. Porém é importante que se compreenda que este mesmo réu possui todo um
contexto histórico por trás de si, além de uma abrangente leva de opções
contundentemente relevadas a levá-lo para escolhas que ferirão as leis
vigentes. Temos, pois, pessoas presas nos aspectos sociais e culturais que as
cercam e veem às poucas ações a si como único caminho a ser percorrido, e o que
pode gerar as inquietudes que os assolam.
O livre arbítrio, portanto, não representa uma
possível liberdade (aliada às suas possíveis consequências), mas sim um aspecto
circular de culpabilidade, onde pouco se oferece, quase nada de chances,
salienta-se ideias consumistas e desvinculadas das necessidades reais humanas e
cobra-se desta pessoa que ande nestes trilhos. Se o mesmo não faz, não serve;
mas se não o faz, não o faz por não “saber usar seu livre arbítrio”.
Simplificação falaciosa com relação à compreensão do ser humano.
Outro ponto é a equidade que se faz na relação livre
arbítrio - liberdade. Pode não parecer, mas são coisas distintas. O primeiro se
relaciona como remetido à mente da pessoa e sua cultura ligada, seu ambiente;
já a segunda é algo inato ao indivíduo em sua relação com outros e sua
integração social na forma das leis. É comum, dentro dum senso restrito e
defasado – o senso-comum – de que ambos se equiparam ou mesmo sejam a mesma
coisa e não são, tendo principalmente em vista que ter liberdade para fazer
algo não significa ter o livre arbítrio (que é próprio, da pessoa) para
fazê-lo. Podemos ter a liberdade legal e jurídica para algo, mas nosso livre
arbítrio encontra-se moldado por dogmas – principalmente religiosos – e
conjecturas sociais, o que nos faz não usufruir da liberdade que possuímos na
forma da lei.
Há ainda um aspecto muito mais centrado e real com
relação a esta questão: como seria a proposição neural e funcional do livre
arbítrio? Nosso cérebro realiza atividades específicas com relação à nossas
atitudes e escolhas antes mesmo que nós mesmos a tomemos. Isso implica que
nosso cérebro é quem faz os comandos necessários para uma escolha, antes mesmo
de termos consciência desta escolha.
“O pesquisador Stefan Bode e sua equipe
realizaram exames de ressonância magnética em 12 voluntários, todos entre 22 e
29 anos de idade. Assim como o experimento de Libet, a tarefa era apertar um
botão, com a mão direita ou a esquerda. Resultado: os pesquisadores conseguiram
prever qual seria a decisão tomada pelos voluntários sete segundos antes de eles
tomarem consciência do que faziam. Nesses sete segundos entre o ato e a
consciência dele, foi possível registrar atividade elétrica no córtex
polo-frontal — área ainda pouco conhecida pela medicina, relacionada ao manejo
de múltiplas tarefas. Em seguida, a atividade elétrica foi direcionada para o
córtex parietal, uma região de integração sensorial. A pesquisa não foi a
primeira a usar ressonância magnética para investigar o livre-arbítrio no
cérebro. Nunca, no entanto, havia sido encontrada uma diferença tão grande
entre a atividade cerebral e o ato consciente.”[2]
O que temos, portanto, é o fato de que o conceito de
livre arbítrio espalhado pelas últimas décadas possui origens bastante antigas,
juntos ao conceito de direito. Mas este também possui o viés cristão, onde esta
religião passou décadas e décadas a ministrar estes conceitos. Pôs-se a imbuir
de forma sistemática sua dogmática onde, de fato, retirava o arbítrio – até
então visto como sendo do homem – para Deus, onde este é quem dizia quais eram
as regras. E suas opções sempre acabavam por condizer às necessidades e
caprichos de seus representantes oficiais.
Basicamente, este alvedrio é uma ilusão. Uma ilusão
que nos faz sentir detentores do próprio destino e consequência. Mas
factualmente isto não ocorre. Sendo uma sociedade mundial que reprime muitos a
favor de poucos, e se nestes aspectos apenas pouquíssimos conseguem de fato
escolher algo, é leviano “afirmar” que haja escolha para o ser humano.
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