terça-feira, 11 de outubro de 2016

Uma emenda pior que o soneto - o erro do PEC 241

Los Desastres de la Guerra - Francisco de Goya
Muito tem se falado do Projeto de Emenda Constitucional número 241 (PEC 241). Há grupos que o defendem e outros que o execram. Há infindáveis sites que mostram como este funcionaria, caso aprovado em última instância (ontem, dia 10/10, foi aprovado em primeira instância). Tentarei, com este artigo, demonstrar seu funcionamento e suas implicações, bem como o motivo do mesmo e, talvez, alternativas.
Este PEC visa reduzir gastos públicos para atrair mais investidores, elevar os investimentos privados no país e, assim, melhorar nosso crescimento econômico. Teria também como iniciativa reduzir os gastos públicos de nosso PIB (Produto Interno Bruto, a soma de nossas riquezas produzidas), que atingiu 66,2% no ano passado, segundo o Banco Central.
Contudo, é importante verificarmos que há algumas informações equivocadas sobre isso e análises, a priori, não correspondentes.


O PIB

O PIB, como dito acima, é a soma de toda a produção interna de riquezas de um país. No entanto, este cálculo deve ser feito de forma a não haver dupla conta de um mesmo produto ou serviço. Se você comprar laranjas e fizer suco em sua casa, para você e sua família, o valor calculado para o PIB será o da venda da laranja, enquanto que se você toma um suco numa lanchonete o valor do cálculo incidirá sobre o suco, uma vez que a laranja ali já está inclusa. Outros aspectos importantes são:
1º) Só entram na conta do PIB aqueles bens e serviços produzidos no ano em questão. Por exemplo, se um veículo foi produzido em 2014, mas foi colocado em estoque e vendido em 2015, ele entra no PIB de 2014, não no de 2015.
2º) Só entram no cálculo os bens e serviços finais, [1] não os bens intermediários. [2]
Tendo isso em vista, podemos agora pensar em como é feito o cálculo dos gastos com este PIB, uma vez que o Governo Federal precisa equilibrar a arrecadação e os gastos desse valor total durante todo ano seguinte após o ano de exercício do levantamento desse valor, tendo o valor do ano anterior como base. Vamos procurar nos manter nos pontos focais dos questionamentos levantados com relação ao PEC: educação e saúde, e adicionarei aqui outro ponto que tem sido muito colocado nestes debates, a dívida pública e seus juros. Tenhamos em mente que ‘dívida pública’ é diferente de 'gastos publicos'; enquanto o segundo é o gasto com ações referentes a bens e serviços de responsabilidade governamental, ou seja, saúde, educação e assistência social, o primeiro relaciona-se com dívidas contraídas pelo Estado (que será explicado mais abaixo) . 
O texto da Constituição Federal, no art. 198, § 2º, I, diz que:
no caso da União (com relação aos recursos federais destinados à saúde), a receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro, não podendo ser inferior a 15% (quinze por cento);
Ou seja, se o valor do PIB do ano for de 1 trilhão de reais, o governo terá que gastar, no mínimo, 150 bilhões de reais. Com relação à educação, a constituição determina no art. 212 que
 A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.
Ou seja, a União arrecadando de PIB os mesmos 1 trilhão de reais do exemplo passado ela deverá investir, minimamente, 180 bilhões de reais. Com estes dados estabelecidos, analisemos outro valor incorporado aos gastos do PIB, o pagamento da dívida pública e de seus juros.


A Dívida Pública

A dívida pública federal (DPF) nada mais é que a dívida que o Estado contrai quando precisa de mais verbas ou repor algum gasto previsto ou não. Estas dívidas são
Contraída pelo Tesouro Nacional para financiar o déficit orçamentário do Governo Federal, nele incluído o refinanciamento da própria dívida, bem como para realizar operações com finalidades específicas definidas em lei. A Dívida Pública Federal pode ser classificada de distintas formas, sendo as principais: i) quanto à forma utilizada para o endividamento, e ii) quanto à moeda na qual ocorrem os fluxos de recebimento e pagamento da dívida. Em relação à forma, o endividamento por ocorrer por meio da emissão de títulos públicos ou pela assinatura de contratos. Quando os recursos são captados por meio da emissão de títulos públicos, a dívida daí decorrente é chamada de mobiliária. Quando a captação é feita via celebração de contratos, a dívida é classificada como contratual.[3]
Com isso, temos que esta dívida se faz necessária quando não há recursos suficientes para a quitação de sua dívida (e, para o foco deste debate, independe do motivo destas serem feitas, pois aí teríamos um debate mais amplo e deslocado). Contudo, mais do que pagar estas dívidas, o governo federal está preso, também, aos juros implícitos a estas dívidas. Sendo que o governo pode emitir títulos para aumentar o prazo de pagamento de uma mesma dívida, fazendo com que esta fique ainda por muito tempo tendo de ser paga, mesmo que a contração original já tenha sido quitada.
Mas quem define o valor destes juros? O Banco Central, através de seu Comitê de Política Monetária (Copom). Nas reuniões do Copom é que ficam decididas quais serão as taxas básicas de juros, a Selic.[4]
Acontece que, segundo Maria Lúcia Fattorelli, “para essas reuniões (o Banco Central) convida, quase que exclusivamente, representantes do próprio mercado financeiro que detém a imensa maioria dos títulos da dívida. O que acham que os interessados em continuar recebendo as elevadas remunerações dos juros irão recomendar? É evidente o conflito de interesses. A recomendação desses especialistas é adotada pelo COPOM, sem qualquer crivo ou sequer debate por parte do Congresso Nacional. A taxa passa a vigorar como ‘lei’ e ponto final.”[5]
Assim, o ciclo de se aumentar os juros ou mesmo mantê-los num patamar elevado acaba por favorecer quem tem interesse direto na manutenção daquelas, uma vez que esta taxa básica servirá para todas as transições de mercado no país, como o pagamento da dívida pública, por exemplo.
Mas por que estamos falando de taxa de juros, quando o assunto é o PEC 241? Porque, pegando o início deste texto, veremos que uma das alegações para aprová-lo é a contenção de despesas e estas contenções atingiriam diretamente serviços essenciais, enquanto que este PEC nada fala a respeito do altíssimo gasto com as dívidas publicas e seus juros.


Os Juros da Dívida Pública

Em 2015, a porcentagem retirada do PIB para o pagamento da dívida (amortização) foi de 39,5%, e mais 7,1% foram destinados aos juros desta mesma dívida, chegando a um montante de 46,6% apenas para a quitação destas dívidas. Ora, por mais que entendamos que o ideal não seja pegar dinheiro emprestado para sanar contas e realizar as ações, há circunstâncias em que este se faz presente, se faz necessário, principalmente porque é um meio também de fazer a economia não estagnar. Só que estes valores acabam por ir para as mãos dos grandes investidores de títulos públicos, em que seu interesse é a formação de capital financeiro alto e sólido, independentemente do que este venha gerar na forma de produtos e serviços. E quem seriam estes? Investidores com poder financeiro para ditar as regras do mercado. Há ainda os investidores estrangeiros (pessoas físicas ou jurídicas, empresas, conglomerados, bancos ou indivíduos muito ricos), em que seus empréstimos ao país obriga o governo, à força constitucional, a pagar esta dívida em dólares (na maioria esmagadora dos casos) o que só faz aumentar mais o valor pago (se U$ 1,00 custa R$ 3,00 cada dívida pública externa será arcada num valor três vezes maior). 
Dito isto, vamos ao PEC.


Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 241[6]

Levado ao Congresso Federal pelo presidente Michel Temer, a proposta diz basicamente que ficará instituído um novo Regime Fiscal, válido a partir de sua publicação, e que prevê um limite orçamentário individualizado para cada um dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), onde as dívidas por estes não poderão ser ampliadas ou contraídas num valor acima do que já estipulado pela constituição, e ainda revoga o art. 2º da Emenda Constitucional nº 86. Mas o que diz este artigo? Vejamos:
Art. 2º O disposto no inciso I do § 2º do art. 198 da Constituição Federal será cumprido progressivamente, garantidos, no mínimo:
I - 13,2% (treze inteiros e dois décimos por cento) da receita corrente líquida no primeiro exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional;
II - 13,7% (treze inteiros e sete décimos por cento) da receita corrente líquida no segundo exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional;
III - 14,1% (quatorze inteiros e um décimo por cento) da receita corrente líquida no terceiro exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional;
IV - 14,5% (quatorze inteiros e cinco décimos por cento) da receita corrente líquida no quarto exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional;
V - 15% (quinze por cento) da receita corrente líquida no quinto exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional.[7]

Esta emenda de 2015 trata de se aumentar o valor de proposição para serviços públicos básicos numa fórmula que incidiria sobre a inflação e que, com isso, tende a acompanhar o crescimento da população e as necessidades decorrentes. Com o PEC 241 em vigor, se estagna o aumento do valor por vinte anos, não acompanhando assim as necessidades da sociedade. Só para se ter uma idéia, o Gasto Social Federal de 1995 foi de 234 milhões (11,24% do PIB daquele ano) e, quinze anos depois, o gasto foi para 63,5 bilhões (correspondente a 15,54% do PIB de 2010). Veja agora que nenhum destes valores chega sequer perto do gasto que a dívida e os juros perfazem.
Os pontos específicos relacionados à educação e a saúde se encontram no art. 104 deste PEC.
Art. 104. A partir do exercício financeiro de 2017, as aplicações mínimas de recursos a que se referem o inciso I do § 2º e o § 3º do art. 198 e o caput do art. 212, ambos da Constituição, corresponderão, em cada exercício financeiro, às aplicações mínimas referentes ao exercício anterior corrigidas na forma estabelecida pelo inciso II do § 3º e do § 5º do art. 102 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

O que fica claro nas análises destes dados é que a proposta tem como objetivo atingir, de forma sistemática, as necessidades populacionais e previstas na constituição, baseando-se apenas num senso comum onde se diz que a população deve ajudar o país a arcar com as conseqüências de políticas econômicas predatórias visando, dentro de um espectro sedimentário, um alívio fiscal e uma rentabilidade maior para quem já possui poder dominante no cenário econômico do país.


Equívoco?

Um grave exemplo de quão é ignorada a verdadeira raiz do problema é na fala da justificativa do PEC no parágrafo 4, onde é citado que “A raiz do problema fiscal do Governo Federal está no crescimento acelerado da despesa pública primária. No período 2008-2015, essa despesa cresceu 51% acima da inflação, enquanto a receita evoluiu apenas 14,5%. Torna-se, portanto, necessário estabilizar o crescimento da despesa primária, como instrumento para conter a expansão da dívida pública. Esse é o objetivo desta Proposta de Emenda à Constituição.” Ora, este crescimento se deve muito mais a falta de um planejamento mais amplo com relação à economia do país e as crises econômicas mundiais, não obstante equitativas ao período mencionado.
Outro ponto que é colocado de forma intimidadora é com relação ao aumento dos gastos com as despesas públicas primárias (encargos de responsabilidade social do governo federal como saúde, educação e assistência social), que segundo dados fornecidos pelo próprio autor do PEC foi de 14,5%, no entanto não analisou (ou, ao menos, não mostrou dados de análise no PEC) no mesmo período, que a dívida pública (empréstimos do governo federal com juros) teve um aumento de 19,7%.[8] Ou seja, os gastos com pagamentos de empréstimos e juros, que já são muito maiores que os gastos com as áreas de obrigação social do governo, aumentou mais, criando um déficit ainda maior.
Além de tudo isso, ainda houve uma culpabilização equivocada quando se atribui diretamente a expansão da dívida pública com os gastos de despesas primárias. Não necessariamente uma está ligada a outra. Pode-se pensar que para manter os gastos da segunda, poderia necessitar-se de aumentar a primeira. Contudo, eis um erro pontual. A segunda possui arrecadação própria e só haveria necessidade de outras fontes caso haja algo como um desvio de verba para outras finalidades.


Há soluções?

Precisamos partir da análise para ver se há um problema. Há? Qual? Não há um consenso de qual seria o patamar ideal para a dívida pública. Tomemos como exemplos os mais variados países, no ano de 2015: enquanto no Brasil a dívida pública chegou a 56,8% de seu PIB, temos os E.U.A. que alcançou 103%, Japão com estrondosos 226%, Reino Unido teve 88,2% e a Zona do Euro chegou 92%, passando por países como o México com apenas 28,6%.[9]
Uma forma de analisar nossa necessidade de estabilizar as contas e, partindo do princípio de que realmente se necessite diminuir os gastos (e pelos mais variados fatores, como para atrair investimentos estrangeiros em nossas empresas, por exemplo), havendo conosco uma economia fragilizada no mercado de empregos e negócios, pode-se olhar para as dívidas das grandes empresas, tradicionalmente caloteiras. Vinte empresas no país possuem dívidas acumuladas em aproximadamente 850 bilhões com o governo, cerca de 14% do PIB brasileiro no mesmo período. Estas dívidas afetam a economia do país, a geração de emprego e renda, mas o lucro dos acionistas majoritários destas empresas pouco é mexido. Claro que estas dívidas foram contraídas num período maior que uma ano (ano fiscal), mas se a maior parte desta dívida for sanada de forma a não prejudicar a empresa e seus empregados, seria uma arrecadação alta suficiente para o governo redistribuir verbas para setores mais necessitados. 

E, assim, chegamos a um ponto interessante: porque não mexer exatamente na dívida pública? Os juros são aumentados de forma irresponsável apenas para que a manutenção de seus ganhos continue, com poucas perdas aqui e algum aumento ali. Esse ciclo mantém-se. É o que se tem chamado de juros abusivos. No mercado há a necessidade do juros pois esta é a forma de se lucrar, é a forma de se propor uma arrecadação. Só que o valor montante é extremamente alto, o que demonstra o desejo abusivo de saber lucrar cada vez mais e mais apenas na forma acúmulo de capital. Mudar esta realidade é necessário e, talvez dentro de uma visão mais simples, desvincular os juros de uma comissão contaminada e atendendo a vontades próprias. O Brasil possui uma elevadíssima taxa básica de juros, chegando a 14,25%, perdendo para países como Argentina (26,75%) e Moçambique (17,25%) e ficando em 14º lugar entre as maiores do mundo. Isso atravanca a economia uma vez que impossibilita maiores investimentos em variados setores. 
Possibilidades há, o problema é que tipo de pensamento está na determinação do grupo que está no comando. A população que trabalha e necessita de atenção do governo para as mais variadas áreas será enormemente prejudicada, direta ou indiretamente. Uma prefeitura pensará duas vezes antes de criar um novo hospital, posto de saúde, creche ou escola pois isso acarretará no aumento de despesas com funcionalismo público tendo estas esferas governamentais mais dificuldade de justificar estas necessidades, bem como tanto saúde quanto educação ficarão mais precarizadas. A quem interessa tudo isso? Àqueles que detém o poder econômico privado nas mãos. Só estes ganhará com isso.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Desconstrução e compreensão

O pintor e a modelo - Pablo Picasso
Ser humanista quer dizer, dentre tantas outras coisas, ter empatia pela dor e pela luta do outro, daquele que é oprimido e há muito tempo tem sido sumariamente ignorado, manipulado, corrompido, ferido, calado e desculturalizado. Isso é um ótimo ponto de partida para que se apoio e, sendo bem vindo, participe ativamente das lutas. Mas há uma parte do processo que consiste, de certa forma, em descaracterizar tudo aquilo que, histórico e socialmente, fizeram à nós desde antes mesmo de nascermos.
Quando nascemos fazendo parte de grupos que são historicamente opressores é comum nos verem como alguém que poderá, em algum dado momento e pelas mais variadas razões, agirmos de e em situações que identifique claramente o histórico opressor de ‘nós para eles’. E de forma alguma estas pessoas podem ser responsabilizadas por isso. Se temos que sempre se disse que as mulheres devem ter um determinado comportamento que faça com que elas devam temer encontrar com homens sozinha na rua por que ela teria algum tipo de culpa de fazer exatamente aquilo que foi ensinada a fazer, ainda mais se a sociedade não lhe dá qualquer motivo para que não precisa mais agir assim? E este é apenas um dos milhares de exemplos que poderiam ser citados.
Assim como acima está implícito, falo aqui como tendo nascido e sido colocado num grupo historicamente opressor, e é para pessoas como eu que falo. Com todo este aparato ideológico instaurado em nossa sociedade desde tempos remotos é natural que, por mais que tenhamos uma noção diferenciada sobre os direitos, o respeito e a igualdade, nos pegarmos agindo de forma que identifique o histórico opressor. Dizemos ser terminantemente contra o racismo, mas damos risadas de piadas com negros ou achamos que negros tem maior propensão a ser bandido (mesmo que seja admitindo que é por que moram em favelas); são completamente contra machismo, mas julgam que uma mulher só consegue algo que um homem não conseguiu por causa de sua aparência ou por razão de ser uma mulher; se diz respeitador de outras fés ou da descrença porém acha temerário ver crianças sendo apresentadas à estas outras fés ou outras descrenças enquanto se orgulha do batizado de seu filho. Qualquer uma (dentre tantas outras) das posições acima citadas pode, de uma forma ou de outra, ter uma vertente verdadeira na concepção social, e isto só nos apresenta o fato de que isso tudo é a construção social que nos imputaram para que pudéssemos perpetuá-la, propaga-la.
Assim, temos então a desconstrução das premissas opressoras como estágio importante para se compreender minimamente a dor do outro e empatizar por seus direitos sumariamente negados. Nos pegaremos com estas incoerências e hipocrisias com certa frequência e, infelizmente, muitas vezes não nos será percebido e continuaremos com elas acreditando não haver qualquer coisa opressora ali. Não fomos criados com as dores daquela opressão, não fomos ensinados a termos empatia pela dor de grupos sociais, porém podemos nos inconformar com as injustiças provindas delas e trabalharmos aspectos decisivos para o caminho da igualdade. Ouça sempre o que estas pessoas têm a dizer, mesmo que a princípio (e, pessoalmente, não vejo como sendo a maioria dos casos) pareça-lhe um tom agressivo e até mesmo acusatório, pois lembre-se que eles foram subjugados e calados por muito tempo e através das lutas sociais muito recentes em toda a  história da humanidade é que conseguem falar e se expressar, gritar pelas dores próprias e de todos como eles; lembre-se que determinadas leis e incentivos para estes grupos provém não da vontade de se dar regalias ou privilégios para eles mas sim como uma reparação histórica que, mais que um pedido de desculpas tardio, é uma forma de colocar à estas pessoas as oportunidades que, por razão de desde sempre terem lhes sido negadas hoje lhe são extremamente dificultadas; analise a história de cada grupo social que luta por direitos e faça a relação direta com suas lutas e exigência, daí verá que a correlação é direta e pertinente; compreenda que um sistema não pode simplesmente ser mudado ou retocado nem mesmo com a melhor boa vontade do mundo pois ele está completamente enraizado na percepção das pessoas e da sociedade, sendo assim este sistema deve ser derrubado de forma a então poder contemplar a justiça e igualdade à todos.
O processo de desconstrução é longo e, muitas vezes, incômodo, pois revela o quão maléficos podemos ser às pessoas que rodeamos e até mesmo àquelas que amamos e queremos tão bem. Possivelmente nesse processo magoaremos a muitos e perderemos até mesmo a credibilidade por ações incoerentes e incabíveis para alguém que gostaria de ser visto (e se ver) como humanista. Porém, no dia-a-dia, nos é gratificante perceber o quão nós mesmo mudamos e temos uma humanidade justa como nossa maior riqueza e presente para as futuras gerações.
Acredito que, pessoalmente, quem deve ter a certeza irrestrita das próprias ações a serem tomadas e seguidas e de como quererá que estas sejam e de como a pessoa quererá ser vista e se ver será a própria pessoa. Sendo assim, quem deve saber o que fazer para contemplar um humanismo claro (e até mesmo ver se quer ser humanista) é a própria pessoa. Mas pensemos nas implicações de não se ser assim, de se perpetuar as diferenças e se lutar para a manutenção de seus privilégios e da restrição aos outros. Existem meios claros que indicam formas de se salvaguardar através de conceitos que atribuem às pessoas desprovidas de oportunidades humanamente explícitas a nós uma culpabilidade por ações que, na verdade, são expedientes de nossa opressão histórica. Opressores históricos criaram e nós, hoje, aceitamos ideias abstratas e irregulares, tendo a chamada meritocracia e algumas determinadas regras sociais como exemplos, para justificar a falta de oportunidades e de igualdade entre opressor e oprimido e transformar esta segregação em culpabilização da vítima. Infelizmente é comum e tragicamente aceita a culpabilização da vítima independentemente do quão fiel às regras intransigentes impostas ela seja.
Por que nos importar? Qual seria a resposta mais plausível e mais correta para justificar o porquê de se lutar para se ser humanista? A verdade é que as pessoas que fazem parte desses grupos sociais não têm – e, portanto, dificilmente pedirão – a participação de pessoas que não estão em suas lutas. E também por mais que qualquer um exponha todas as suas ideias para servirem de resposta à pergunta do ‘porquê’, somos nós mesmo que temos que buscar isso. Faça você parte de um grupo oprimido ou não, em algum momento e em algum aspecto, seja histórico, social, econômico, intelectual ou uma junção de mais de um destes, você é potencialmente um opressor ou foi educado a acatar passivamente a opressão. Uma mulher branca luta por direitos que lhe condizem, porém rejeita e ignora a luta contra a homofobia; um ateu luta para ter seus direitos de descrença respeitados e para não ter a influência religiosa nos ditames de sua vida, todavia mantém em si premissas machistas e de subjugo feminino; um casal homossexual luta por seu direito de constituir uma família, porém acredita que, para si, não conseguiria pensar em adotar uma criança negra; uma pessoa negra luta ferozmente pela representatividade de seu povo que é tão alijada da mídia, mas não quer ver ateus falando sobre as incoerências religiosas e o quão elas são danosas. Há, ainda, aqueles grupos sociais com variadas discussões dentro de sua própria luta, como homossexuais que desfazem de bissexuais e transexuais, mulheres que ignoram a luta das mulheres negras ou ateus ativistas que consideram covardia o agnosticismo. Toas estas colocações mostram quão é grande a variabilidade do ser humano em suas lutas, mas de forma nenhuma isto deva ser um empecilho para se alcançar o objetivo maior que é a humanização do ser humano.

Construir uma sociedade onde todos sejamos iguais perante à lei e à nós mesmos e diferentes em nossas necessidades e desejos começa com a construção de uma empatia humana e a desconstrução dos preconceitos a nós impostos. Daí sim, alcançado isso, seremos realmente livres.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Que bom que existem cristãos hipócritas!

Condenadas à fogueira - Wladimir Bessonov
Os cristãos brasileiros e do mundo inteiro são, em sua maioria esmagadora, hipócritas. Infelizmente nem todos os cristãos são hipócritas e os que são parecem muito menos visíveis na mídia e na sua atuação na sociedade, de forma geral. Se os cristãos sinceros se posicionassem como os cristãos hipócritas talvez conseguíssemos, um dia, tornar este país em uma nação irmanada pela racionalidade, pela ética e pela laicidade verdadeiras.
Mas há os cristãos assustadoramente sinceros. E, muito mais assustadores e perigosos, há também os líderes cristãos, na prática os principais responsáveis pelo comportamento de seus fieis sinceros.
E esses dois tipos de cristãos, os sinceros e os líderes, são os que fazem mais barulho, com consequências estarrecedoras.
Fosse o Brasil um país verdadeiramente laico, ideologicamente laico, com uma população e um governo minimamente norteados pela ética igualitária, a religião cristã já teria sido banida de qualquer esfera de influência pública, sendo apenas tolerada em seus templos, onde, inclusive, crianças jamais poderiam ser doutrinadas; que se resguarde o direito de adultos professarem sua fé, mas em espaços delimitados e apenas entre si; respeite-se os direitos dos pais à educação de seus filhos, mas que esse direito não suplante o direito das crianças a crescerem livres de condicionamentos irracionais, livres de freios ao seu intelecto e ao seu raciocínio e plenamente éticos igualitários, para que não tenhamos que conviver com a perigosíssima ameaça de muitos outros futuros cristãos sinceros, manipulados pelos líderes cristãos através da fé.
(Nota de rodapé: Outras religiões com potencial tão ou mais danoso à sociedade não estão sendo citadas neste texto por serem minoria e praticamente nada influenciarem nos caminhos políticos, sociais e econômicos do Brasil).
Cristãos hipócritas são pessoas que perceberam que não é ético nem bom que um deus mate seu filho pelos pecados humanos; que nenhum sacrifício de sangue se justifica, que não é ético nem bom que outra pessoa pague pelos pecados alheios, que pecados são noções cristãs e muito diferentes de crimes e que o que é chamado de pecado na Bíblia engloba uma gama de ações e emoções humanas as quais qualquer um está sujeito, vez ou outra, sem ser necessariamente uma péssima pessoa, pois faz parte da natureza humana sentir raiva, ciúme, inveja, desejo sexual, preguiça, rancor, cometer erros de julgamento e de conduta.
Os cristãos hipócritas são pessoas que perceberam que um assassino não deixa de ser assassino por ser invisível, por se autos sacrificar a si mesmo, por ter supostamente nascido de uma virgem ou por ter dito "amai ao próximo como a ti mesmo", enquanto tranquilamente afirma que se não for aceito e adorado por alguém, esse alguém será condenado eternamente.
Que a maioria dos cristãos seja hipócrita é bom, é ótimo e indispensável para que possamos estar a salvo de uma teocracia regida por legislações baseadas na Bíblia, onde abundam as penas de morte por "crime" ideológico/religioso e por orientação, prática e comportamento sexuais.
Cristãos hipócritas são pessoas que foram criadas em lares com forte influência do pensamento católico ou evangélico, que participaram ou participam dos rituais dessas crenças, que creem no deus pai e em Jesus, o deus filho, e no Espírito Santo, o deus fantasma; mas que, pelo poder do pensamento humano, função das mais desenvolvidas do cérebro, fazem uso de sua racionalidade e de suas ética e empatia. Tendo lido a Bíblia, decidiram por própria conta que não a seguiriam a risca. Cristãos hipócritas compreenderam que nada daquilo realmente representa a palavra de um deus todo poderoso, amoroso, bom e ético e praticam uma espécie de fé ético-seletiva: creem no deus judaico-cristão, mas escolhem seguir apenas as partes mais bonitinhas da Bíblia e sabem que há as partes simplesmente terríveis demais ou imbecis demais para serem levadas a serio; ou percebem quais são as partes impraticáveis na sociedade em que vivem, pois são incitações a sacrifícios inúteis, esperanças de justiça em outra vida, discursos de ódio, violências psicológicas e físicas e toda a variedade de crimes. Sabem que, caso ajam como diz a Bíblia, serão presos ou se isolarão do convívio social saudável.
Como os versículos do Novo Testamento que dizem para os cristãos darem a outra face quando forem agredidos, venderem tudo o que possuem e darem aos pobres e não acumularem riquezas; assim quando forem assaltados deverão entregar o fruto de seu trabalho não só no que for extorquido mas o dobro, não reclamar da dominação política injusta e corrupta nem dos impostos injustos, ou como aquela parte em que Jesus diz que cristãos não devem sequer saudar os não cristãos, que devem se afastar de quem não segue a mesma fé; assim também no Sermão da Montanha, em que Jesus proclama que todas as bem-aventuranças virão após a morte, em outra vida, e por isso os cristãos devem se conformar com o sofrimento e a injustiça do mundo.
Tudo isso um cristão hipócrita escolhe deixar de lado, assim como deixa de lado as orientações bíblicas do Velho Testamento referentes à cura de doenças por meio de sacrifícios de animais, apedrejamentos, sexo antes de casar e só para procriação dentro do casamento, divórcio, adultério, vários casamentos, educação dos filhos, segregação de homossexuais, de mulheres, de pessoas com deficiência e até mesmo escravização de seres humanos e outras barbaridades.
Cristãos hipócritas são pessoas que possuem um senso de ética muito superior ao do deus bíblico e ao dos cristãos sinceros, os fundamentalistas, que são os verdadeiros cristãos. Fundamentalistas são assim chamados erroneamente como sinônimo de fanáticos (NOTA: fa·ná·ti·co - adjetivo e substantivo masculino 1. Diz-se da pessoa animada por um zelo excessivo por uma religião ou uma opinião. 2. Que se julga inspirado. 3. [Figurado]  Loucamente apaixonado; desvairado. "fanático", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013[1])
Não é que um cristão fundamentalista seja um fanático enlouquecido que comete atrocidades por estar fora de si, fora da realidade ou por ser um cretino, que decidiu deturpar a palavra benevolente do seu deus bonzinho. Fundamentalismo não é excesso de zelo ou loucura.
O motivo de um cristão fundamentalista pensar e agir como age e pensa é por desejar sinceramente seguir os fundamentos de sua religião.
Ora, quem fundou a religião judaico-cristã foi, para os cristãos, o próprio Deus! Logo, o que há de errado em um cristão fundamentalista? Os fundamentos de sua religião, é claro! As bases do Cristianismo são o que há de errado no Cristianismo, não alguma meia dúzia de loucos desvairados com excesso de zelo religioso.
Caso sua religião tivesse realmente seus fundamentos baseados na empatia, no amor incondicional ao próximo, na caridade com todos os seres, na convivência pacífica com outros povos e outras religiões, na compreensão de que cabe ao indivíduo e não a um deus definir se ele vai ou não crer nesse deus... bem, se o Cristianismo tivesse esses belos fundamentos, um cristão fundamentalista seria tão bom quanto é na realidade um cristão hipócrita. Um cristão hipócrita não aceita os fundamentos do Cristianismo, que bom que existem cristãos hipócritas!
O cristão fundamentalista está seguindo os fundamentos de Deus, ou seja, está convicto e é sinceramente arrogante de se considerar como o "sal da Terra", o mensageiro de um deus (ide e pregai o evangelho) e, por isso, por Deus estar indubitavelmente do seu lado, arvora-se o direito e o dever de fazer cumprir a vontade de seu deus! De perseguir, discriminar e até mesmo agredir e assassinar quem não está do mesmo lado que ele, afinal, ele leu a Bíblia e lá, tanto no Velho como no Novo Testamento, está escrito que apenas os seguidores daquele deus e de seu filho têm direito à vida. Foi o próprio Deus que lhe deu essas certezas. "Converta-se ou morra!" Eis a mensagem que o cristão sincero recebe de seu deus e repassa aos que lhe rodeiam, das piores formas possíveis.
Ele não pratica a hipocrisia, sua crença é sincera e na verdade ele estará apenas seguindo tudo o que seu deus psicopata manda e faz, pois ele seguirá os fundamentos do Cristianismo totalmente convicto de que TODAS aquelas histórias, leis e conceitos são mais do que reais, são inspirados por um deus criador de tudo; estará totalmente feliz e satisfeito por estar fazendo a vontade de seu deus; com a consciência apaziguada pela certeza de que é homofóbico a mando de Deus, é machista a mando de Deus, é racista a mando de Deus, mata infiéis mando de Deus.
Cristãos sinceros não são muito fáceis de diferenciar de psicopatas, já que o seu deus age como um. Aparecem na imprensa por terem matado vizinhos, por terem abusado sexualmente de crianças e adultos, por terem espancado os filhos, por terem agredido verbal e fisicamente crianças, negros, ateus, mulheres, gays, lésbicas e pessoas transgêneras. Os cristãos sinceros fazem tudo isso a mando de Deus, pois a Bíblia lhes diz que deus não se incomoda e até ordena que seu primeiro povo escolhido e santo escravize meninas virgens para "casamento" (leia-se abuso sexual, estupro); o deus dos cristãos não se incomoda e até ordena o apedrejamento de pessoas de outras culturas ou que, de uma forma ou de outra, não o obedecem, não o seguem, não creem nele e/ou creem em outros deuses. Esse deus não se incomoda que uma criança seja estuprada, pois respeita o livre arbítrio do agressor e o julgará no Fim dos Tempos e as suas vítimas receberão dádivas no Céu, lado a lado com seu estuprador, caso ele se arrependa na hora da morte.
Um cristão sincero age como agem os psicopatas, sem empatia, sem ética, sem pudor, sem peso na consciência, pois... sim, eles agem assim por crerem sinceramente que estão cumprindo a vontade do seu deus! Que se igualam a ele, que são especiais, incompreendidos, perseguidos pelos que não são psicopatas, pelos que defendem a igualdade de todas as pessoas... Deus NÃO DEFENDE a igualdade de todas as pessoas, não perdoa a não ser que receba em troca total devoção e obediência, inclusive na forma do assassinato do próprio filho: "Se meu deus mandou, é certo e eu faço, pois Deus age em mistérios e eu sou um cristão sincero, eu creio no meu deus verdadeiramente!"
Cristãos hipócritas? Não! De jeito nenhum! Eles jamais matariam seus filhos a mando de um deus.
Pessoas éticas, boas, empáticas, que primam pela racionalidade e que são socialmente responsáveis exercitam sua lógica contra a crença que herdaram de seus pais ou de seu meio social e fazem suas análises racionais, transformadas em escolhas atitudinais, comprometidas com a ética, coisa que o deus bíblico e seu filho não possuem; é como se pensassem sem jamais terem coragem de verbalizar: "Sou cristão, mas não sigo, não posso seguir as palavras bíblicas pois aquelas palavras são incorretas histórica e cientificamente, são palavras homofóbicas, são racistas, são machistas, vingativas, cruéis e sanguinárias". E estão certos!
Se os cristãos brasileiros e de outros países não fossem hipócritas, estaríamos possivelmente vivendo no ocidente uma realidade muito parecida com a dos Estados Islâmicos teocráticos, nos quais todas as pessoas são obrigadas a viver de acordo com essa religião. Se a maioria dos cristãos brasileiros não fossem hipócritas até pessoas de outras culturas e países estariam expostas a sofrerem ameaças de morte por desenharem Jesus ou zombarem de Deus, assim como os islâmicos fazem proclamando pena de morte para pessoas do ocidente que, naquela mentalidade religiosa, ofendem a Maomé, ao desenhá-lo de forma satírica e/ou crítica.
É mesmo indispensável que os cristãos cultivem essa hipocrisia que lhes diz que nem Deus pai nem Jesus merecem que cometam preconceitos, perseguições, agressões e assassinatos em seus nomes.
Esse tipo de hipocrisia cristã é o que eu chamo de 'hipocrisia do bem', pois é determinada pela percepção racional de que, ainda que a fé religiosa traga algum consolo a este ou aquele indivíduo condicionado a se sentir consolado pela existência de um deus, essa fé não é suficiente para suplantar a igualdade de direitos de todos os seres humanos.
É uma hipocrisia movida pela razão, em oposição à sinceridade movida pela fé.
É uma hipocrisia que demonstra que, na verdade, a única forma ética de se seguir ao deus bíblico, ao deus filho, ao deus fantasma ou a qualquer deus já imaginado pela humanidade é sendo hipócrita e não levando sua fé muito a sério. Uma ida ao templo, uma doaçãozinha aos pobres, casamento, batismo, crisma, extrema unção e só. Nada de se tornar um cristão sincero! Não... A crença cristã sincera é perigosíssima para a vida em sociedade.
Mas não temos, infelizmente, apenas cristãos hipócritas, os éticos. Além dos terríveis cristãos sinceros, temos ainda os líderes cristãos!
Católicos ou evangélicos, os líderes cristãos são, numa escala maior do que a dos cristãos sinceros, o maior perigo para as sociedades.
Os líderes cristãos não são cristãos hipócritas-do-bem; são hipócritas criminosos. Praticam a mesma fé seletiva que os cristãos hipócritas-do-bem praticam, mas enquanto estes são movidos pela ética, aqueles são movidos por interesses pessoais que colocam acima da humanidade, praticando crimes contra a dignidade, contra a liberdade e contra a vida humanas. Líderes cristãos são hipócritas criminosos e praticam a fé selecionada pelo seu desejo de poder e a manutenção deste, pois entre outras coisas, esquecem convenientemente que seu deus desqualifica a riqueza material e amealham riquezas tirando-as justamente daqueles a quem deveriam doar, segundo seu próprio livro.
São os líderes cristãos que incentivam o ódio, o preconceito e a educação não científica das crianças, preocupados que estão com a continuidade e aumento de seu rebanho de pessoas facilmente manipuláveis, desacostumadas a usar a razão desde cedo.
São os líderes cristãos que, do alto de seu poderio ideológico/econômico/político interferem nas leis do país, via de regra compactuando com as violências cometidas pelos seus iguais e com a morte de crianças e mulheres, gays/lésbicas e de pessoas transexuais, praticando e acobertando crimes como abuso sexual de menores e mesmo de adultos/as, lavagem de dinheiro do tráfico de drogas, do mercado de escravos humanos, e outras corrupções políticas e econômicas nas trocas de privilégios para a manutenção de seu poder.
Ao darem declarações públicas em grandes shows midiáticos, propiciam de forma criminosa a disseminação de doenças sexualmente transmissíveis e fatais, como a AIDS; dão aval moral para a perseguição e a mutilação e/ou assassinato de pessoas de religiosidade afro-brasileira e mesmo na própria África incentivam a caça às feiticeiras por seus pastores e padres; endossam assassinatos baseados em denominações cristãs; incentivam violências baseadas em gênero, orientação sexual e identidade de gênero, quando homofóbicos/lesbofóbicos e transfóbicos sentem que têm o embasamento nas leis de Deus para agirem; são os líderes cristãos que se posicionam contra o aborto e que possibilitam a inversão de valor da vida, colocando a intrauterina como sendo mais santa do que a vida da mulher que engravidou por engano ou falha do método contraceptivo, ou mesmo por ter sido estuprada pelo companheiro abusador (que também é legitimado pela Bíblia).
Líderes religiosos são os verdadeiros responsáveis pelos crimes dos cristãos sinceros, quando personificam-se como enviados de um deus cujas leis assumidamente são as únicas verdadeiras; as palavras de um livro são então santificadas, e tudo o que se fizer a partir delas, será em consonância com o suborno maior: aja como eu digo que Deus quer e terá a vida eterna após a morte.
A religião cristã, como um todo e nas pessoas de seus líderes, é a verdadeira responsável pelos desmandos sinceros de seus fieis.
Quanto mais proteção e respeito se exige a esta religião, menos proteção e respeito se garante aos direitos individuais expressos na Constituição a todas a população brasileira, sejam pessoas de qualquer etnia, sejam ateias ou de outras religiões, sejam cisgêneras ou transgêneras, sejam de qual gênero for, seja qual for a sua identidade de gênero e a sua orientação sexual, neste país que deveria ser laico, não apenas na letra da lei, mas em todas as suas instâncias ideológicas, econômicas e político-sociais.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Ateus não pecam (mas as vezes agem como se existisse pecado)

O mercado de Escravos - Jean-Leon Geròme
Sempre que um ateu chama uma mulher de puta/vadia por que ela "já deu pra todo mundo" ou por que ela usa roupas curtas está repetindo um pensamento que lhe foi incutido pelo cristianismo desde que nasceu: a mulher deve ser casta.
Sempre que um ateu tenta ofender a masculinidade de um homem heterossexual chamando-o de veado/bicha por que ele chora, ouve Lady Gaga, usa roupas consideradas afeminadas ou por que ele não "come todas", ou sempre que esse ateu discrimina homossexuais, diminuindo-os de alguma forma por não serem "homens de verdade", por se relacionarem sexual e afetivamente com outros homens, ou sempre que discrimina lésbicas por se relacionarem com outras mulheres ou por se vestirem de forma socialmente dita como masculina, está perpetuando o pensamento cristão de que o homem foi feito para a mulher e a mulher para o homem. Sempre que um ateu discrimina uma pessoa transgênera, desconsiderando sua identidade de gênero e insistindo que essa pessoa é definida pelo gênero com o qual nasceu, por seus órgãos genitais, está repetindo o pensamento cristão de que "Deus fez o homem e a mulher à sua imagem e semelhança", ou seja, o gênero sendo determinação de Deus, intocável e imutável. Sempre que um ateu discrimina negros e negras também está repetindo uma das interpretações de um trecho bíblico, tal interpretação diz que os negros são descendentes de um amaldiçoado e essa foi durante muitos séculos justificativa para a escravização de um povo.
Historicamente, o Cristianismo não inventou o machismo, a lesbofobia, a homofobia, o racismo e a transfobia, mas, no Brasil, tal religião foi não só a porta de entrada desses preconceitos como ainda é sua força mantenedora através das várias denominações cristãs, da mídia, da doutrinação religiosa de crianças, da interferência cristã na educação pública e na política brasileira. Tais preconceitos são direta ou indiretamente reforçados pela Bíblia e NÃO são considerados pecados no Cristianismo nem em nenhuma religião que se autodenomine cristã. E, parece-me, em nenhuma vertente religiosa. Possíveis exceções seriam a Umbanda e o Candomblé, que se relacionam muito bem com a liberdade sexual dos seus seguidores.
O conceito de espírito/alma é um conceito religioso. A "pureza espiritual", e consequentemente carnal, é colocada como um nível a ser alcançado, através da religião, das divindades ou de doutrinas. Em praticamente todas as grandes religiões do mundo prega-se a superioridade "do espírito" sobre a carne (ou seja: sexo é pecado ou deve ser praticado dentro de determinadas regras); em praticamente todas elas tem-se como "vontade divina" a heterossexualidade e a castidade; em todas as religiões há a separação entre os fieis e os infieis, os iluminados e o não iluminados que precisam ser ajudados, instruídos. No Brasil, a religião com maior número de adeptos ainda é o Cristianismo. A mentalidade brasileira foi moldada, em grande parte, pelo pensamento católico que obliterou as culturas indígenas aqui encontradas pelos colonizadores e as culturas africanas dos negros que a traziam consigo quando aqui foram escravizados. Aos indígenas, era dada a concessão do perdão através da catequização, pois foram considerados inocentes e ainda não em contato com a Palavra de Deus; aos negros foi dado o vaticínio da escravização, por serem tidos como descendentes de um amaldiçoado por Deus, segundo algumas interpretações.
A colonização do Brasil pelos portugueses não se deu apenas em âmbito político-econômico; como reza a cartilha da dominação, o povo brasileiro, apesar de ser formado por três etnias/culturas, também foi formado culturalmente de forma colonial, sendo a cultura europeia de superioridade masculina, cristã e branca a dominante e imposta a todos os demais e seus descendentes. Os pensamentos dos brasileiros sobre a função do homem, da mulher e do sexo na sociedade são, em grande parte, herança cultural europeia católica.
Sendo assim, estamos acostumados aos padrões comportamentais sob a ótica cristã, ainda que não sigamos o Cristianismo; e mais ainda pela ótica católica, religião oficial do Império até o início da República, em 1890. De lá para cá, a separação entre Estado e Igreja Católica "nunca se completou e, na verdade, ela tem passado por uma regressão 'lenta, gradual e segura', de modo geral misturando hipocrisia, demagogia e (má) fé. Senão, vejamos: Getúlio Vargas instituiu os feriados públicos religiosos; o Marechal Castello Branco proclamou N. Sra. Aparecida 'padroeira' e 'generalíssima’ do Brasil; José Sarney incluiu o 'deus seja louvado' em todas as cédulas (mantido e negritado pelo 'ateu' Fernando Henrique Cardoso); o 'Preâmbulo' da Constituição de 1988 falaVA em deus (apesar da proibição indicada no Art. 19 do mesmo documento) e quase todos os tribunais e órgãos públicos brasileiros ostentam crucifixos (que aumentam de tamanho à medida que aumenta a importância da corte ou do órgão)."[1]
Desta forma, influenciados pelo cristianismo majoritariamente católico, sempre que nos debruçamos sobre questões como liberdade sexual da mulher, papel social do homem e da mulher, direito ao aborto, maternidade, manutenção financeira da família, conceito de família heterossexual, adultério, virgindade, promiscuidade, alistamento militar, homossexuais, lésbicas, bissexuais e pessoas transgêneras, corremos o risco de nos deixarmos levar pelos padrões cristãos do que é o "certo", o "bom" e o "normal".
Seja com ou sem a noção de pecado, todas as religiões têm regras de conduta e em todas elas existe a regra que diz que o ser humano que não crê em nenhum deus ou doutrina religiosa está errado, precisa ser salvo de si mesmo, instruído na "verdade", afastado do mal ou sofrerá imensamente nesta vida, na próxima reencarnação ou no Inferno.
Para as religiões calcadas na Bíblia (e em muitas não bíblicas), pecado é tudo aquilo que vai contra a lei e a vontade de Deus. As leis e as vontades de Deus estão lá descritas e sua interpretação depende de qual vertente religiosa se segue. Enquanto que o Velho Testamento é em parte um dos livros da religião judaica, o Novo Testamento é unicamente cristão, prestando-se ao Catolicismo, ao Evangelismo, ao Kardecismo e à Umbanda, entre outras religiões autodenominadas cristãs.
Para efeito deste texto sempre que nos referirmos a Deus estaremos falando do deus bíblico como o conhecemos no Brasil, que é uma sociedade totalmente influenciada por esse deus e muito pelo Catolicismo, uma vez que fomos colonizados pelos portugueses, originalmente católicos. O Catolicismo, assim como todas as religiões bíblicas (e muitas não bíblicas), se arroga como o único interprete das leis e vontades divinas e, portanto, considera que tanto judeus como evangélicos, islâmicos, xamanistas, wiccas, adoradores da consciência de Krishna, Jedis, satanistas, esotéricos, espíritas kardecistas, umbandistas e candomblecistas vivem em pecado e, ao professarem sua fé, ajudam a propagar o pecado no mundo.
Ateus, que são pessoas que não creem em nenhum deus de nenhum tipo, seja o deus bíblico seja qualquer outro imaginado pela humanidade, estão pecando sob a ótica católica e sobre todas as óticas de todas as religiões e crenças religiosas, ou, no mínimo, estão no caminho errado de dor e sofrimento por não serem "espiritualizados". Mas, se pararmos para refletir sobre o conceito de pecado - não seguir as leis divinas - percebe-se imediatamente a incoerência de se considerar um ateu como um pecador: o pecado é um conceito religioso. Só aceita a noção de pecado quem segue uma das religiões que o reconhecem.
Ao não seguir nenhuma religião e ao não crer em nenhum deus, também não se crê, logicamente, em leis divinas; logo, não se crê em pecado, que é uma noção bíblica.
Em qualquer sociedade, uma autoridade só é autoridade se for reconhecida pelos demais membros daquela sociedade que se colocam como seus subalternos e a reconhecem como legítima. Assim é com as autoridades institucionais, como o Estado, as leis, a polícia, as forças armadas, o líder em uma tribo e daí por diante. A autoridade, para atuar assim, precisa ser legitimada pela sociedade em que se insere. Do contrário, ninguém a reconhecendo como sendo autoridade, seu poder regulador será igual a zero. No momento em que ateus não reconhecem a autoridade de um deus, automaticamente deixam de serem pecadores, pois as leis desse deus - e sua noção de pecado - apenas servem para os que o reconhecem como uma autoridade.
A religião não tem o direito de gerir a vida dos que não a seguem; o Cristianismo não tem o direito de gerir a vida dos ateus, definindo que regras eles devem seguir e determinando seu comportamento social e sexual. Esse direito só é dado à religião quando se passa a segui-la. Consequentemente, a única parcela da população que pode ser regulada pela noção bíblica de pecado é a parcela que segue o Cristianismo. Os únicos passíveis de pecar são os religiosos. Ateus, nunca!
A ética cristã é machista, homofóbica, lesbofóbica, racista e transfóbica, já que seu deus privilegia homens heterossexuais, faz diferença entre os povos e determina que homem e mulher têm papeis e funções rígidas, e são feitos à sua imagem e semelhança, dando margem à transfobia. O Brasil é constitucionalmente um país laico. Um país laico, por definição, não reconhece nenhuma religião como sendo estatal; um país laico reconhece que a religião é uma questão individual, não uma questão estatal; um país laico não exige de seus cidadãos que se portem dessa ou daquela maneira de acordo com leis divinas, mas sim de acordo com leis seculares que gerem a sociedade. Logo, ateus são incapazes de pecar: não reconhecem a autoridade do deus bíblico sobre eles, as leis desse deus não lhes dizem respeito; não são subalternos desse deus nem legitimam seu "direito" de lhes dizer o que é certo e o que é errado.
A ética dos ateus, no entanto, ainda pode ser (e muito frequentemente é) intensamente influenciada pelo pensamento de Deus uma vez que são criados segundo os parâmetros desse deus; por isso vemos na militância ateísta tantos ateus que continuam pensando como cristãos, embora tenham se libertado dessa fé ou jamais a tenham seguido. Tal influência se dá quando ateus reagem de forma preconceituosa, como cristãos quando confrontados com comportamentos tidos como pecaminosos pela Bíblia. A ética ateísta, por extensão, deveria ser logicamente baseada na racionalidade. Não há nada de racional no preconceito, nenhuma razão real para se discriminar outro ser humano pela cor da sua pele, pelo seu gênero, pela sua identidade de gênero, pela sua orientação sexual ou pelo seu comportamento social, exceto em casos de crimes. Não há nada de pecaminoso no comportamento social e sexual de adultos. Não existem pecados para os ateus. Apenas religiosos pecam, assim como apenas religiosos blasfemam, que é um dos piores pecados para os cristãos. Apenas os religiosos reconhecem no deus bíblico a autoridade para gerir suas vidas e por isso, quando o desobedecem, sabem que estão pecando contra seu deus.
Quando um religioso age como um machista, como um homofóbico, como um lesbofóbico, como um racista ou um transfóbico, ele está seguindo as orientações de sua religião baseada na Bíblia; quando um ateu obedece a essas orientações de cunho bíblico, ele está apenas demonstrando que não examinou as questões a fundo e não exercitou seu poder de raciocínio com o mesmo afinco com que o usou para concluir que não existe um deus. Assim como a racionalidade e a lógica aniquilam com a ideia de um deus, todos os preconceitos também deveriam ser abolidos por qualquer pessoa que pratique a racionalidade e use a lógica. Ateus não pecam, mas podem agir de forma irracional tanto quanto os cristãos, quanto à questões de gênero, de etnia, de orientação sexual e direitos iguais para todos.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Redução da Maioridade Penal: Antissocial e Inconstitucional

Futebol - Orlando Teruz
Muito está sendo apresentado a favor e contra a redução da maioridade penal no Brasil, através da PEC 171/1993 que foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal (CCJ), no último dia 31 de março.[1] Mas é possível repara que as discussões que tem sido travadas deixam de lado vários aspectos pertinentes e mais importantes a este assunto, ao qual tentaremos mostrar aqui.
Numa análise minimalista sobre este assunto da maioridade penal, poderíamos discutir que, sendo assim, esta redução não faria muita diferença, mas inibiria os casos isolados e exceções de ocorrerem, já que a maior parte dos jovens não entraria nesta vida. Análise equivocada. O problema é de médio e longo prazo. Qual o principal erro da redução da maioridade penal? Temos que compreender que toda e qualquer opinião a respeito deste assunto costuma se dar de forma emocional e específica, por pobreza de dados e levantamentos a respeito da conjuntura que envolve, além do próprio oportunismo de muitos lideres de algum movimento social ou político. Por exemplo: os crimes cometidos, no Brasil, por menores entre 16 e 18 anos chegam a 0,9 %, descendo a 0,5 % se forem levados em consideração somente os casos em que envolva homicídio e tentativa de homicídio, segundo último levantamento, de 2014, dos dados do Ministério da Justiça. Isto significa que teríamos um aumento ínfimo da população carcerária. Será mesmo? Possivelmente não. Nunca, em hipótese alguma quando lidamos com a forma em que a sociedade se move podemos descartar um conceito específico que potencialmente transformará uma problemática. Ou seja, não podemos achar que uma lei desta possa trazer benesses sem que a mesma não prejudique outros. Sendo assim, fica a questão de o que ela trará mais.
Um jovem infrator será jogado num mundo onde o mesmo terá às mãos as oportunidades de adquirir todo o tipo de conceituação criminosa e marginalizada que o levou até lá, mas muito mais acentuada e muito melhor trabalhada. Em poucas palavras, se tornará um bandido melhor. Aprenderá não apenas as melhores formas de burlar e transgredir a lei, como também compreenderá que a sociedade o excluiu desde cedo, e que esta seria a única maneira dele manter-se vivo, até mesmo (em sua própria concepção) sóbrio. E há também o aspecto de marginalização que tende a segregar ainda mais nosso convívio e preestabelecer conceitos rotineiros e irreais, como achar que apenas pobre é bandido e possuiria sequelas que os fariam ser bandido. E sabendo que a grande maioria dos pobres neste país são negros, o racismo ganharia uma aliada de peso com esta PEC.[2] Com esta PEC aprovada, será dado o “direito” de se ver pobres e negros como prováveis bandidos desde sua infância. Estas ocorrências dificilmente seriam levantadas em curto prazo, mas sentiríamos seus efeitos em breve, quando políticas sociais poderiam acabar por dar preferência a indivíduos que “não se perderiam no mundo do crime”. Pensar assim é esquecer que o mundo do crime atrai as crianças em última circunstância, quando este já se vê tão adentrado nela que não vê outra saída (um adendo importante: não importa que haja indivíduos que conseguiram sair deste vórtice de crueldade, pois a tendência não é esta e, este vórtice persistindo graças ao sistema social que vivemos e que os cria, sempre haverá mais e mais pessoas a serem sugados por ele[3]).
É sabido por muitos que a melhor maneira de evitar os crimes do jovem (e futuro adulto) é a educação, mas muitos têm crente de que esta lhe falta, que esta não lhe tem servido. O problema educacional no Brasil ele possui raízes muito mais profundas que apenas a falta de educação e da educação dos jovens. Nosso sistema educacional tem progressivamente melhorado nas últimas décadas, mas este sistema está inserido numa cultura que introduz a vociferação metica, onde os jovens (e muitos desde muito jovens) precisam alcançar metas, mostrar resultados e, assim, poder ser inserido na sociedade como lhe deve. E aqueles que não o alcançarem simplesmente ficarão à margem. Mas por que eles não conseguem? Por que as chances são mínimas, principalmente se você for ou pobre, ou morador de periferia, ou negro estas segregações se farão muito mais presentes no seu dia a dia. Para a segregação por parte daqueles que detém o poder econômico, político e até social, inclusive, você sendo de cidades pobres e/ou muito afastadas, não sendo do eixo sul-sudeste, este aspecto se intensifica. Estatisticamente, há muito mais chance de uma criança estar à margem da sociedade, de alguma forma, do que estar de fato inserido nela caso faça parte de um (ou mais, ou combinação) destes aspectos. Lhes é dito que, desde cedo, ou eles entram na cultura predominante ou eles nada serão, nada poderão, nada conseguirão.[4] Adivinhe que lhe oferece “outro caminho” (mesmo que, ainda em tenra idade, eles saibam que não seria à eles o melhor)?
Estes são os principais aspectos sociais que muito são ignorados pelos parlamentares e defensores em geral da ideia desta redução. Mas não os únicos.[5]
Mas há, ainda, o aspecto legal. É possível, legalmente e constitucionalmente, esta redução? Segundo o jurista Dalmo Dallari, não!

Para jurista, artigo 228 da Constituição, que estabelece a inimputabilidade penal de menores de 18 anos, é cláusula pétrea. “A proposta, além de não ser constitucionalmente aceitável, é socialmente prejudicial para o povo brasileiro, porque vai forçar meninos de 16 anos a ficarem à mercê de criminosos já amadurecidos”.

Segundo a entrevista do jurista, concedida à repórter Anna Beatriz Anjos do Portal Fórum[6], o jurista afirma que a inimputabilidade penal de menores de 18 anos pode ser considerada um ‘direito e uma garantia individual’. Sendo assim, ele decorrerá no artigo 60 da constituição federal que classifica estes direitos e garantias como Cláusula Pétrea, ou seja, não passível de mudança e emendas (PEC significa Projeto de Emenda Constitucional)[7][8]. Nesta visão, qualquer mudança neste aspecto é vedada. Mas pode-se alegar, uma vez que se a CCJ da câmara federal aprovou, talvez não seja impossível esta emenda. Mas daí retornemos no que foi dito anteriormente neste texto: Temos que compreender que toda e qualquer opinião a respeito deste assunto costuma se dar de forma emocional e específica, por pobreza de dados e levantamentos a respeito da conjuntura que envolve, além do próprio oportunismo de muitos lideres de algum movimento social ou político. Não nos é plausível esperar que um grupo de políticos eleitorados (que sim, deveriam prezar pelas leis e suas construções) ajam assim quando algo que tem se tornado gritantemente assediado popularmente, seja analisado da maneira que lhe caberia, sério e estudado.
Mas tendo o jurista a razão com relação a estes termos, será obrigação da presidência da república vetar o projeto e o judiciário de acertar como inconstitucional e, assim, o mesmo não passar de mera disfunção antissocial que tardou a verborragiar, mas que estaria em seu devido lugar: arquivado.
Não se entenda que este texto visa minimizar a dor, o sofrimento e o medo que muitas pessoas passam em função de terem sido ou potencialmente serão vítimas de crimes cometidos por menores, mas tendo em vista os dados apresentados (e que mais detalhes são facilmente encontrados na internet) fica claro que o emocional não pode se sobrepor ao racional, criando-se o risco de que por exceções acabemos por criar meios violentos de marginalizar indivíduos numa sociedade já estratificada, já propensa rejeitar a maioria dos que ela deveria acolher. E isto que – e a muito é sabido de sua existência – o menor infrator é sim passível de punição[9], cabendo aos governos aplicarem o que é colocado no ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente. Uma frase (atribuída) a Pitágoras pode ajudar na concepção mais ampla de nossa atual conjuntura: “Educai as crianças, para que não seja necessário punir os adultos.”