sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Não importa se Jesus existiu

A incredulidade de São Tomas - Bernardo Strozzi
          Jesus existiu? É filho de um deus? É um mito criado pelo Império Romano, numa jogada política?
Na Historiografia oficial, aquela reconhecida como fonte histórica[1], não há uma posição determinante sobre a existência ou não de Jesus Cristo. O que há é uma certa discordância entre historiadores no que se refere a evidências históricas de que existiu um homem chamado Jesus que corresponda aos eventos descritos no Novo Testamento; há correntes de historiadores que duvidam desta comprovação e há os que defendem sua existência[2], embora considerem como fontes fidedignas documentos que, para outros, são suspeitos de adulteração, citações de escritos de terceiros já não existentes, parágrafos isolados e insuficientes ou incoerentes com o contexto histórico em que teriam sido escritos[3].
          Para os cristãos, na verdade, não importam ou não deveriam importar quaisquer comprovações materiais, documentos ou achados arqueológicos que comprovassem a existência de Jesus, pois crer que ele existiu é um ato de fé, descrito em seus dogmas e ponto final, apesar de, contraditoriamente, apelarem para as parcas linhas que citam o personagem.
Para os racionalistas, caso fossem encontradas evidências de um Jesus Histórico, não importaria para seu agnosticismo ou ateísmo, uma vez que estas evidências não comprovariam que Jesus era filho de um deus, a existência desse deus ou que possuía poderes sobrenaturais; o cerne do racionalismo é o uso da razão e a comprovação da existência de Jesus não atinge em nada a conclusão de que o mundo é regido por leis naturais e não por entidades invisíveis, imateriais e, para todos os efeitos, incapazes de serem detectadas por qualquer meio científico.
          Para os historiadores, de forma geral, a existência ou não de Jesus é um estudo no âmbito da documentação comprovada, dos achados arqueológicos do período, do cruzamento de dados e da análise. A comprovação das informações contidas nas fontes dá-se pela inserção das mesmas no quadro maior da sociedade a que se refere, pela coincidência de informações em achados arqueológicos e documentações diferentes e de diferentes períodos, pela datação das fontes, pela história iconográfica, pelo conhecimento acumulado ao longo do estudo da História e por vários outros meios. A História não é um estudo "conspiracionista" que busque a negação da existência de qualquer fato, personagem ou evento, nem, por outro lado, que busque preferencialmente a sua confirmação, mas é a busca de uma maior segurança sobre os fatos, de busca pela verdade até onde for possível e de conclusões lógicas ditadas pela contextualização das fontes e de seus autores.
          O título deste artigo objetiva propor uma reflexão sobre o quão é importante, para a sociedade hoje, a comprovação ou não da existência de um Jesus Histórico, diante dos debates sobre ateísmo e crença religiosa em uma sociedade majoritariamente cristã; no que pesaria, para ateus racionalistas, que tal personagem tenha existência comprovada? Em que pesaria para os cristãos, senão como uma espécie de "vitória" incompleta, posto que tal comprovação ainda não seria a de demonstrar a existência do sobrenatural, a existência de um deus ou mesmo o caráter benevolente desse deus e o quanto ele mereceria ser adorado ou não?
Em última instância, para a análise da religião e seu papel social, não importa se Jesus existiu, se a Bíblia é fiel à sua biografia histórica ou se ele foi casado e teve filhos, mas importa muito mais que a crença cristã esteja presente na nossa sociedade e atue sobre ela em todos os seus setores, imiscuindo-se na gerência social e impondo ou tentando impor seu modo de ver o mundo, de pensar o ser humano e de policiar todos os demais membros desta sociedade, sejam eles seguidores ou não desta religião.
          A comprovação da existência de Jesus não diminuiria ou aniquilaria os males da crença cristã, posto que não é essa a questão que motiva guerras religiosas, preconceitos sexistas, machistas e racistas, cerceamento e negação dos direitos individuais, discursos de ódio, coação de crianças pelo medo e pela violência psicológica, quando não física, e interferência nas leis e políticas públicas, mas a própria crença em si é que se faz danosa às relações humanas.
A certeza e a fé de que se está do lado da "única religião verdadeira" e do "único deus verdadeiro" é o que move os líderes e fieis do Cristianismo em sua "missão sagrada", que seria consertar o mundo, salvá-lo, espalhar sua mensagem a qualquer custo, invadindo de forma sistemática os espaços sociais, a laicidade estatal, a educação pública, o comportamento individual e a liberdade do outro, violar os direitos dos sem crença religiosa, discriminar as outras religiões e seus membros, usufruir de privilégios fiscais e sociais.
          Para o Estado laico, não importa ou não deveria importar se o Jesus bíblico existiu, se o Jesus histórico existiu, se existe ou não um deus e qual seria esse deus. O Estado é um instrumento de organização social em prol de todos os seus membros, independente de crença religiosa ou de não crença.

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