Crucifixion - Salvador Dalí |
Não é novidade para aqueles que têm
interagido com a questão religiosa e seus cernes que se encontra com certa
facilidade incorreções e contradições tanto nos dogmas cristãos quanto nas suas
escrituras. Há de se convir que nem todo o dogma religioso possui embasamento
bíblico, como os conceitos de onipotência, de onipresença e onisciência, que
são interpretações e não noções categóricas. E isso sem contar que a própria
confecção da bíblia é um apanhado de livros e contos compilados de forma
política, com o intuito de preservar um governo desgastado junto à sua
população, que se tornara cristã (vários tipos diferentes de cristianismo,
muitos que hoje nem mais existem.
Mas e sobre a bondade divina? O que
dizer de um termo que para olhos diversos nos mostra ser um aspecto tão
presente e poderoso, assim como para outros olhos nos mostra uma incoerência
gigantesca? Para isto, se tem que a bondade de Deus proveria da não necessidade
da existência das coisas e que, portanto, o mesmo criou tudo e, sendo assim,
somos gratos pela sua bondade[1].
Ora, isso não carrega uma lógica profunda. A livre associação, de prejulgo
circular (Deus é bom, pois nos fez sem precisar; logo ele é bom, pois aqui
estamos) não pode ser validada. Uma coisa existir, mesmo que nos parece dentro
de um determinado ângulo seja boa não é necessariamente indício que o ato da
criação seja bom, nem mesmo que o seu criador assim o seja. Benevolência se
traduz em ações diretas e duradouras, e não é isso que se vê nas conjunturas
das ações religiosas e nem em suas concepções, suas apregoações.
Isto acaba por gerar uma corrente de
ideários benevolentes provindos duma premissa insustentável, como se atribuir
toda e qualquer ocorrência dita boa como gerência divinesca. Assim, ele nos
criou, e está cuidando de nós. Isso é apenas sofisma atrelado à incoerência de
não se enxergar as gigantescas nuances que percorrem o mundo, sejam ações
naturais ou humanas. Tudo que é bom é obra divina[2].
E quanto ao mal? Bem, este depende muito mais da interpretação do que um alinhamento
a um único ser. Algumas nos dizem sermos imperfeitos (mesmo sendo oriundos da
criação boa) e outros apregoam à isto um ou mais seres de maldade pura, com o
intento de corromper.
Mas o ponto aqui é: se este Deus é tão
bom, provindas análises do próprio intento cristão, o que há de se dizer sobre
o que Deus teria feito e não o é? Vejamos, através dos relatos bíblicos.
Deus criou tudo e, portanto, criou o
homem (Gen 1.26). Deu-lhe consciência e sapiência. Sendo assim, ele criou um
meio do ser humano saber e ter consciência do que faz, mas não lhe concedeu
isto de bom grado, visto que expulsou os expulsou por usar que lhes dera. Mas
se lhes deu, por que não usar? Se apenas não podia, por que dar? Não sabia, em
sua onisciência, que este presente lhe serviria para compreensão? A expulsão é
muito clara com relação a isso ser bom. Se não o é, é feito algo de ruim por
alguém bom, e sem razão para fazê-lo? Bem, isto seria incompreensível provindo
de alguém bom. Então é impossível se afirmar em essência alguém bom quando o mesmo
não o faz. É lógico que a argumentação contrária poderia pender a se afirmar
que nem tudo que possamos fazer nós devemos fazer, mas isso não caberia na
sapiência, uma vez que na criação do ser humano por Deus este nos impôs a
sobrepujança perante o resto da criação (Gen 1.28-31).
Deus libertou seu povo (os hebreus, e
nada é citado na bíblia que isto seja uma metáfora) da escravidão no Egito. Deu-lhes
a liberdade tão esperada e impedida pelo faraó. Mas, por que o povo escolhido
estava no Egito? Fome. Fome que assolava as terras de Canaã (Gen 43.1). Bem,
por consequência da já dita e proferida onipotência divina, quem trouxe a fome?
Sim, foi Deus. Mas este fez com que seu povo, através da descendência de José,
fosse acolhido nestas novas terras até uma insurreição monárquica. Onde se
encontra a onisciência? Portanto Deus manda um de seus filhos fazer o trabalho
de guiar o povo para sair destas terras que lhes maculavam. De que forma? Da
pior possível. Pragas, pestes, fome, fogo e, por último, infanticídio (Exo
11-12). É estranho analisar quando Deus diz ter escolhido um povo, o mesmo
acaba por fazê-lo em detrimento a todos. Ainda assim, sermos compelidos a crer na
bondade deste ser.
A lista, na verdade é extensa. E poderia
ser comprimida, que ainda assim seria grande. Não falo apenas de genocídios e
incoerências, mas do próprio contexto que não se encaixa. A bondade não é
equivalente a Deus, nem tão pouco sua referência e criação. Tudo que aqui foi
dito são retóricas provindas da própria crença no deus abraâmico, e por tanto
sua desconstrução deve permear o mesmo cerne. Partiu-se aqui da premissa de que
este deus existe e ele é exatamente como afirmado no livro canônico-divulgador
da idolatria cristã. Ainda que não se tenha comentado aqui a indiferença divina
com relação as intempéries que o mesmo, com seu poder total, nada faz. E
argumentar a respeito de livre arbítrio não é uma proposta interessante, muito
pelo contrário, é sádico. Temos o livre arbítrio para fazer algo correto
(afirmação extremamente questionável, mas não neste texto), e quando podemos,
fazemos. Deus não pode, ou não quis?
A qual conclusão podemos chegar com
isto? Uma análise parcimoniosa não permite ver o que a estas histórias nos
mostram, bem como estas fizeram com que milhões e milhões de pessoas fizessem
com outras, em nome desta ideologia. Vemos alegações de que a religião não mata
ninguém, mas isto é mentira (ou desonestidade intelectual) pois ela possui as
leias e as armas para isto. O fato dum crente interpretar o que quiser no
contexto que lhe agradar não o faz vilão, mas hipócrita. O vilão está naquele
que faz tudo o que sua religião manda. Daí se perde o desígnio da bondade. Não
é possível ser bom, pregar amor e solidariedade e, ao mesmo tempo, seguir o que
preceitos desagregadores, homicidas, infanticidas e diluvianos. Ser cristão não
é apenas seguir a cristo, mas seguir o que se prega em sua religião cristã,
onde todas as desventuras citadas são frequentes. Seguir a cristo também é
estar longe da família (Lc 14.26) por um ideal de bondade. Sério isto? Não. A
humanidade precisa estar a si mesma, para si mesma, e não por ideias que
promulguem separação. O ser humano é mais importante que qualquer divindade e
sempre será. Deus não é bom, não importa o que se diga. E nunca será.
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