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Muito está
sendo apresentado a favor e contra a redução da maioridade penal no Brasil,
através da PEC 171/1993 que foi aprovada pela Comissão de Constituição e
Justiça da Câmara Federal (CCJ), no último dia 31 de março.[1] Mas
é possível repara que as discussões que tem sido travadas deixam de lado vários
aspectos pertinentes e mais importantes a este assunto, ao qual tentaremos
mostrar aqui.
Numa
análise minimalista sobre este assunto da maioridade penal, poderíamos discutir
que, sendo assim, esta redução não faria muita diferença, mas inibiria os casos
isolados e exceções de ocorrerem, já que a maior parte dos jovens não entraria
nesta vida. Análise equivocada. O problema é de médio e longo prazo. Qual o
principal erro da redução da maioridade penal? Temos que compreender que toda e
qualquer opinião a respeito deste assunto costuma se dar de forma emocional e
específica, por pobreza de dados e levantamentos a respeito da conjuntura que
envolve, além do próprio oportunismo de muitos lideres de algum movimento
social ou político. Por exemplo: os crimes cometidos, no Brasil, por menores
entre 16 e 18 anos chegam a 0,9 %, descendo a 0,5 % se forem levados em
consideração somente os casos em que envolva homicídio e tentativa de
homicídio, segundo último levantamento, de 2014, dos dados do Ministério da
Justiça. Isto significa que teríamos um aumento ínfimo da população carcerária.
Será mesmo? Possivelmente não. Nunca, em hipótese alguma quando lidamos com a
forma em que a sociedade se move podemos descartar um conceito específico que
potencialmente transformará uma problemática. Ou seja, não podemos achar que
uma lei desta possa trazer benesses sem que a mesma não prejudique outros.
Sendo assim, fica a questão de o que ela trará mais.
Um jovem
infrator será jogado num mundo onde o mesmo terá às mãos as oportunidades de
adquirir todo o tipo de conceituação criminosa e marginalizada que o levou até
lá, mas muito mais acentuada e muito melhor trabalhada. Em poucas palavras, se
tornará um bandido melhor. Aprenderá não apenas as melhores formas de burlar e
transgredir a lei, como também compreenderá que a sociedade o excluiu desde
cedo, e que esta seria a única maneira dele manter-se vivo, até mesmo (em sua
própria concepção) sóbrio. E há também o aspecto de marginalização que tende a
segregar ainda mais nosso convívio e preestabelecer conceitos rotineiros e
irreais, como achar que apenas pobre é bandido e possuiria sequelas que os
fariam ser bandido. E sabendo que a grande maioria dos pobres neste país são
negros, o racismo ganharia uma aliada de peso com esta PEC.[2]
Com esta PEC aprovada, será dado o “direito” de se ver pobres e negros como
prováveis bandidos desde sua infância. Estas ocorrências dificilmente seriam
levantadas em curto prazo, mas sentiríamos seus efeitos em breve, quando
políticas sociais poderiam acabar por dar preferência a indivíduos que “não se
perderiam no mundo do crime”. Pensar assim é esquecer que o mundo do crime
atrai as crianças em última circunstância, quando este já se vê tão adentrado
nela que não vê outra saída (um adendo importante: não importa que haja
indivíduos que conseguiram sair deste vórtice de crueldade, pois a tendência
não é esta e, este vórtice persistindo graças ao sistema social que vivemos e
que os cria, sempre haverá mais e mais pessoas a serem sugados por ele[3]).
É sabido
por muitos que a melhor maneira de evitar os crimes do jovem (e futuro adulto)
é a educação, mas muitos têm crente de que esta lhe falta, que esta não lhe tem
servido. O problema educacional no Brasil ele possui raízes muito mais
profundas que apenas a falta de educação e da educação dos jovens. Nosso
sistema educacional tem progressivamente melhorado nas últimas décadas, mas
este sistema está inserido numa cultura que introduz a vociferação metica, onde
os jovens (e muitos desde muito jovens) precisam alcançar metas, mostrar
resultados e, assim, poder ser inserido na sociedade como lhe deve. E aqueles
que não o alcançarem simplesmente ficarão à margem. Mas por que eles não
conseguem? Por que as chances são mínimas, principalmente se você for ou pobre, ou morador de
periferia, ou negro estas segregações se farão muito mais presentes no seu dia a dia. Para a segregação por parte daqueles que detém o poder econômico, político e até social, inclusive, você sendo de cidades pobres e/ou muito afastadas, não sendo do eixo sul-sudeste, este aspecto se intensifica.
Estatisticamente, há muito mais chance de uma criança estar à margem da
sociedade, de alguma forma, do que estar de fato inserido nela caso faça parte de um (ou mais, ou combinação) destes aspectos. Lhes é dito
que, desde cedo, ou eles entram na cultura predominante ou eles nada serão,
nada poderão, nada conseguirão.[4]
Adivinhe que lhe oferece “outro caminho” (mesmo que, ainda em tenra idade, eles
saibam que não seria à eles o melhor)?
Estes são os
principais aspectos sociais que muito são ignorados pelos parlamentares e
defensores em geral da ideia desta redução. Mas não os únicos.[5]
Mas há,
ainda, o aspecto legal. É possível, legalmente e constitucionalmente, esta
redução? Segundo o jurista Dalmo Dallari, não!
Para jurista, artigo 228 da
Constituição, que estabelece a inimputabilidade penal de menores de 18 anos, é
cláusula pétrea. “A proposta, além de não ser constitucionalmente aceitável, é
socialmente prejudicial para o povo brasileiro, porque vai forçar meninos de 16
anos a ficarem à mercê de criminosos já amadurecidos”.
Segundo a
entrevista do jurista, concedida à repórter Anna Beatriz Anjos do Portal Fórum[6], o
jurista afirma que a inimputabilidade penal de menores de 18 anos pode ser
considerada um ‘direito e uma garantia individual’. Sendo assim, ele decorrerá
no artigo 60 da constituição federal que classifica estes direitos e garantias
como Cláusula Pétrea, ou seja, não passível de mudança e emendas (PEC significa
Projeto de Emenda Constitucional)[7][8].
Nesta visão, qualquer mudança neste aspecto é vedada. Mas pode-se alegar, uma
vez que se a CCJ da câmara federal aprovou, talvez não seja impossível esta
emenda. Mas daí retornemos no que foi dito anteriormente neste texto: Temos que
compreender que toda e qualquer opinião a respeito deste assunto costuma se dar
de forma emocional e específica, por pobreza de dados e levantamentos a
respeito da conjuntura que envolve, além do próprio oportunismo de muitos
lideres de algum movimento social ou político. Não nos é plausível esperar que
um grupo de políticos eleitorados (que sim, deveriam prezar pelas leis e suas
construções) ajam assim quando algo que tem se tornado gritantemente assediado
popularmente, seja analisado da maneira que lhe caberia, sério e estudado.
Mas tendo o
jurista a razão com relação a estes termos, será obrigação da presidência da
república vetar o projeto e o judiciário de acertar como inconstitucional e,
assim, o mesmo não passar de mera disfunção antissocial que tardou a verborragiar,
mas que estaria em seu devido lugar: arquivado.
Não se
entenda que este texto visa minimizar a dor, o sofrimento e o medo que muitas
pessoas passam em função de terem sido ou potencialmente serão vítimas de
crimes cometidos por menores, mas tendo em vista os dados apresentados (e que
mais detalhes são facilmente encontrados na internet) fica claro que o
emocional não pode se sobrepor ao racional, criando-se o risco de que por
exceções acabemos por criar meios violentos de marginalizar indivíduos numa sociedade
já estratificada, já propensa rejeitar a maioria dos que ela deveria acolher. E
isto que – e a muito é sabido de sua existência – o menor infrator é sim
passível de punição[9],
cabendo aos governos aplicarem o que é colocado no ECA – Estatuto da Criança e
do Adolescente. Uma frase (atribuída) a Pitágoras pode ajudar na concepção mais
ampla de nossa atual conjuntura: “Educai as crianças, para que não seja
necessário punir os adultos.”
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