Christ carrying the cross - Hieronymus Bosch |
Discussões e
mais discussões. Toda vez que nos deparamos com o embate das divergências e
amostras das opiniões e explanações religião x ateísmo, podemos perceber que há
mais desinformações a respeito do “ser ateu” do que informações lúcidas para se
debater. Assim, a dificuldade de se elevar o nível do debate é transcendente ao
próprio debate, onde podem ambas as partes faltar com a visão proeminentemente
correta das situações especificas em que se inserem cada debatedor.
Longe de querer
mostrar o que é o ateísmo – e muitos parecem nem gostar do termo, diga-se – é
preciso mostrar a simplicidade com que este se perfaz na situação do seu
‘usuário’. Aquele que se põe como ateu não segue necessariamente nada! Não se
filia, ou abdica, ou questiona ou propõem seja o que for pelo ateísmo, mas
pelas suas próprias concepções vividas, diluídas na sua propensão a
demonstra-las ou não.
Das associações
Quando se é
posto em uma discussão deste aspecto em que um dos interlocutores é ateu, uma
posição inerente a isso é que se pergunte sobre o que se julga os “erros da
ciência” na concepção do natural. Bem, a concepção do natural se baseia no
empirismo e do ceticismo das aplicações nas pesquisas cientificas, do método
científico, que tem se mostrado importantes não apenas para a compreensão do
que nos cerca, mas para a melhoria progressiva do meio de vida, ambiente em
esferas muitas mais abrangentes que ao próprio ser humano[1].
Sendo assim, ela passa pelos processos mais específicos para que se chegue à
conclusão mais próxima da realidade inerente ao ocorrido (ou ocorridos). Mas,
com isso, há um precedente errôneo: a interpretação de que este ateu é – e
subsequentemente todo ateu seria – um cientista e, segundo a visão do
questionador, esta resposta seria vazia ou mesmo inexistente. Isso é apenas um argumento
das consequências adversas[2][3],
tipo de argumento que tenta validar uma afirmação dizendo que seria impossível
se ela não existisse. Ou seja, tenta dizer que se é ateu, mas não conhece dos
aspectos mais longínquos da ciência não pode ser ateu. Erro!
Esse aspecto
não é visto apenas no que se considerar com relação a ciências biológicas e
físicas como repassada à concepção de ateus, mas em varias outras, histórica,
geográfica, social e demais.
Das concepções
As ideias que
cada pessoa pode ter de si, do entorno se diferenciam através da cultura e
sociedade em que o indivíduo provém e está inserido, bem como – muitas vezes,
mas não o tempo todo – das formalizações de opiniões angariadas por este no
limiar da vida também depois de adulto. Assim, dizer que um ateu deve ou não
ter uma determinada visão passa longe do real que verte este individuo.
Infelizmente, é comum encontrar entre os adeptos da descrença paradigmas que
provêm dos preconceitos estabelecidos pelos nichos religiosos. Estes nichos,
algumas vezes não foram criados pela religião predominante – o que é raro,
diga-se – mas a mesma faz questão de mantê-los para o controle dos seguidores e
manutenção do poder, status. Acaba,
por tanto, sendo irônico que aqueles pressupostos se mantenham na ideia do
ateu, mas isso não o torna “mais ou menos” ateu. É um indicativo de se observar
a origem do ateísmo do indivíduo, e isto é importante para se estabelecer a
conexão entre a descrença deste e o fator que o levou a tal. Por que é
importante? Por que podemos inclusive entender qual o ponto de dificuldade para
se compreender a fraqueza humana e social quando mitigado à religiosidade
regional, além das lutas igualitárias e humanistas.
Sendo assim, a
propensão de encontrar pessoas tão resolutas às ideologias frívolas e lenientes
é até extremamente comum, e isso não o torna – como já dito – “mais ou menos”
ateu. É de se esperar que com as percepções do conhecimento e entendimento da
racionalidade em interpretar a nós mesmo essa massiva vertente seja fundida a
realizações mais em prol do humanismo, liberdade de ações e compreensão do
diferente. A mudança deste se faz necessário não para o ateísmo, mas para si
mesmo[4].
Das argumentações
Uma discussão
se desenvolve com argumentos, e não cito aqui sua validade (mesmo sendo óbvio
que quanto melhores forem melhor o nível da conversa). O que nos move a
continuar na mesma é que possivelmente sempre veremos ideias, propostas para
assim termos o que falar e passar. Mas não é assim que ocorre, mesmo que não
seja de toda falsa essa impressão. É comum a discussão tornar-se redundante
quando não a compreensão do que o outro passa, do que este entende e a que
conclusões tiraríamos disto.
Mas o ponto do
conhecimento é que ele é limitado aos indivíduos, e isso não falha aos
discursores. Então, propõe-se que se o ateu não consegue – por quaisquer
motivos que sejam – dar andamento na conversa, ou o mesmo não é “ateu o
suficiente” ou o ateísmo não dá respostas cabíveis. E dai vemos novamente uma
falácia, a do apelo à ignorância23, onde qualquer coisa não se tenha
provado algo, logo seria o contrario desta. Uma argumentação – ou a falta dela
– não predizem o ateísmo, tampouco o perfazem, o sintetizam. A argumentação
provém da competência do argumentador em explaná-la. Lógico que aqui se fala da
argumentação, e não do objeto a ser argumentado, pois este lá está e existe
independentemente de seu defensor ou detrator saber seus pormenores.
É sempre
importante o conhecimento do que se argumenta, do que explana. Ou seja, para
melhor nos identificarmos com uma boa discussão, conhecer o máximo possível
mostra a insistente vontade humana em aprender, em evoluir e se manifestar a
tal. Mas conhecer as limitações torna-se imprescindível para melhorar os
argumentos e, consequentemente, a discussão. As limitações podem nos levar a
querem compreender sempre mais.
Das fontes
Há também
aquelas que se perfazem por fontes, baseando-se apenas nelas sem qualquer
informação adicional por parte do divulgador. Colocar uma reportagem, por
exemplo, intitulada “Novo estudo científico confirma o Gênesis: a vida humana
teve origem no barro”[5]
não facilita para qualquer tipo de proposição, pois a mesma não cita fontes
quando verificada pormenorizadamente. E essa dificuldade, se não percebida no
início, desgasta a conversa a ponto de, a partir da premissa equivocada,
desconstruir todo o debate.
Este erro acaba
por ocorrer de varias partes. As citações bíblicas que demonstram erros crassos
na concepção natural são algumas delas. Por mais que possam existir pessoas que
possuam o ideário de que as citações escatológicas são vertentes reais,
referendá-las como ignorantes não ajuda em nada a argumentação. Pelo contrario,
distância o caminho do entendimento, quase que como uma barreira entre
interlocutor e ouvinte. É inegável a dificuldade de se dialogar com estas
implicações, seja de qual ‘lado’ for. Por isso, acaba-se por esperar que o ateu
tenha o discernimento ideal. Mas por quê? Por este ser propenso e aberto? Não,
o ateu – repetindo – é apenas e simplesmente ser descrente. Não se pode imputar
e tão pouco exigir que este aja desta maneira. O conhecimento e vontade de
tê-lo o farão a este indivíduo.
Da militância
Outra crítica
muito difundida é que a militância ateísta é algo incompreensível. Não vejo
onde. A militância é apenas o ato de divulgar uma ideia, significa ser membro
ativo de uma causa, exercer ativamente uma profissão. Isto nunca foi
exclusividade religiosa, mas de toda a ação humana no decorrer dos séculos, de
sua evolução social. Assim, é natural que pessoas adeptas do ateísmo queiram-no
divulgá-lo. E em vista do que se é possível observar no decorrer dos
acontecimentos, é natural que pessoas não adeptas às barbáries promulgadas pela
concepção religiosa queiram mostrar o lado distinto disto. Mas lógico que, em vista
de probabilidade, o contrário possa ocorrer, mas com poucas chances.
Citações
falseáveis e falaciosas a respeito de governos ateus, e o mais comum é o
aditado à U.R.S.S.[6],
onde o “estado ateu” seria responsável por chacinas e terrorismo sem igual, e
repetido e repetido por gerações. Não foi bem assim, aliás, longe de sê-lo. O
máximo de estado realmente ateu que houve foi na Armênia entre 1967 e 1991,
durante regime comunista na região. A instituição eclesiástica era proibida e
sua alegação era a de que era “importação estrangeira” e, sendo proibidas as ideias
estrangeiras (ironicamente, o próprio comunismo não era ideia natural armênia)[7].
Este, junto com outros governos, acabou por perfazer um terror envolto de
ideias que não lhes prestavam serviços, pois a superstição – má vista e
entremeando pelo desincentivo e a proibição – voltou com força total após estes
regimes totalitaristas, para desalento da real pesquisa e divulgação
científica. Mas isto é somente mais uma vertente da necessidade de pessoas se
perfazerem politicamente e manter seu poder e sua influência.
No fim, a
compreensão importante é a já citada: ser ateu é ser simplesmente descrente da
existência de entes divinescos, sejam estes quais forem. Mas isso não impede
nuances, que a princípio possam parecer incompatíveis com o ateísmo, e não lá
se encontrem. Acaba por ser importante que todos aqueles passem pelo prodígio
da compreensão da humanidade deem o reforço necessário àqueles que as
desconhecem, e até mesmo as ignoram. Não é fácil, não é nem mesmo primoroso,
mas talvez seja a última cartada para uma humanidade manquetola, onde a muleta
repele a vontade de aprender a andar novamente.
[2] SAGAN,
Carl. O mundo assombrado pelos demônios: a ciência vista como uma vela no
escuro. Págs. 183
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