Los Desastres de la Guerra - Francisco de Goya |
Muito tem se falado do Projeto de
Emenda Constitucional número 241 (PEC 241). Há grupos que o defendem e outros
que o execram. Há infindáveis sites que mostram como este funcionaria, caso
aprovado em última instância (ontem, dia 10/10, foi aprovado em primeira
instância). Tentarei, com este artigo, demonstrar seu funcionamento e suas
implicações, bem como o motivo do mesmo e, talvez, alternativas.
Este PEC visa reduzir gastos
públicos para atrair mais investidores, elevar os investimentos privados no
país e, assim, melhorar nosso crescimento econômico. Teria também como
iniciativa reduzir os gastos públicos de nosso PIB (Produto Interno Bruto, a
soma de nossas riquezas produzidas), que atingiu 66,2% no ano passado, segundo
o Banco Central.
Contudo, é importante verificarmos
que há algumas informações equivocadas sobre isso e análises, a priori, não correspondentes.
O PIB
O
PIB, como dito acima, é a soma de toda a produção interna de riquezas de um
país. No entanto, este cálculo deve ser feito de forma a não haver dupla conta
de um mesmo produto ou serviço. Se você comprar laranjas e fizer suco em sua casa,
para você e sua família, o valor calculado para o PIB será o da venda da
laranja, enquanto que se você toma um suco numa lanchonete o valor do cálculo
incidirá sobre o suco, uma vez que a laranja ali já está inclusa. Outros
aspectos importantes são:
1º)
Só entram na conta do PIB aqueles bens e serviços produzidos no ano em questão.
Por exemplo, se um veículo foi produzido em 2014, mas foi colocado em estoque e
vendido em 2015, ele entra no PIB de 2014, não no de 2015.
Tendo
isso em vista, podemos agora pensar em como é feito o cálculo dos gastos com
este PIB, uma vez que o Governo Federal precisa equilibrar a arrecadação e os
gastos desse valor total durante todo ano seguinte após o ano de exercício do
levantamento desse valor, tendo o valor do ano anterior como base. Vamos
procurar nos manter nos pontos focais dos questionamentos levantados com
relação ao PEC: educação e saúde, e adicionarei aqui outro ponto que tem sido
muito colocado nestes debates, a dívida pública e seus juros. Tenhamos em mente que ‘dívida pública’ é diferente de 'gastos publicos'; enquanto o segundo é o gasto com ações referentes a
bens e serviços de responsabilidade governamental, ou seja, saúde, educação e
assistência social, o primeiro relaciona-se com dívidas contraídas pelo Estado (que será explicado mais abaixo) .
O
texto da Constituição Federal, no art. 198, § 2º, I, diz que:
no
caso da União (com relação aos recursos federais destinados à saúde), a receita
corrente líquida do respectivo exercício financeiro, não podendo ser inferior a
15% (quinze por cento);
Ou
seja, se o valor do PIB do ano for de 1 trilhão de reais, o governo terá que
gastar, no mínimo, 150 bilhões de reais. Com relação à educação, a constituição
determina no art. 212 que
A
União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita
resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na
manutenção e desenvolvimento do ensino.
Ou seja, a União arrecadando de PIB os mesmos 1 trilhão de reais do exemplo passado ela deverá investir, minimamente, 180 bilhões de reais. Com
estes dados estabelecidos, analisemos outro valor incorporado aos gastos do
PIB, o pagamento da dívida pública e de seus juros.
A Dívida Pública
A
dívida pública federal (DPF) nada mais é que a dívida que o Estado contrai
quando precisa de mais verbas ou repor algum gasto previsto ou não. Estas dívidas são
Contraída
pelo Tesouro Nacional para financiar o déficit orçamentário do Governo Federal,
nele incluído o refinanciamento da própria dívida, bem como para realizar
operações com finalidades específicas definidas em lei. A Dívida Pública
Federal pode ser classificada de distintas formas, sendo as principais: i)
quanto à forma utilizada para o endividamento, e ii) quanto à moeda na qual
ocorrem os fluxos de recebimento e pagamento da dívida. Em relação à forma, o
endividamento por ocorrer por meio da emissão de títulos públicos ou pela
assinatura de contratos. Quando os recursos são captados por meio da emissão de
títulos públicos, a dívida daí decorrente é chamada de mobiliária. Quando a
captação é feita via celebração de contratos, a dívida é classificada como
contratual.[3]
Com
isso, temos que esta dívida se faz necessária quando não há recursos
suficientes para a quitação de sua dívida (e, para o foco deste debate, independe do motivo destas serem feitas, pois aí teríamos um debate mais amplo e deslocado). Contudo, mais do que pagar estas
dívidas, o governo federal está preso, também, aos juros implícitos a estas
dívidas. Sendo que o governo pode emitir títulos para aumentar o prazo de
pagamento de uma mesma dívida, fazendo com que esta fique ainda por muito tempo
tendo de ser paga, mesmo que a contração original já tenha sido quitada.
Mas
quem define o valor destes juros? O Banco Central, através de seu Comitê de
Política Monetária (Copom). Nas reuniões do Copom é que ficam decididas quais serão
as taxas básicas de juros, a Selic.[4]
Acontece
que, segundo Maria Lúcia Fattorelli, “para essas reuniões (o Banco Central)
convida, quase que exclusivamente, representantes do próprio mercado financeiro
que detém a imensa maioria dos títulos da dívida. O que acham que os
interessados em continuar recebendo as elevadas remunerações dos juros irão
recomendar? É evidente o conflito de interesses. A recomendação desses
especialistas é adotada pelo COPOM, sem qualquer crivo ou sequer debate por
parte do Congresso Nacional. A taxa passa a vigorar como ‘lei’ e ponto final.”[5]
Assim,
o ciclo de se aumentar os juros ou mesmo mantê-los num patamar elevado acaba
por favorecer quem tem interesse direto na manutenção daquelas, uma vez que
esta taxa básica servirá para todas as transições de mercado no país, como o
pagamento da dívida pública, por exemplo.
Mas
por que estamos falando de taxa de juros, quando o assunto é o PEC 241? Porque,
pegando o início deste texto, veremos que uma das alegações para aprová-lo é a
contenção de despesas e estas contenções atingiriam diretamente serviços
essenciais, enquanto que este PEC nada fala a respeito do altíssimo gasto com as dívidas publicas e seus juros.
Os Juros da Dívida Pública
Em
2015, a porcentagem retirada do PIB para o pagamento da dívida (amortização) foi
de 39,5%, e mais 7,1% foram destinados aos juros desta mesma dívida, chegando a um montante de 46,6% apenas para a quitação
destas dívidas. Ora, por mais que entendamos que o ideal não seja pegar
dinheiro emprestado para sanar contas e realizar as ações, há circunstâncias em
que este se faz presente, se faz necessário, principalmente porque é um meio também de fazer a
economia não estagnar. Só que estes valores acabam por ir para as mãos dos
grandes investidores de títulos públicos, em que seu interesse é a formação de
capital financeiro alto e sólido, independentemente do que este venha gerar na
forma de produtos e serviços. E quem seriam estes? Investidores com poder financeiro para ditar as regras do mercado. Há ainda os investidores estrangeiros (pessoas físicas ou jurídicas, empresas, conglomerados, bancos ou indivíduos muito ricos), em que seus empréstimos ao país obriga o governo, à força constitucional, a pagar esta dívida em dólares (na maioria esmagadora dos casos) o que só faz aumentar mais o valor pago (se U$ 1,00 custa R$ 3,00 cada dívida pública externa será arcada num valor três vezes maior).
Dito
isto, vamos ao PEC.
Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 241[6]
Levado
ao Congresso Federal pelo presidente Michel Temer, a proposta diz basicamente
que ficará instituído um novo Regime Fiscal, válido a partir de sua publicação,
e que prevê um limite orçamentário individualizado para cada um dos poderes
(Executivo, Legislativo e Judiciário), onde as dívidas por estes não poderão
ser ampliadas ou contraídas num valor acima do que já estipulado pela
constituição, e ainda revoga o art. 2º da Emenda Constitucional nº 86. Mas o que diz este artigo? Vejamos:
Art.
2º O disposto no inciso I do § 2º do art. 198 da Constituição Federal será
cumprido progressivamente, garantidos, no mínimo:
I
- 13,2% (treze inteiros e dois décimos por cento) da receita corrente líquida
no primeiro exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda
Constitucional;
II
- 13,7% (treze inteiros e sete décimos por cento) da receita corrente líquida
no segundo exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda
Constitucional;
III
- 14,1% (quatorze inteiros e um décimo por cento) da receita corrente líquida
no terceiro exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda
Constitucional;
IV
- 14,5% (quatorze inteiros e cinco décimos por cento) da receita corrente
líquida no quarto exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda
Constitucional;
V
- 15% (quinze por cento) da receita corrente líquida no quinto exercício
financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional.[7]
Esta
emenda de 2015 trata de se aumentar o valor de proposição para serviços
públicos básicos numa fórmula que incidiria sobre a inflação e que, com isso,
tende a acompanhar o crescimento da população e as necessidades decorrentes.
Com o PEC 241 em vigor, se estagna o aumento do valor por vinte anos, não
acompanhando assim as necessidades da sociedade. Só para se ter uma idéia, o
Gasto Social Federal de 1995 foi de 234 milhões (11,24% do PIB daquele ano) e,
quinze anos depois, o gasto foi para 63,5 bilhões (correspondente a 15,54% do
PIB de 2010). Veja agora que nenhum destes valores chega sequer perto do gasto
que a dívida e os juros perfazem.
Os
pontos específicos relacionados à educação e a saúde se encontram no art. 104
deste PEC.
Art.
104. A partir do exercício financeiro de 2017, as aplicações mínimas de
recursos a que se referem o inciso I do § 2º e o § 3º do art. 198 e o caput do
art. 212, ambos da Constituição, corresponderão, em cada exercício financeiro,
às aplicações mínimas referentes ao exercício anterior corrigidas na forma
estabelecida pelo inciso II do § 3º e do § 5º do art. 102 deste Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias.
O
que fica claro nas análises destes dados é que a proposta tem como objetivo
atingir, de forma sistemática, as necessidades populacionais e previstas na
constituição, baseando-se apenas num senso comum onde se diz que a população
deve ajudar o país a arcar com as conseqüências de políticas econômicas
predatórias visando, dentro de um espectro sedimentário, um alívio fiscal e uma
rentabilidade maior para quem já possui poder dominante no cenário econômico do
país.
Equívoco?
Um
grave exemplo de quão é ignorada a verdadeira raiz do problema é na fala da
justificativa do PEC no parágrafo 4, onde é citado que “A raiz do problema
fiscal do Governo Federal está no crescimento acelerado da despesa pública
primária. No período 2008-2015, essa despesa cresceu 51% acima da inflação,
enquanto a receita evoluiu apenas 14,5%. Torna-se, portanto, necessário
estabilizar o crescimento da despesa primária, como instrumento para conter a
expansão da dívida pública. Esse é o objetivo desta Proposta de Emenda à
Constituição.” Ora, este crescimento se deve muito mais a falta de um planejamento
mais amplo com relação à economia do país e as crises econômicas mundiais, não
obstante equitativas ao período mencionado.
Outro
ponto que é colocado de forma intimidadora é com relação ao aumento dos gastos
com as despesas públicas primárias (encargos de responsabilidade social do
governo federal como saúde, educação e assistência social), que segundo dados
fornecidos pelo próprio autor do PEC foi de 14,5%, no entanto não analisou (ou,
ao menos, não mostrou dados de análise no PEC) no mesmo período, que a dívida pública
(empréstimos do governo federal com juros) teve um aumento de 19,7%.[8]
Ou seja, os gastos com pagamentos de empréstimos e juros, que já são muito
maiores que os gastos com as áreas de obrigação social do governo, aumentou
mais, criando um déficit ainda maior.
Além
de tudo isso, ainda houve uma culpabilização equivocada quando se atribui
diretamente a expansão da dívida pública com os gastos de despesas primárias.
Não necessariamente uma está ligada a outra. Pode-se pensar que para manter os
gastos da segunda, poderia necessitar-se de aumentar a primeira. Contudo, eis
um erro pontual. A segunda possui arrecadação própria e só haveria necessidade
de outras fontes caso haja algo como um desvio de verba para outras finalidades.
Há soluções?
Precisamos
partir da análise para ver se há um problema. Há? Qual? Não há um consenso de
qual seria o patamar ideal para a dívida pública. Tomemos como exemplos os mais
variados países, no ano de 2015: enquanto no Brasil a dívida pública chegou a 56,8% de seu PIB,
temos os E.U.A. que alcançou 103%, Japão com estrondosos 226%, Reino Unido teve
88,2% e a Zona do Euro chegou 92%, passando por países como o México com apenas 28,6%.[9]
Uma forma de analisar nossa necessidade de estabilizar as contas e, partindo do princípio de que realmente se necessite diminuir os gastos (e pelos mais variados fatores, como para atrair investimentos estrangeiros em nossas empresas, por exemplo), havendo conosco uma economia fragilizada no mercado de empregos e negócios, pode-se olhar para as dívidas
das grandes empresas, tradicionalmente caloteiras. Vinte empresas no país possuem dívidas acumuladas em aproximadamente
850 bilhões com o governo, cerca de 14% do PIB brasileiro no mesmo período.
Estas dívidas afetam a economia do país, a geração de emprego e renda, mas o lucro
dos acionistas majoritários destas empresas pouco é mexido. Claro que estas dívidas foram contraídas num período maior que uma ano (ano fiscal), mas se a maior parte desta dívida for sanada de forma a não prejudicar a empresa e seus empregados, seria uma arrecadação alta suficiente para o governo redistribuir verbas para setores mais necessitados.
E,
assim, chegamos a um ponto interessante: porque não mexer exatamente na dívida
pública? Os juros são aumentados de forma irresponsável apenas para que a manutenção
de seus ganhos continue, com poucas perdas aqui e algum aumento ali. Esse ciclo
mantém-se. É o que se tem chamado de juros abusivos. No mercado há a necessidade do juros pois esta é a forma de se lucrar, é a forma de se propor uma arrecadação. Só que o valor montante é extremamente alto, o que demonstra o desejo abusivo de saber lucrar cada vez mais e mais apenas na forma acúmulo de capital. Mudar esta realidade é necessário e, talvez dentro de uma visão mais simples, desvincular os juros de
uma comissão contaminada e atendendo a vontades próprias. O Brasil possui uma
elevadíssima taxa básica de juros, chegando a 14,25%, perdendo para países como
Argentina (26,75%) e Moçambique (17,25%) e ficando em 14º lugar entre as
maiores do mundo. Isso atravanca a economia uma vez que impossibilita maiores
investimentos em variados setores.
Possibilidades
há, o problema é que tipo de pensamento está na determinação do grupo que está
no comando. A população que trabalha e necessita de atenção do governo para as
mais variadas áreas será enormemente prejudicada, direta ou indiretamente. Uma
prefeitura pensará duas vezes antes de criar um novo hospital, posto de saúde,
creche ou escola pois isso acarretará no aumento de despesas com funcionalismo
público tendo estas esferas governamentais mais dificuldade de justificar estas
necessidades, bem como tanto saúde quanto educação ficarão mais precarizadas. A
quem interessa tudo isso? Àqueles que detém o poder econômico privado nas mãos.
Só estes ganhará com isso.
[1]
Lembrando que bens e serviços finais são aqueles que estão no final de uma cadeia
produtiva. Por exemplo: a laranja só será um bem final se você, como consumidor
final, consumi-la para si. Numa lanchonete, ele é um bem intermediário, que
culminará no serviço final, o suco.
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