Prometeu com o Fogo Divino - Heinrich Fueger
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Ao meu amigo David Ayrolla
Ao ler uma coluna no blog Pavablog,
especificamente no post “Somos programados para acreditar em Deus?”1,
fiquei curioso e intrigado com a proposta do autor do estudo citado no blog.
Segundo ele, todos nós somos “programados para acreditar em Deus” (ele não
disse deuses), tão factualmente quanto nascemos aptos para andar ou falar.
Apesar de não ser a proposta deste blog, fiquei analisando a
proposta e não consegui discernir sobre ela. Como que algo empiricamente
refutável como uma crença pode ser propenso a ser nato a alguém?
Vamos imaginar a concepção de um
mamífero qualquer (coloco mamífero por ser geneticamente, fisicamente e
ambientalmente mais parecido com o ser humano, assim facilitando a divagação,
mas podendo ser aplicado a todos os animais2). Durante o início da
gestação, na formação dos vários órgãos (pré-programados geneticamente), o
cérebro vai se formando pelas milhares de ligações neurais, onde cada neurônio
– seja do sistema nervoso central (SNC) ou periférico (SNP)3 –
vai se ‘ligando’4 ao outro pelo fato de, dentre outros, ter
menos espaço dentro da caixa craniana ainda em formação. Assim, ao se ligarem,
dois neurônios vão fazer uma simples troca química, que foi inicializada por
uma pequena descarga elétrica residual através da bomba de sódio e potássio
(uma troca de eletroquímica na membrana do neurônio). Essa descarga força o
neurônio a despejar determinadas substâncias químicas (hormônios, por exemplo)
e, assim que ‘captado’ pelo outro neurônio, cria uma relação interdependente
entre estes.
Assim, podemos explanar o qual é
“acaso” as ocorrências para a criação de um feto. O gene diz a forma da célula
e, enquanto ela cresce e se junta pelo espaço reduzido e forma a massa
encefálica – o cérebro. Dessa maneira, podemos começar a compreender que o gene
não nos programa para sermos humanos de maneira direta, mas para que cresçamos
de forma a nos tornarmos um.
Esses impulsos elétricos antes citados
– e muitos pelo crescimento do SNP – acabam por gerar contrações nos músculos
do corpo do feto que, com estes movimentos involuntários, criam (o que
chamaremos aqui de) as respostas. Essas respostas são as interpretações
cognitivas do cérebro em razão da ação física que o próprio cérebro – ou seu
sistema – causou. Por exemplo: um impulso elétrico neural causa uma contração
nos músculos da perna (ou protoperna) do feto. Esta acaba por ‘chutar’ as
paredes de onde está. Assim, como resposta do ambiente onde o corpo do feto
esta inserido, a perna sente o toque do útero, retransmite a informação ao
cérebro e este interpreta como um limitante no ‘caminho’ desta perna. Com uma
quantidade muito grande de ‘experimentos’ como este, o cérebro começa a
compreender e, principalmente, moldar o ambiente à sua volta. Este exercício do
cérebro permite que o corpo esteja protegido, pois, assim, o crescimento e
formação do cérebro vão trabalhando para moldar-se conforme o ambiente se
mostra.
Essa intencionalidade um aspecto
curioso na formação do ser vivo: este se molda pelos aspectos do ambiente
juntamente à sua carga genética e, assim, ele descobre as melhores maneiras de
manter o próprio organismo, seja facilitando a captação de alimentos, a
evacuação de dejetos e protegendo este (organismo) de influências externas.
Bem, a partir de agora a palavra chave
é facilidade. Ao nascerem muitos animais estão prontos para correr, se
alimentar, brigar, chorar instantes após o parto. Os equinos em geral nascem
prontos para andar, o que lhes facilitaria para ‘manter o organismo’, fugindo
dos predadores. Certo, o que aquele autor citava no post referido era sobre
nascermos prontos para crer em deus, mas não disse como.
Uma criança humana sempre estará
suscetível a acreditar nas histórias que são contadas para elas, pois isto lhe
explicaria uma compreensão do ambiente a sua volta. Ou seja, a criança acredita
no que é mais fácil de acreditar, de aceitar, pois suas formações neurais não
estão completas, e qualquer explicação mais detalhada e cheia de contrastes de
compreensão denotaria uma necessidade cognitiva maior do que esta criança
possui.
E há também a velocidade da informação chegar ao
centro nervoso do ser. Ao enxergar determinado algo, a luz reflete no
objeto, passa pelo cristalino do olho, inverte-se no fundo do globo ocular,
passa pelo sistema nervoso ótico e chega ao córtex cerebral, que ‘enxerga’ o
que os olhos veem5. Mas este sistema todo leva em torno de 0,2
segundos para ocorrer, o que seria catastrófico para o organismo em
determinados momentos, como um predador a espreita ou um automóvel em alta
velocidade, pois estes podem ocorrer em muito menos que 0,2 segundos. Então, o
cérebro precisa “prever” determinados acontecimentos, ou no caso, intuí-los.
Essa intuição se dá através das ligações neurais (e, entenda-se ligações não
apenas como junção – mesmo porque os neurônios não estão juntos, estão próximos
– mas como um neurônio desprendendo substâncias químicas e o outro captando-as)
que desde o início da criação do feto até aquele momento do ser foram sendo
feitas, criando ‘um caminho’ para a decisão deste. Não apenas a visão, mas
todos os sentidos deste ser serão inconscientemente (ou não) utilizados para
realização desta intuição. Intuir é perceber de maneira instintiva, ou seja, é
a interpretação do cérebro através daquilo que ele percebe desde antes de
nascer. Isso não vem do além.
Daí então a facilidade de se crer em deus ou deuses
criando, vigiando, cobrando, acariciando e melhorando (ou não) a vida das
pessoas. O erro de conclusão do autor se deu, pois suas conclusões são baseadas
em estudos antropológicos, e deixam de fora a compreensão da criação real do
indivíduo. Talvez, se ele colocasse que “a sociedade nasce programada para crer
em deuses em alusão as dificuldades de se compreender o ambiente”, aí sim faria
sentido, mesmo sendo incompleto e merecendo uma nova e minuciosa análise.
2 Estudos científicos analisam os sentimentos dos mamíferos -
Instituto Humanitas Unisinos (13/8/2010)
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