sábado, 29 de junho de 2013

Comentar pode parecer doença; Feliciano que o diga!

Nas últimas semanas tem se falado, discutido, reverberado (mas pouco situado) em demasia o PDC 234 (Projeto de Decreto legislativo nº 234 de 2011)1, mais malfadadamente conhecido como “Cura Gay”, muito difundido desta maneira pelos meios de comunicação e pelos contrários a tal. Bem, mas do que ela realmente se trata? É de fato algum tipo de “cura”? Se sim, significa dizer que homossexualidade é algum tipo de distúrbio ou patologia? Se não, por que deste termo, que tem sido usado de maneira jocosa?
O PDC 234 trata-se da sustação da funcionalidade (aplicação) dos artigos 3º (e seu Parágrafo Único) e 4º da Resolução do Conselho Federal de Psicologia nº 1/99 de 23 de Março de 19992, onde são considerados:
“Art. 3° - Os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados.”
“Parágrafo único - Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades.”
“Art. 4° - Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica.”
Sendo assim, o que se pode entender o que aqui esta ocorrendo?


Doutor, não me sinto muito bem...


A homossexualidade não é referida como patologia há 23 anos, desde que ‘no dia 17 de maio de 1990 (...) a Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou o homossexualismo da lista internacional de doenças.’3 Isso implica numa quantidade grande de estudos, testes, pesquisas e ademais artifícios que todo bom e correto cientista possui em mãos, sempre guiados pela e para a quebra de barreiras e preceitos estabelecidos e métodos que dependem – talvez aqui o único ‘se não’ – muito do que há em mãos à sua época. E isso é importante frisar já que, por si só, ‘a inclusão dos diferentes pareceu uma forma de superar as injustiças que a própria ciência, desde a psicopatologia, tinha fomentado’4 , uma vez que existem até mesmo estudos epigênicos para dar luz a uma nova compreensão desta condição.5

A adoção de tal medida dá-se, segundo a proposta do Deputado Federal João Campos (PSDB-GO), em função de que “ao restringir o trabalho dos profissionais e o direito da pessoa de receber orientação profissional, por intermédio do questionado ato normativo, extrapolou o seu poder regulamentar.”1 Ele apenas esqueceu-se de alguns aspectos curiosos, como o fato de que em toda área de desenvolvimento científico, filosófico e tecnológico, os profissionais sempre terão normas de ação, preestabelecidas na sapiência, consciência e empirismo do estudo destes. Assim, se uma norma desta é aplicada como base do funcionamento desta profissão, esta é e sempre será a base de sustentação para aplicação da saúde da sociedade e seu bem estar. Por tanto, seria irresponsabilidade social, inclusive, suprir tal texto uma vez que ele procura deixar clara a ação do psicólogo na satisfação de se aprimorar em nossa sociedade o ideário da compreensão desta condição humana.
Na verdade, isso deixa muito claro que não há, em momento algum do texto, algo que especifique a patologização da homossexualidade e tão pouco seu “tratamento”, mas ele deixa uma fresta nada estreita na utilização por meios disformes da sociedade organizada – como é bem visto em grupos religiosos que mostram uma tendência reacionariamente egoísta – que procuram deter aspectos nítidos da nossa estirpe como errôneos, equivocados sem um mínimo de base para sequer cogitar tal.
Estas frestas seriam aproveitadas pelos detratores das situações degradantes de uma vivência em comunidade – visto que esta pode demonstrar os turras aos menos favorecidos por condições melhores – para usar suas práticas de aceitação, onde tudo e todos que não se encaixem em seus padrões devem ser extintos. Lógico que esta extinção dar-se-á de maneira velada e gradual, com citações e mais citações das “coisas ruins que lhe ocorrem” por não fazer parte de sua fleuma. Este tipo de indução existe em praticamente toda ação humana, e mostra-se – na esmagadora maioria das vezes – destrutiva para o indivíduo e sua cultura.
Especificamente no caso da homossexualidade, fica clara para grupos religiosos que a maior parte de seus “livros sagrados” esta é uma ação impura, nefasta, e deve ser afastada do convívio “natural”. E sua imposição para esta ação é visível no dia a dia do que pessoas desta orientação são rechaçadas de um convívio tão natural quanto qualquer outra orientação.
Mas o que é nauseante é descobrir que, uma pessoa que é eleita numa dita democracia e, portanto deveria prezar por todo e qualquer ser vivente nesta terra que ele represente, se dá ao trabalho de lixar-se para tudo que já foi descoberto com relação ao comportamento e vivência humana. Assim, ele e seu projeto não só desrespeitam o indivíduo homossexual, mas todos, pois isso significaria dar de ombros a nossa capacidade de entendimento evolução da nossa própria condição.


E como você se sente?


Agora, para que não fiquem dúvidas com relação a se compreender o porquê desta sustação ser prejudicial, vejamos o que poderia compreender-se (ou até mesmo retirar-se) da mesma resolução sem os ditos cujos:

“Art. 1° - Os psicólogos atuarão segundo os princípios éticos da profissão notadamente aqueles que disciplinam a não discriminação e a promoção e bem-estar das pessoas e da humanidade.”
“Art. 2° - Os psicólogos deverão contribuir, com seu conhecimento, para uma reflexão sobre o preconceito e o desaparecimento de discriminações e estigmatizações contra aqueles que apresentam comportamentos ou práticas homoeróticas.”
“Art. 3° - os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados.”
“Parágrafo único - Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades.”
“Art. 4° - Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica.”
“Art. 5° - Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.”
“Art. 6° - Revogam-se todas as disposições em contrário.”
Ou seja, o que se tira daqui é, primeiramente, o obvio (mas que ainda assim poderia se ter narizes torcidos) que é a não discriminação por parte de diferenças homoeróticas. Mas a partir daí, como já dito antes, o caminho livre para as mais diversas formas de extorsão social ao indivíduo, se valendo da “permissão legal” para isso.
                    E outro ponto é que a alegada basear-se-ia no Artigo 5, inciso XIII da Constituição Federal de 88, que diz ‘ser livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”6. E eis a falácia, uma vez que, como também já citado anteriormente, as normas de ação por parte de profissionais devem se basear nas proposições cientificas – neste caso, à psicologia – que norteiam seus trabalhos.



Sente-se melhor?


                     Há aqueles que sustentam, ainda, o “direito” a troca de opção sexual do indivíduo, e esta é inviolável. Em momento algum qualquer protestante à ideia nefasta de João Campos interpôs a legitimidade da opção, e a mesma existe. Mas, numa utópica sociedade de indivíduos e até mesmo grupos que aja de maneira indiscriminada, não haveria, em momento algum, preceitos culturais que sustentassem a própria não aceitação do indivíduo com sua orientação/condição. E preciso, por tanto, compreender que esta alegação, além de ser incompleta, é tendenciosa quanto ao próprio ser discriminado, reforçando a tese de que este deve sustentar uma opção sexual – opção esta que não existe.


                      Mesmo por que, quando lembrarmos que o (des)serviço à comunidade realizado às pessoas que queiram 'reorientação' quanto a sua sexualidade, sempre haverá - infelizmente - aqueles que se prestam a isso. Igrejas são ricas em falácias e palestrantes destas, que descreveriam isto como pederastia e tentariam demover a ideia desta pessoa. Por tanto, a real "cura gay" continuará existindo, dentro do preceito infundado de algumas pessoas e alguns grupos, mesmo o projeto não sendo aprovado.

                Quanto ao levantamento que também já foi posto em questionamento sobre a relação da homossexualidade com traumas de infância, a verdade é que este assunto especificamente ainda se encontra em estudo, mas nada ainda indica que haja uma correlação direta. E mesmo que houvesse, deve-se sempre lembra que ainda assim falaríamos de condição, e esta abrange ideais maiores. Assim este ‘trauma’  não ‘criaria’ um ser de opção sexual corrompida, mas criaria situações no indivíduo que salientariam uma enxurrada de consequências, dentre elas a compreensão de si, e não a mudança de si.



Ainda dói quando voto


                      Outro ponto importante aqui: o projeto do deputado goiano que foi apresentado à Câmara é de sua autoria mas, em momento algum, foi contestado por seus pares em vista do absurdo ao qual se trata, e isso inclui o agora presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara (CDHC) Deputado Marco Feliciano (PSC-SP). Por tanto dizer que o mesmo é “dono” do projeto é exagerado – assim como alguns meios de comunicação nem sequer chegam a divulgar o nome do verdadeiro autor – mas não completamente equivocado, já que o mesmo estava por trás dos ideais desde 2011, quando ainda não tinha sua Presidência em mãos – coisa que este que vos escreve acredita que nunca deveria ter ocorrido – e mostrou vontade, em dado momento, de defender a causa, insuflando que a “dona ministra Maria do Rosário dizer que o governo vai interferir no Legislativo é muito perigoso. É perigoso dona ministra principalmente porque ela mexe com a bancada inteira” e ainda que “ela está mexendo onde não devia; (...) fale com a sua presidente porque o ano que vem é político”7. Isso é muito mais do que uma simples permissividade, mas uma clara demonstração de sua posição, com ameaças nada veladas.


                       No fim, fica evidente a proposta da malfadada e assim ludicamente pronunciada ‘Bancada Evangélica’: é a sua própria averbação de status e poder, com gritos insossos de excentricidade, numa fleuma que já lhes pertence. E isso não é para eleger um presidente – nem acredito numa real candidatura – mas para se posicionar ao próximo vencedor do pleito sua força e exigir cada vez mais poder e posicionamento o que ocorre, na maioria das vezes e isso tem ficado evidente a cada novo ‘mágico’ projeto, em detrimento a outros grupos da sociedade organizada. Quiçá do próprio indivíduo.


                        Quero, para finalizar, deixar aqui uma interessante - talvez simplista - analogia sobre esta situação. Um médico deveria ser obrigado a receitar saliva e orações para erupções cutâneas caso o paciente queira, e a lei permita? Bem, talvez você diga que sim, ja que a lei permitiria, mas isso faria realmente algum sentido?






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