terça-feira, 24 de setembro de 2013

Não há monopólio da moral

              La Dame de Charité - Jean-Baptiste Greuze
O problema da moral, questionado desde o princípio da necessidade humana de se moldar em sociedade ante sua própria consciência, e repassado às mentes de grandes pensadores, como Adam Smith, David Hume, Immanuel Kant, Jean-Jacques Rousseau e outros, sempre se explanou no pensamento humano1; sempre despertou a curiosidade de sua compreensão.
A moral, como construção do alinhamento da sociedade, é atribuída à manutenção da coesão das sociedades. Sendo assim, sociedades possuíam o mesmo conjunto de ideias e regras que passassem para se seguir, e manter-se-ia nos mesmos aspectos. Assim, a moral era estabelecida como em função da sociedade, da cidade, do reino à que elas serviam. Temos, portanto, a correlação entre moral social, a polis e a divindade, todas vinculadas às regiões em que o grupo se estabelecia, ou um arquétipo próximo, no caso de beduínos e nômades.
As religiões, portanto, tinham um papel fundamental na imputação dessa moralidade, pondo-se – através de seus sacerdotes e amparados pelos lideres, isso quando ambos os papeis não eram reservados à mesma pessoa nas ações nacionalistas e políticas – a criar, vigiar e interceder pelas regras da conduta do indivíduo, que consistia não mais que a salvaguarda da cidade e ela mesma como o símbolo supremo.  
Quando da expansão de religiões monoteístas, daí nota-se que diferentemente de outras religiões da antiguidade (...), o cristianismo nasce como religião de indivíduos que não se definem por seu pertencimento a uma nação ou a um Estado, mas por sua fé num mesmo e único Deus. Em outras palavras, enquanto nas demais religiões antigas a divindade se relacionava com a comunidade social e politicamente organizada, o Deus cristão relaciona-se diretamente com os indivíduos que nele creem (Chauí, 2000).
Daí por diante, a moralidade de bases divinas percorre seu caminho a estabelecer a falta deste amparo regional e político, muito mais pela revolução do indivíduo. Este é, segundo Hegel, o momento no qual o antigo acordo entre as vontades subjetivas e a vontade objetiva rompe-se inexoravelmente, anunciando um novo período histórico (Hegel, 2001). Daí, dentro de todo o contexto de repressão formado – em nosso caso posto aqui, o Império Romano – torna-se decadente. A propagação das ideias se estabelece dentro disso, o que força o poder a submeter-se politicamente às novas constituições religiosas e, por consequência, à nova moral.
Mas esta moral obviamente seria representada por novas lideranças, que utilizando do poder imperial ligado aos césares, imporia o novo regimento, novos mores2. Esses costumes representam os valores sociais modificados conforme rica evolução social e necessidades adaptativas. Logo então pode correlacionar a visão de Hume quando, para ele, a moral está intimamente ligada à paixão e não à razão, não havendo um bem superior pelo qual a humanidade se pautasse. Ainda para Hume, o impulso básico para as ações humanas consiste em obter prazer e impedir a dor. No que consiste a moral, defendia que a experiência empírica promova o entendimento humano. O desejo sugere impressão, ideia e, portanto, é provocada pela necessidade induzindo à liberdade.
Mas esta moral, interligada à religiosidade agora predominantemente cristã, se conduzia a ideia da afirmação da vontade divina, esta sendo sua moral, ao contrário da proposição das filosofias anteriores – estas localizavam a conduta ética nas ações e nas atitudes visíveis do agente moral, ainda que tivessem como pressuposto algo que se realizava no interior do agente, em sua vontade racional ou consciente (Chauí, 2000) – para a relação divina que o homem teria, e esta moral interiorizada, consistindo no apego ao divino mais do que à sua própria concepção de sociedade. Mas esta lhe dava assim o argumento da valorização individual. O julgamento divino passava a ser invisível aos olhos humanos, mas pertinente a deus, e internamente sua expiação pelos seus erros serem todos à natureza demoníaca do sentimento humano. Por isso a confissão, seu advento de expor para “libertar-se”.
Como dever, portanto, a moralidade poderia ser imposta de maneira a perpetuar o estado de submissão, independentemente o quão ‘aceitável’ ou mesmo favorável estas aplicações possam parecer. Neste aspecto, como preservar a liberdade natural do homem e ao mesmo tempo garantir a segurança e o bem-estar da vida em sociedade, esta sendo a proposição da moralidade? Segundo Rousseau, isso seria possível através de um contrato social, por meio do qual prevaleceria a soberania da sociedade, a soberania política da vontade coletiva.3
O questionamento proposto, nos dias de hoje, seria com relação à moralidade sem a presença do arquétipo divino. Se perguntar qual a fundação para se solidificar qualquer tipo de contrato social, via moral, sem a interferência de inteligência superiormente divina não demonstra coerência na compreensão da própria sociedade em si, muito menos no histórico de nossas fundações, desde as mais parcas épocas.
Bergson4 consegue definir dois aspectos diferenciados para a moral, que passam depor a ideia da superioridade de uma à outra, ou mesmo a centralização de uma única. Ele distingue duas morais: a moral fechada e a aberta. Por moral fechada, compreendem-se os aspectos que ligam diretamente a sociedade em determinadas e específicas regras, aquilo que tende a ser comum, habitual, quase que automaticamente e previamente aceito, sem constituição do questionamento. Já a moral aberta contradiz este posicionamento, implementando novos conceitos que se propõe a solucionar as falhas do regimento anterior. Isso ocorre quando exemplos ou individuais ou de pequenos grupos dentro (ou mesmo fora) daquela sociedade tendem a ser utilizados.
Com isso, verificamos, uma vez mais, que a moralidade vai depender muito mais da exteriorização daquilo que abrange o comportamento mediante a vivência em sociedade, e não apenas a interiorização desta por função da concepção da existência de leis divinas.
A questão central passa a ser quais exemplos a se seguir para a criação desta nova moral. A moral não caminhará, por nenhuma regra, a direitos estáticos e imputados, mas a conciliação entre o que o indivíduo consegue permear em sua natureza e transpassá-la, a fim constituir a própria imagem a outro individuo. Parte-se assim para o grupo em seu torno conceber esta e adaptar-se a ela. O que a muito tempo atrás era moralmente aceito pode muito bem – e exemplos não nos faltam na história – ser desfeito mediante a percepção de que aquilo ou não serve ou pode degradar a própria sociedade (destruir o indivíduo afeta o grupo).


CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. Editora Ática: São Paulo, 2000.
HEGEL, G.W.F. A razão na história: uma introdução geral à filosofia da história. 2. ed. Tradução de Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro, 2001.






Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente!