A Calm at a Mediterranean Port - Claude-Joseph Vernet
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“Nasci para satisfazer a grande necessidade que eu tinha de mim mesmo.”
Jean-Paul Satré
As pessoas
possuem, assim como tudo que há, necessidades intrínsecas a sua formação
(criação, feição, crescimento e desenvolvimento), vivência e convivência.
Podemos pensar sobre a necessidade que nós, seres humanos especificamente,
temos de água, comida, ar, sexo, apego, opiniões (na maior parte a nossa mesmo,
mas muitas vezes as dos outros) e a própria convivência em sociedade. Mas estas
necessidades são concretas, reais para a manutenção do status de sermos vivos. Mas e quando esta
necessidade extrapola esta percepção clara e advém – ou anda pela rota da
compreensão – subjetiva e metafísica? Realmente isto é necessário?
Somos em essência
e, como ditos anteriormente, fadados a uma necessidade real de subsistência
para manutenção não apenas de nosso corpo físico e ações materiais, mas para a
convivência real em sociedade, que evolutivamente nos concedeu as vantagens de
se viver nela. Conseguimos melhorar nossa situação vivendo em sociedades, pois
temíamos menos os predadores, nos aquecíamos melhor, alimentava-mos-nos melhor
(pela caça e, após, pela plantação e criação; a vivência em sociedade nos
permitia isto) e, não menos importante, nos auxiliava a nos mantermos unidos
contra outros grupos sociais que viam em nosso subjulgo um meio deles crescerem
– isto quando nós não decidíamos fazer exatamente igual aos “malvados
dominadores”.
Toda esta
concepção da necessidade é muito bem descrita por Richard Dawkins em seu
célebre livro “O Gene Egoísta”, onde este descreve, de maneira pormenorizada, a
necessidades gênicas inerentes à cada modulo da vida e suas consequências nas
sociabilização deste indivíduo (isto quando o mesmo a possui, claro). As formações
de determinados compostos químicos e sua complexibilização nesta crescente
formação acabam por criar ações muito específicas destas moléculas. Estas, por
sua vez, em conformação físico-química, espacial e por forças elétricas e
térmicas, criam a consequência de se haver vida. Sendo assim, toda e qualquer
ação instintiva do ser possui por vertente a manutenção desta, uma vez que – e é
importante frisar este ponto – o desfazer desta condição de vida acarreta na
própria não existência, o que iria ao encontro da noção, inclusive, da
manutenção das forças intermoleculares, onde estas ações físicas tendem a
manter unidas estas matérias. Assim, extrapolando a concepção destas forças,
elas nos chegam ao inconsciente (e consciente) de que a manutenção da vida é
manter estas forças funcionando de maneira simples e natural; desfazer da vida
seria quebra esta harmonia. Natural que, no grau de compreensão da
racionalidade humana, tendamos a ampliar – ou até mesmo desambiguar – esta noção,
para algo místico e intangível. E este é o ponto central deste texto.
Tudo que foi
descrito até agora se refere à necessidade real do ser e suas consequências naturais.
Mas as necessidades acabam por, no limiar de nossa evolução e diferenciação
social, a se tornarem mais complexas e intrincadas, como charadas lógicas, mas
quase sempre desnecessárias, numa visão mais universal. Acabamos, pois, por
desenvolver a necessidade de necessitar,
onde algo precisa ser explicado através de uma subcompreenção do natural. O
maior exemplo que podemos encontrar na história humana são as produções de
seres divinos, que são encontrados em quase a totalidade dos povos, tribos,
reinos e impérios, e ainda hoje é vigente sua existência e extrapola os âmbitos
da razão e do conhecimento, bem como sua imputação àqueles que não se veem
necessitados disso (não apenas descrentes adultos, mas crianças não precisam
destas crenças).
Algo que
encontramos com certa facilidade é a evocação de que “a alegria da vivência em
deus é indescritível” ou quando pessoas negadamente céticas veem-se “curadas”
de problemas estatisticamente compreensíveis. Estas pessoas compreendem a si a
magia da divindade não apenas por lhes ser “real” e nítido vívido – é quase
impossível negar a sensação que esta pessoa sinta seja, efetivamente, falsa –
mas como inerente a um conjunto de regras que devem ser anteriormente
realizadas para a obtenção daquela. Estas regras são, em geral, romanceadas e cheias
de vieses místicos, que se sobrepõe a realidade funcional e observável.
Estatisticamente, a maior parte destes ocorridos é facilmente explicado e
conjecturizado, o que nos levaria a uma verdadeira conclusão de remediação do
problema, prevenção da causa e até mesmo estudos mais eficientes sobre males
parecidos e novas relações benéficas. Mas o ambiente de convívio destas pessoas
costuma ser muito restrito, e suas visões sobre problemas e soluções seguem
este mesmo padrão: um problema surge, o mesmo é resolvido de maneira enigmática
– visto que o próprio problema o é – e a falta de compreensão estatística os
leva a ver aquilo como algo além do que, de fato, possa realmente ser.
Esta
necessidade de querer atribuir as resoluções enigmáticas em suas (ou falta de)
abstrações se faz posta no entendimento como algo implicativo ao saber, assim,
eles necessitam necessitar destas ideias.
Outro exemplo
muito comum que podemos adicionar a isto é o Desígnio divino (Design Inteligente) e O argumento do relojoeiro de Paley, onde as contextualizações
baseiam-se em premissas curiosamente analíticas, mas falaciosas no que tange suas
conclusões práticas e sua intenção apologética de subverter o que já se é
compreendido dentro das ciências naturais. O primeiro diz da ‘beleza’ da
formação dos seres vivos e da natureza da existência (ignorando propositadamente
e indubitavelmente os desafios diários de se lidar com próprias limitações físicas
inerentes vida e sua manutenção) e que algo tão ‘perfeitamente’ hermético não
poderia estar presente sem a existência e prestação de algo maior e melhor,
desenvolvendo-o, sendo assim, Deus. O segundo corrobora com a intenção do
primeiro, onde propõe a analogia da produção metódica e precisa de um relógio, onde
“um relógio de pulso é complexo; um relógio de pulso teve um planejador
inteligente; a vida é complexa; portanto, a vida também teve um planejador inteligente.”1
Não cabe aqui discutir, ainda mais de maneira metódica, a alienação impregnada
nestas afirmações e seus erros conceituais, tanto epistêmicos quanto
filosóficos, mas sim notar-se que, às pessoas, estas necessidades não são mais
do que frívolas para uma compreensão – como já dito aqui – universal, mas para
a individual, mais necessariamente de alguém com limitações das atenuantes espalhadas pela existência e
que não lhes é permitido interpretar.2
No curso destas
noções, estas necessidades passam muito mais pelo campo da interpretação de si
mesmo do que da interação ser-ambiente. Fazê-la entende-se analisar o ambiente
e as ações do ser sobre e em função dele, ao contrario de suas sensações,
desejos e ideais implícitos sobre si e utiliza-los para prescrever o natural.
Existem, por
tanto, as necessidades relativas a se postar num ambiente, numa situação, num
grupo social. Estas necessidades – por “ter que se colocar assim (postar)” –
são necessidades relativas, e não efetivas. Estas necessidades não são de fato
importantes para a ocorrência da vida e de sua manutenção, mas relativizadas às
ingerências do ser, do indivíduo e de sua visão de mundo. São também
independentes de quaisquer afirmações lógicas, livres de amarras epistêmicas e materialistas,
o que as torna quase impossíveis de serem aplicadas a todas as pessoas, em
contrapartida da necessidade real de se aplicar algo que faça o bem a todos. Pode-se,
por exemplo, conceber a necessidade de um religioso em crer na providência
divina quanto aos ocorridos diários e, fatalmente, a algo específico. Mas
prevenir-se através da necessidade de estudar ocorrências anteriores e
aplicáveis à totalidade humana é, de maneira mais clara e prática, o ideal.
DAWKINS, Richard. O gene egoístas. Companhia das Letras. São Paulo. 2007
1 Mesmo que colocado no texto desta maneira, a segunda concepção é mais antiga que a primeira, pelo menos em sua contextualização mais utilizada.
não tem outro jeito vou ter que deixar nos favoritos rs
ResponderExcluirDanilo Ferreira, Anônimo