A lição de Anatomia - Reimbrandt |
A ARTE REFINADA DE DETECTAR
MENTIRAS
*retirado do livro "O mundo assombrado pelos demônios"
Carl Sagan
Mais de um
terço dos adultos norte-americanos acreditam que em algum nível estabeleceram
contato com os mortos. O número parece ter dado um pulo de 15% entre 1977 e
1988. Um quarto dos norte-americanos acreditava em reencarnação.
Mas
isso não significa que devemos estar dispostos a aceitar as pretensões de um “médium”,
que afirma canalizar os espíritos dos seres amados que partiram, quando tenho
consciência de que a prática está cheia de fraudes. Compreendo que esses
sentimentos poderiam me tornar uma presa fácil até para um trapaceiro pouco
inteligente, de pessoas normais que desconhecem suas mentes inconscientes, ou
dos que sofrem de uma desordem psiquiátrica dissociativa. Relutantemente, ponho
em ação algumas reservas de ceticismo. Como é, pergunto a mim mesmo, que os
canalizadores nunca nos dão informações verificáveis que são inacessíveis por
outros meios? Por que Alexandre, o Grande, nunca nos informa sobre a
localização exata de sua tumba, Fermat sobre o seu último teorema, James Wilkes
Booth sobre a conspiração do assassinato de Lincoln, Hermann Göering sobre o
incêndio do Reichstag? Por que Sófocles, Demócrito e Aristarco não ditam as
suas obras perdidas? Não querem que as gerações futuras conheçam as suas obras primas?
Se
fosse anunciada alguma evidência real de vida após a morte, desejaria muito
examiná-la; mas teria de ser uma evidência real científica, e não simples
anedota. Em casos como A Face em Marte e os raptos por alienígenas, eu diria
que é melhor a verdade dura do que a fantasia consoladora. E, no cômputo final,
revela-se frequentemente que os fatos são mais consoladores que a fantasia.
A
premissa fundamental da “canalização”, do espiritismo e de outras formas de necromancia é que não
morremos quando experimentamos a morte. Não exatamente. Continua a existir
alguma parte de nós que pensa, sente e tem memória. Seja o que for – alma ou espírito, nem
matéria nem energia, mas alguma outra coisa –, essa parte pode entrar novamente em corpos humanos ou de
outros seres, e assim a morte perde grande parte de sua ferroada. E ainda mais:
se as afirmações do espírita ou canalizador são verdadeiras, temos uma
oportunidade de entrar em contato com os seres amados que morreram.
J. Z. Knight,
do estado de Washington, afirma estar em contato com um ser de 35 mil anos
chamado Ramtha. Ele fala inglês muito bem, usando a língua, os lábios e as
cordas vocais de Knight, com um sotaque que me parece hindu. Como a maioria das
pessoas sabe como falar, e muitas – de crianças a atores profissionais – têm um repertório de
vozes a seu dispor, a hipótese mais simples sugere que é a
própria sra. Knight que faz Ramtha falar, e que ela não tem contato com
entidades desencarnadas da época plistocena glacial. Se há provas em contrário,
gostaria muito de conhecer. Seria consideravelmente mais impressionante se
Ramtha pudesse falar por si mesmo, sem a ajuda da boca da sra. Knight. Isso,
não sendo possível, como podemos testar a afirmação? (a atriz Shirley MacLaine
afirma que Ramtha foi seu irmão em Atlântida, mas isso já é outra história.)
Vamos supor que
Ramtha pudesse ser interrogado. Poderíamos verificar se ele é quem afirma ser?
Como é que ele sabe que viveu há 35 mil anos, mesmo aproximadamente? Que
calendário emprega? Quem está tomando nota dos milênios intermediários? Trinta
e cinco mil mais ou menos o quê? Como é que eram as coisas há 35 mil anos? Ou
Ramtha tem realmente essa idade, e nesse caso vamos descobrir alguma coisa
sobre esse período, ou é uma fraude e ele (ou melhor, ela) vai se trair.
Onde é que
Ramtha vivia? (Sei que fala inglês com sotaque hindu, mas onde é que falavam
assim há 35 mil anos?) Como era o clima? O que Ramtha comia? (Os arqueólogos
têm alguma noção do que as pessoas comiam nessa época.) Quais eram as línguas
autóctones, e qual era a estrutura social? Com quem Ramtha vivia – com a mulher, mulheres, filhos, netos? Qual era o ciclo de
vida, a taxa de mortalidade infantil, a expectativa de vida? Eles tinham
controle populacional? Que roupas vestiam? Como elas eram fabricadas? Os
instrumentos e as estratégias de caça e pesca? Armas? Sexismo endêmico?
Xenofobia e etnocentrismo? E, se Ramtha descendia da “elevada
civilização” de Atlântida,
onde estão os detalhes lingüísticos,
tecnológicos, históricos e de outra natureza? Como era sua escrita? Respondam.
Em lugar disso, a única coisa que recebemos são homilias banais.
Para dar outro
exemplo, eis um conjunto de informações que não foram canalizadas de um morto
antigo, mas de entidades não humanas desconhecidas que faziam círculos nas
plantações, assim como foi registrado pelo jornalista Jim Schnabel:
Estamos muito ansiosos por essa nação pecadora estar
espalhando mentiras sobre nós. Não viemos em máquinas, não pousamos na Terra em
máquinas [...]. Viemos com o vento. Somos a Força Vital. A Força Vital do solo
[...]. Viemos até aqui [...]. Estamos apenas a um sopro de distância [...] a um
sopro de distância [...] não estamos a milhões de milhas de distância [...] uma
Força Vital que é mais potente que as energias do corpo humano. Mas nós nos
reunimos num nível mais elevado de vida[...]. Não precisamos de nome. Vivemos
num mundo paralelo ao seu, ao lado do seu [...]. Os muros se romperam. Dois
homens surgirão do passado [...] o grande urso [...] o mundo encontrará a paz.
As pessoas dão atenção a essas maravilhas pueris, principalmente porque elas prometem algo parecido com a religião dos velhos tempos, mas sobretudo a vida depois da morte, até a vida eterna.
O versátil
cientista britânico J. B. S. Haldane, que foi, entre muitas outras coisas, um
dos fundadores da genética populacional, propôs certa vez uma perspectiva muito
diferente para algo semelhante à vida eterna. Haldane imaginava um futuro
distante em que as estrelas se obscureciam e o espaço foi preenchido em sua
maior parte por um gás frio e fino. Ainda assim, se esperarmos bastante tempo,
ocorrerão flutuações estatísticas na densidade desse gás. Ao longo de imensos
períodos, as flutuações serão o suficiente para reconstituir um Universo
parecido com o nosso. Se o Universo é infinitamente antigo, haverá um número
infinito dessas reconstituições, apontava Haldane.
Assim, num
Universo infinitamente antigo com um número infinito de nascimentos de
galáxias, estrelas, planetas e vida, deve reaparecer uma Terra idêntica em que
você e todos os seus seres queridos voltarão a se reunir. Serei capaz de rever
meus pais e apresentar-lhes os netos que eles não conheceram. E tudo isso não
acontecerá apenas uma vez, mas um número infinito de vezes.
Entretanto, de
certo modo isso não oferece os consolos da religião. Se nenhum de nós vai
lembrar o que aconteceu desta vez, a época que o leitor e eu estamos
partilhando, as satisfações da ressurreição do corpo, pelo menos aos meus
ouvidos, soam ocas.
Mas nessa
reflexão subestimei o que significa infinidade. Na imagem de Haldane, haverá
universos, na verdade um número infinito de universos, em que nossas mentes
recordarão perfeitamente todas as vidas anteriores. A satisfação está à mão – moderada, no entanto, pela ideia
de todos esses outros universos que também passarão a existir (novamente, não uma
vez, mas um número infinito de vezes) com tragédias e horrores que superam em
muito qualquer coisa que já experimentei desta vez.
Entretanto, o
Consolo de Haldane depende do tipo de universo em que vivemos, e talvez de
arcanos, como, por exemplo, saber se há bastante matéria para finalmente
reverter a expansão do universo, e o caráter das flutuações no vácuo. Ao que
parece, aqueles que sentem um profundo desejo de vida após a morte poderiam se
dedicar à cosmologia, à gravidade quântica, à física das partículas elementares
e à aritmética transfinita.
Clemente de
Alexandria, um dos padres da Igreja primitiva, em suas Exortações aos Gregos
(escritas em torno do ano 190), rejeitava as crenças pagãs em termos que
pareceriam hoje em dia um pouco irônicos:
Estamos realmente longe de permitir que os homens
adultos dêem ouvidos a essas histórias. Mesmo aos nossos filhos, quando eles
berram de cortar o coração, como se diz, não temos o hábito de contar histórias
fabulosas para acalmá-los.
Em
nossa época, temos padrões menos severos. Contamos às crianças histórias sobre
o Papai Noel, o coelhinho da Páscoa e a fada do dente por razões que achamos
emocionalmente sadias, mas depois, antes de crescerem, nós os desiludimos sobre
esses mitos. Por que nos desdizemos? Porque o seu bem-estar como adultos
depende de eles conhecerem o mundo tal como é. Nós nos preocupamos, e com
razão, com os adultos que ainda acreditam em Papai Noel.
Sobre
as religiões doutrinárias, escreveu o filósofo David Hume que
os homens não ousam confessar, nem mesmo a seus
corações, as dúvidas que têm a respeito desses assuntos. Eles valorizam a fé
implícita; e disfarçam para si mesmos a sua real descrença, por meio das
afirmações mais convictas e do fanatismo mais positivo.
Essa descrença
tem consequências morais profundas, como escreveu o revolucionário americano
Tom Paine em The age of reason:
A descrença não consiste em acreditar, nem em desacreditar;
consiste em professar que se crê naquilo que não se crê. É impossível calcular
o dano moral, se é que posso chamá-lo assim, que a mentira mental tem causado na
sociedade. Quando o homem corrompeu e prostituiu de tal modo a castidade de sua
mente, a ponto de empenhar a sua crença profissional em coisas que não
acredita, ele está preparado para a execução de qualquer outro crime.
A formulação de
T. H. Huxley foi:
O fundamento da moralidade é [...] renunciar a fingir
que se acredita naquilo que não comporta evidências, e a repetir proposições
ininteligíveis sobre coisas que estão além das possibilidades do conhecimento.
Clement, Hume,
Paine e Huxley estavam todos falando de religião. Mas a grande parte do que
escreveram têm aplicações mais gerais – por exemplo,
para as importunidades disseminadas no pano de fundo de nossa civilização
comercial: há um tipo de comercial de aspirina em que atores fingindo ser
médicos revelam que o produto do concorrente tem apenas determinada fração do
ingrediente analgésico que os médicos mais recomendam –
eles não dizem qual é o
misterioso ingrediente. Enquanto o seu produto tem uma quantidade drasticamente
maior (1,2 a 2 vezes mais por comprimido). Por isso, comprem esse produto. Mas
por que não tomar dois comprimidos do concorrente? Ou considere-se o caso do
analgésico que funciona melhor do que o produto de “potência regular” do
concorrente. Por que não tomar o produto de “potência extra” do outro
fabricante? E eles certamente não falam nada sobre as mais de mil mortes por
ano causadas pelo uso de aspirina nos Estados Unidos ou os aparentes 5 mil
casos anuais de disfunção renal provocados pelo uso de acetaminofeno, de que a
marca mais vendida é o Tylenol. (Isso, contudo, talvez represente um caso de correlação
sem causalidade.) Ou quem se importa em saber quais os cereais que têm mais
vitamina, quando podemos tomar uma pílula de vitamina no café da manhã? Da
mesma forma, que importa saber que um antiácido contém cálcio, se o cálcio
serve para a nutrição e é irrelevante para a gastrite? A cultura comercial está
cheia de informações errôneas e subterfúgios semelhantes à custa do consumidor.
Não se devem fazer perguntas. Não pensem. Comprem.
As explicações
pagas dos produtos, especialmente se feitas por verdadeiros ou pretensos
especialistas, constituem uma saraivada constante de logros. Revelam menosprezo
pela inteligência dos clientes. Criam uma corrupção insidiosa das atitudes
populares a respeito da objetividade científica. Hoje, existem até comerciais
em que cientistas reais, alguns de considerável distinção, atuam como
garotos-propaganda para as empresas. Eles nos ensinam que também os cientistas
mentem por dinheiro. Como alertou Tom Paine, o fato de nos acostumarmos com
mentiras cria o fundamento para muitos outros males.
Enquanto
escrevo, tenho diante de mim o programa da Whole Life Expo, a exposição anual
da Nova Era realizada em San Francisco. É comumente visitada por dezenas de
milhares de pessoas. Ali especialistas muito questionáveis fazem propaganda de
produtos muito questionáveis. Eis algumas das apresentações: “Como proteínas presas
no sangue produzem dor e sofrimento”. “Cristais, talismãs ou
pedras?” (Tenho a minha opinião.) Prossegue: “Assim como um cristal focaliza as ondas
sonoras e luminosas para o rádio e a televisão” – o que é um erro insípido de quem não compreende
como o rádio e a televisão funcionam –, “ele pode amplificar as vibrações espirituais para o ser humano
afinado”. Ou mais esta: “O
retorno da deusa, um ritual de apresentação”.
Outra: “Sincronismo, a experiência do reconhecimento”. Essa é fornecida pelo “irmão Charles”. Ou, na página seguinte: “Você,
Saint-Germain e a cura pela chama violeta”. E
assim continua, com milhares de anúncios sobre as “oportunidades” – percorrendo a gama estreita que vai do dúbio ao espúrio – que se acham à disposição na Whole Life Expo.
Algumas vítimas
de câncer, perturbadas, fazem peregrinações às Filipinas, onde “cirurgiões mediúnicos”, depois de esconder na palma da mão pedaços de fígado de galinha
ou coração de bode, fingem tocar nas entranhas do paciente e retirar o tecido
doente, que é então triunfantemente exibido. Certos líderes de democracias
ocidentais consultam regularmente astrólogos e místicos antes de tomar decisões
de Estado. Sob a pressão pública por resultados, a polícia, às voltas com um
assassinato não solucionado ou um corpo desaparecido, consulta “especialistas” de ESP (percepção
extra-sensorial) (que nunca adivinham nada além do esperado pelo senso comum,
mas a polícia, dizem os ESPs, continua a chamá-los). Anuncia-se a previsão de
uma divergência com nações adversárias, e a CIA, estimulada pelo Congresso,
gasta dinheiro dos impostos para descobrir se podemos localizar submarinos nas
profundezas do oceano concentrando o pensamento neles. Um “médium” – usando pêndulos
sobre mapas e varinhas rabdomânticas em aviões –
finge descobrir novos depósitos minerais; uma companhia mineira australiana lhe
adianta elevada soma de dólares, irrecuperável em caso de fracasso,
garantindo-lhe uma participação na exploração do minério em caso de sucesso.
Nada é descoberto. Algumas estátuas de Jesus ou murais de Maria ficam manchados
de umidade, e milhares de pessoas bondosas se convencem de que testemunharam um
milagre.
Todos esses são
casos de mentiras provocadas ou presumíveis. Acontece um logro, ora de forma
inocente, mas com a colaboração dos envolvidos, ora com premeditação cínica. Em
geral, a vítima se vê presa de forte emoção –
admiração, medo, ganância,
dor. A aceitação crédula
da mentira talvez nos custe dinheiro: é o que P. T. Barnum apontou, ao afirmar:
“Nasce um otário a cada minuto”. Mas pode ser muito mais perigoso do que isso, e quando os
governos e as sociedades perdem a capacidade de pensar criticamente os
resultados podem ser catastróficos – por mais
que deploremos aqueles que engoliram a mentira.
Na ciência,
podemos começar com resultados experimentais, dados, observações, medições, “fatos”. Inventamos, se possível, um rico conjunto de explicações plausíveis e
sistematicamente confrontamos cada explicação com os fatos. Ao longo de seu
treinamento, os cientistas são equipados com um kit de detecção de mentiras.
Este é ativado sempre que novas idéias são apresentadas para consideração. Se a
nova idéia sobrevive ao exame das ferramentas do kit, nós lhe concedemos
aceitação calorosa, ainda que experimental. Se possuímos essa tendência, se não
desejamos engolir mentiras mesmo quando são confortadoras, há precauções que
podem ser tomadas; existe um método testado pelo consumidor, experimentado e verdadeiro.
O que existe no
kit? Ferramentas para o pensamento cético.
O pensamento
cético se resume no meio de construir e compreender um argumento racional e – o que é especialmente importante – de reconhecer um argumento falacioso ou fraudulento. A
questão não é se gostamos da conclusão que emerge de uma cadeia de raciocínio,
mas se a conclusão deriva da premissa ou do ponto de partida e se essa premissa
é verdadeira.
Eis algumas das
ferramentas:
Sempre que possível, deve haver
confirmação independente dos “fatos”.
·
Devemos estimular um debate substantivo sobre as
evidências, do qual participarão notórios partidários de todos os pontos de
vista.
·
Os argumentos de autoridade têm pouca
importância – as “autoridades”
cometeram erros no passado. Voltarão a cometê-los no futuro.
·
Uma forma melhor de expressar essa idéia é
talvez dizer que na ciência não existem autoridades; quando muito, há
especialistas.
·
Devemos considerar mais de uma hipótese. Se
alguma coisa deve ser explicada, é preciso pensar em todas as maneiras
diferentes pelas quais poderia ser explicada. Depois devemos pensar nos testes
que poderiam servir para invalidar sistematicamente cada uma das alternativas.
O que sobreviver, a hipótese que resistir a todas as refutações nesta seleção
darwiniana entre as “múltiplas hipóteses eficazes”, tem uma chance muito melhor de ser a resposta correta do que
se tivéssemos simplesmente adotado a primeira idéia que prendeu nossa
imaginação.1
·
Devemos tentar não ficar demasiado ligados a uma
hipótese só por ser a nossa. É apenas uma estação intermediária na busca do conhecimento.
Devemos nos perguntar por que a idéia nos agrada. Devemos compará-la
imparcialmente com as alternativas. Devemos verificar se é possível encontrar
razões para rejeitá-la. Se não, outros o farão.
·
Devemos quantificar. Se o que estiver sendo
explicado é passível de medição, de ser relacionado a alguma quantidade
numérica, seremos muito mais capazes de discriminar entre as hipóteses
concorrentes. O que é vago e qualitativo é suscetível de muitas explicações. Há
certamente verdades a serem buscadas nas muitas questões qualitativas que somos
obrigados a enfrentar, mas encontrá-las é mais desafiador.
·
Se há uma cadeia de argumentos, todos os elos na
cadeia devem funcionar (inclusive a premissa) – e
não apenas a maioria deles.
·
A Navalha de Occam. Essa maneira prática e
conveniente de proceder nos incita a escolher a mais simples dentre duas
hipóteses que explicam os dados com igual eficiência.
·
Devemos sempre perguntar se a hipótese não pode
ser, pelo menos em princípio, falseada. As proposições que não podem ser
testadas ou falseadas não valem grande coisa. Considere-se a idéia grandiosa de
que o nosso Universo e tudo o que nele existe é apenas uma partícula elementar – um elétron, por exemplo –
num Cosmos muito maior. Mas, se nunca obtemos informações de fora de nosso
Universo, essa idéia não se torna impossível de ser refutada? Devemos poder
verificar as afirmativas. Os céticos inveterados devem ter a oportunidade de
seguir o nosso raciocínio, copiar os nossos experimentos e ver se chegam ao
mesmo resultado.
A confiança em
experimentos cuidadosamente planejados e controlados é de suma importância,
como tentei enfatizar antes. Não aprendemos com a simples contemplação. É
tentador ficar satisfeitos com a primeira explicação possível que passa pelas
nossas cabeças. Uma é muito melhor do que nenhuma. Mas o que acontece se
podemos inventar várias? Como decidir entre elas? Não decidimos. Deixamos que a
experimentação faça as escolhas para nós. Francis Bacon indicou a razão
clássica: “A argumentação não é suficiente
para a descoberta de novos trabalhos, pois a sutileza da natureza é muitas
vezes maior do que a sutileza dos argumentos”.
Os experimentos
de controle são essenciais. Por exemplo, se alegam que um novo remédio cura uma
doença em 20% dos casos, temos de nos assegurar se uma população de controle,
ao tomar um placebo pensando que ingere a nova droga, também não experimenta
uma cura espontânea da doença em 20% das vezes.
As variáveis
devem ser separadas. Vamos supor que nos sentimos mareados, e nos dão uma
pulseira que pressiona os pontos indicados pela acupuntura e cinquenta
miligramas de meclizina. Descobrimos que o mal-estar desaparece. O que causou o
alívio – a pulseira ou a pílula?
Só ficaremos sabendo se tomarmos uma sem
usar a outra, na próxima vez em que ficarmos mareados. Agora vamos imaginar que
não somos tão dedicados à ciência a ponto de querer ficar mareados. Nesse caso,
não separamos as variáveis. Tomamos os dois remédios de novo. Conseguimos o
resultado prático desejado; aprofundar o conhecimento, poderíamos dizer, não
vale o desconforto de atingi-lo.
Frequentemente
o experimento deve ser realizado pelo método “duplo
cego”, para que aqueles que aguardam uma certa
descoberta não fiquem na posição
potencialmente comprometedora de avaliar os resultados. Ao testar um novo
remédio, por exemplo, queremos que os médicos que determinam os sintomas a
serem mitigados não fiquem sabendo a que pacientes foi ministrada a nova droga.
O conhecimento poderia influenciar a sua decisão, ainda que inconscientemente.
Em vez disso, a lista dos que sentiram alívio dos sintomas pode ser comparada
com a dos que tomaram a nova droga, cada uma determinada independentemente. Só
então podemos estabelecer a correlação existente. Ou, ao comandar uma
identificação policial pelo reconhecimento de fotos ou dos suspeitos
enfileirados, o oficial encarregado não deveria saber quem é o principal
suspeito, para não influenciar a testemunha consciente ou inconscientemente.
Além de nos
ensinar o que fazer na hora de avaliar uma informação, qualquer bom kit de
detecção de mentiras deve também nos ensinar o que não fazer. Ele nos ajuda a
reconhecer as falácias mais comuns e mais perigosas da lógica e da retórica.
Muitos bons exemplos podem ser encontrados na religião e na política, porque
seus profissionais são frequentemente obrigados a justificar duas proposições
contraditórias. Entre essas falácias estão:
·
ad hominem –
expressão latina que significa “ao homem”, quando atacamos o argumentador
e não o argumento (por exemplo: A reverenda dra. Smith é uma conhecida
fundamentalista bíblica, por isso não precisamos levar a sério suas objeções à
evolução);
·
argumento de autoridade (por exemplo: O
presidente Richard Nixon deve ser reeleito porque ele tem um plano secreto para
pôr fim à guerra no Sudeste da Ásia – mas, como
era secreto, o eleitorado não tinha
meios de avaliar os méritos do plano; o argumento se reduzia a confiar em Nixon
porque ele era o presidente; um erro, como se veio a saber);
·
argumento das consequências adversas (por
exemplo: Deve existir um Deus que confere castigo e recompensa, porque, se não
existisse, a sociedade seria muito mais desordenada e perigosa – talvez até ingovernável.2 Ou: O réu de um
caso de homicídio amplamente divulgado pelos meios de comunicação deve ser
julgado culpado; caso contrário, será um estímulo para os outros homens matarem
as suas mulheres);
·
apelo à ignorância – a
afirmação de que qualquer coisa que não provou ser falsa deve ser verdade, e vice-versa (por
exemplo: Não há evidência convincente de que os UFOs não estejam visitando a
Terra; portanto, os UFOs existem – e há vida inteligente em outros lugares do Universo. Ou: Talvez
haja setenta quasilhões de outros mundos, mas não se conhece nenhum que tenha o
progresso moral da Terra, por isso ainda somos o centro do Universo). Essa impaciência
com a ambiguidade pode ser criticada pela expressão: a ausência de evidência
não é evidência da ausência;
·
alegação especial, frequentemente para salvar
uma proposição em profunda dificuldade teórica (por exemplo: Como um Deus
misericordioso pode condenar as gerações futuras a um tormento interminável, só
porque, contra as suas ordens, uma mulher induziu um homem a comer uma maçã?
Alegação especial: Você não compreende a doutrina sutil do livre-arbítrio. Ou:
Como pode haver um Pai, um Filho e um Espírito Santo igualmente divinos na
mesma Pessoa? Alegação especial: Você não compreende o mistério da Santíssima
Trindade. Ou: Como Deus permitiu que os seguidores do judaísmo, cristianismo e
islamismo – cada um comprometido a seu modo
com medidas heroicas de bondade e compaixão –
tenham perpetrado tanta crueldade durante tanto tempo? Alegação especial: Mais
uma vez você não compreende o livre-arbítrio. E, de qualquer modo, os
movimentos de Deus são misteriosos);
·
petição de princípio, também chamada de supor a
resposta (por exemplo: Devemos instituir a pena de morte para desencorajar o
crime violento. Mas a taxa de crimes violentos realmente cai quando é imposta a
pena de morte? Ou: A bolsa de valores caiu ontem por causa de um ajuste técnico
e da realização de lucros por parte dos investidores. Mas há alguma evidência independente
do papel causal do “ajuste” e
da realização de lucros? Aprendemos
realmente alguma coisa com essa pretensa explicação?
·
seleção das observações, também chamada de
enumeração das circunstâncias favoráveis, ou, segundo a descrição do filósofo
Francis Bacon, contar os acertos e esquecer os fracassos3 (por
exemplo: Um Estado se vangloria do presidente que gerou, mas se cala sobre os
seus assassinos que matam em série);
·
estatística dos números pequenos – falácia aparentada com a seleção das
observações (por exemplo: “Dizem que
uma dentre cada cinco pessoas é chinesa. Como é possível? Conheço centenas de
pessoas e nenhuma delas é chinesa. Atenciosamente”.
Ou: Tirei três setes seguidos. Hoje à noite
não tenho como perder);
·
compreensão errônea da natureza da estatística
(por exemplo: O presidente Dwight Eisenhower expressando espanto e apreensão ao
descobrir que metade de todos os norte-americanos têm inteligência abaixo da
média);
·
incoerência (por exemplo: Prepare-se
prudentemente para enfrentar o pior na luta com um potencial adversário
militar, mas ignore parcimoniosamente projeções científicas sobre perigos
ambientais, porque eles não são “comprovados”. Ou: Atribua a diminuição da expectativa de vida na antiga
União Soviética aos fracassos do comunismo há muitos anos, mas nunca atribua a
alta taxa de mortalidade infantil nos Estados Unidos (no momento, a taxa mais
alta das principais nações industrializadas) aos fracassos do capitalismo. Ou:
Considere razoável que o Universo continue a existir para sempre no futuro, mas
julgue absurda a possibilidade de que ele tenha duração infinita no passado);
·
non sequitur –
expressão latina que significa “não se segue”
(por exemplo: A nossa nação prevalecerá, porque Deus é grande. Mas quase todas
as nações querem que isso seja verdade; a formulação alemã era “Gott mit uns”). Com freqüência, os que caem na falácia
non sequitur deixaram simplesmente de reconhecer as possibilidades
alternativas;
·
post hoc, ergo propter hoc – expressão latina que significa “aconteceu após um fato, logo foi por ele causado” (por exemplo, Jaime Cardinal Sin, arcebispo de Manilla: “Conheço [...] uma moça de 26 anos que aparenta sessenta porque ela toma a pílula
[anticoncepcional]”. Ou: Antes de as mulheres terem
o direito de votar, não havia armas nucleares);
·
pergunta sem sentido (por exemplo: O que
acontece quando uma força irresistível encontra um objeto imóvel? Mas se existe
uma força irresistível, não pode haver objetos imóveis, e vice-versa);
·
exclusão de meio-termo, ou dicotomia falsa – considerando apenas os dois extremos num continuum de
possibilidades intermediárias (por exemplo: Claro, tome o partido dele; meu
marido é perfeito; eu estou sempre errada. Ou: Ame o seu país ou odeie-o.. Ou:
Se você não é parte da solução, é parte do problema);
·
curto prazo versus longo prazo – um subconjunto da exclusão
do meio-termo, mas tão importante que o separei para lhe dar atenção especial (por
exemplo: Não temos dinheiro para financiar programas que alimentem crianças mal
nutridas e eduquem garotos em idade escolar. Precisamos urgentemente tratar do crime
nas ruas. Ou: Por que explorar o espaço ou fazer pesquisa de ciência básica, quando
temos tantas pessoas sem teto?);
·
declive escorregadio, relacionado à exclusão do
meio-termo (por exemplo: Se permitirmos o aborto nas primeiras semanas da
gravidez, será impossível evitar o assassinato de um bebê no final da gravidez.
Ou, inversamente: Se o Estado proíbe o aborto até no nono mês, logo estará nos
dizendo o que fazer com os nossos corpos no momento da concepção);
·
confusão de correlação e causa (por exemplo:
Um levantamento mostra que é maior o número de homossexuais entre os que têm
curso superior do que entre os que não o possuem; portanto, a educação torna as
pessoas homossexuais. Ou: Os terremotos andinos estão correlacionados com as
maiores aproximações do planeta Urano; portanto –
apesar da ausência de uma correlação desse tipo com respeito ao planeta Júpiter, mais próximo e
mais volumoso – o planeta Urano é a causa dos terremotos);1 3
·
espantalho –
caricaturar uma posição para tornar mais fácil o ataque (por exemplo: Os cientistas supõem que os seres
vivos simplesmente se reuniram por acaso –
uma formulação que ignora propositadamente a idéia darwiniana central, de que a
natureza se constrói guardando o que funciona e jogando fora o que não funciona.
Ou: – isso é
também uma falácia
de curto prazo/longo prazo – os
ambientalistas se importam mais com anhingas e corujas pintadas do que com
gente);
·
evidência suprimida, ou meia verdade (por
exemplo: Uma “profecia”
espantosamente exata e muito citada do atentado contra o presidente Reagan é
apresentada na televisão; mas – detalhe
importante – foi gravada antes ou depois do
evento? Ou: Esses abusos do governo pedem uma revolução, mesmo que não se possa
fazer uma omelete sem quebrar alguns ovos. Sim, mas será uma revolução que
causará muito mais mortes do que o regime anterior? O que sugere a experiência
de outras revoluções? Todas as revoluções contra regimes opressivos são
desejáveis e vantajosas para o povo?);
·
palavras equívocas (por exemplo, a separação dos
poderes na Constituição norte-americana especifica que os Estados Unidos não
podem travar guerra sem uma declaração do Congresso. Por outro lado, os presidentes
detêm o controle da política externa e o comando das guerras, que são
potencialmente ferramentas poderosas para que sejam reeleitos. Portanto, os
presidentes de qualquer partido político podem ficar tentados a arrumar
disputas, enquanto desfraldam a bandeira e dão outro nome às guerras – “ações
policiais”, “incursões armadas”, “ataques de reação protetores”, “pacificação”, “salvaguarda dos interesses
norte-americanos” e uma enorme variedade de “operações”,
como a “Operação
da Causa Justa”. Os eufemismos para a guerra são
um dos itens de uma ampla categoria de reinvenções da linguagem para fins políticos.
Talleyrand disse: “Uma arte importante dos políticos
é encontrar novos nomes para instituições que com seus nomes antigos se
tornaram odiosas para o público”).
Conhecer a
existência dessas falácias lógicas e retóricas completa o nosso conjunto de ferramentas.
Como todos os instrumentos, o kit de detecção de mentiras pode ser mal
empregado, aplicado fora do contexto, ou até usado como uma alternativa
mecânica para o pensamento. Mas, aplicado judiciosamente, pode fazer toda a
diferença do mundo – ao menos para avaliar os nossos
próprios argumentos antes de os apresentarmos aos outros.
A indústria do
tabaco norte-americana fatura cerca de 50 bilhões de dólares por ano. Há uma
correlação estatística entre o fumo e o câncer, admite a indústria do fumo, mas
não existe, dizem, uma relação causal. Uma falácia lógica está sendo cometida,
é o que afirmam. O que significa tudo isso? Talvez as pessoas com
predisposições hereditárias para contrair o câncer tenham predisposições
hereditárias para drogas que viciam – assim, poderia
haver uma correlação entre o câncer e o fumo, mas aquele não seria causado por
este. Podem-se inventar conexões deste tipo, cada vez mais forçadas. Essa é
exatamente uma das razões por que a ciência insiste em fazer experimentos de controle.
Vamos supor que
se pintassem as costas de um grande número de camundongos com alcatrão de
cigarro, e que também se observasse a saúde de um número quase idêntico de
camundongos que não foram pintados. Se os primeiros contraem câncer e os
segundos não, pode-se ter bastante certeza de que a correlação é causal. Trague
a fumaça de tabaco, e a chance de contrair câncer aumenta; não trague, e a taxa
permanece no nível básico. O mesmo vale para o enfisema, a bronquite e as
doenças cardiovasculares.
Quando, em
1953, se publicou a primeira obra na literatura científica mostrando que as
substâncias presentes na fumaça do cigarro, quando espargidas nas costas de
roedores, produzem tumores malignos, a reação das seis maiores companhias de
tabaco foi começar uma campanha de relações públicas para impugnar a pesquisa,
patrocinada pela Fundação Sloan Kettering. Uma reação semelhante à da Du Pont
Corporation, quando em 1974 foi publicada a primeira pesquisa mostrando que seu
produto Freon ataca a camada protetora de ozônio. Há muitos outros exemplos.
É de se pensar
que, antes de denunciar descobertas científicas indesejadas, as principais
companhias deveriam empregar os seus consideráveis recursos para verificar a
segurança dos produtos que se propõem fabricar. E, se perdessem algo, se
cientistas independentes sugerissem um perigo, por que as companhias se
oporiam? Prefeririam matar pessoas a perder lucros? Se, nesse mundo incerto, um
erro precisa ser cometido, ele não deveria ter o objetivo de proteger os
clientes e o público? E, por outro lado, o que esses casos revelam sobre a
capacidade de o sistema de livre empresa policiar a si mesmo? Não são exemplos
em que a interferência do governo é claramente a favor do interesse público?
Um relatório
interno da Brown and Williamson Tobacco Corporation, de 1971, lista como
objetivo da companhia “afastar das mentes de milhões a
falsa convicção de que fumar cigarros causa câncer de pulmão e outras doenças;
uma convicção baseada em pressupostos fanáticos, rumores falaciosos, afirmações
sem fundamento e declarações não científicas de oportunistas que buscam
notoriedade”. Eles se queixam do
ataque incrível, sem
precedentes e abominável contra o cigarro, constituindo o maior libelo e a
maior difamação já perpetrados contra um produto na história da livre empresa;
um libelo criminoso de tão grandes proporções e implicações que é de se
perguntar como essa cruzada de calúnias pode se acomodar sob a Constituição
pode ser tão desrespeitada e violada [sic].
Essa retórica é apenas um pouco mais inflamada do que a das declarações que a indústria do tabaco emite de tempos em tempos para consumo público.
Há muitas
marcas de cigarros que anunciam baixo nível de alcatrão (dez miligramas ou
menos por cigarro). Por que isso é uma virtude? Porque é no alcatrão refratário
que os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos e algumas outras substâncias
cancerígenas se concentram. As propagandas que enfatizam baixos teores de
alcatrão não são uma admissão tácita das companhias de tabaco de que os cigarros
realmente causam câncer?
A Healthy
Building International é uma organização lucrativa, que recebe há anos milhões
de dólares da indústria do fumo. Ela realiza pesquisas sobre fumo passivo, e
presta declarações para as companhias de tabaco. Em 1994, três de seus técnicos
reclamaram que altos executivos teriam falsificado dados sobre partículas de
cigarro inaláveis no ar. Em todos os casos, os dados inventados ou “corrigidos” faziam a
fumaça de cigarro parecer mais segura do que
as medições dos técnicos haviam indicado. Os departamentos de pesquisa da
companhia ou as firmas do ramo contratadas já descobriram alguma vez que um
produto é mais perigoso do que a empresa de tabaco declarou publicamente? Em
caso positivo, mantiveram o emprego?
O tabaco vicia;
segundo muitos critérios, ainda mais do que a heroína e a cocaína. Havia uma
razão para as pessoas “caminharem uma milha por um Camel”, como diziam os anúncios da década de 40. Já morreram
mais pessoas por causa do fumo do que em toda a Segunda Guerra Mundial. Segundo
a Organização Mundial de Saúde, o fumo mata 3 milhões de pessoas por ano em
todo o mundo. Esse número vai chegar a 10 milhões de mortes por ano em 2020 – em parte devido a uma grande campanha publicitária que pinta
o tabagismo como um hábito avançado e elegante para as jovens mulheres do mundo
em desenvolvimento. É em parte por causa da falta disseminada de conhecimento
sobre a detecção de mentiras, o pensamento crítico e o método científico que a
indústria de tabaco consegue ser o fornecedor bem-sucedido dessa mistura de
venenos que viciam. A credulidade mata.
1 Esse é um problema que afeta os júris. Estudos retrospectivos mostram
que alguns jurados tomam a sua decisão muito cedo – talvez durante a argumentação de abertura; depois guardam na memória as provas que
parecem sustentar suas impressões iniciais e rejeitam as contrárias. O método
das hipóteses eficazes alternativas não está em funcionamento nas suas cabeças.
2 Uma
formulação mais cínica feita pelo historiador romano Políbio: “Como as massas são inconstantes, presas de desejos rebeldes, apaixonadas
e sem temor pelas consequências, é preciso incutir-lhes medo para que se
mantenham em ordem. Por isso, os antigos fizeram muito bem ao inventar os
deuses e a crença no castigo depois da morte”.
3 Meu exemplo favorito é a história que se conta sobre
o físico italiano Enrico Fermi, recém-chegado às praias norte-americanas,
membro do Projeto Manhattan de armas nucleares, e tendo de se defrontar com
chefes-de-esquadra norte-americanos no meio da Segunda Guerra Mundial.
– Fulano de tal é um grande general disseram-lhe.
– Qual é a definição de um grande general? perguntou Fermi na sua maneira característica.
–Acho que é um general que ganhou muitas batalhas
consecutivas.
– Quantas?
Depois de alguma hesitação, decidiram-se por cinco.
– Quantos dos generais norte-americanos são grandes
generais?
Depois de mais alguma hesitação, decidiram-se por uma
pequena porcentagem.
– Mas imaginem – replicou
Fermi – que não exista isso que vocês chamam de
grande general, que todos os exércitos tenham forças iguais, e que vencer uma
batalha seja uma simples questão de sorte. Nesse caso, a probabilidade de
vencer uma batalha é de uma em duas, ou 1/2; duas batalhas, 1/4; três, 1/8;
quatro, 1/16; e cinco batalhas consecutivas, 1/32 o que é mais ou menos 3%. Vocês esperam
que uma pequena porcentagem dos generais norte-americanos ganhe cinco batalhas
consecutivas por uma simples questão de sorte. Agora, algum deles
já ganhou dez batalhas consecutivas...?
SAGAN, Carl. O mundo assombrado pelos demônios: a ciência vista como uma vela no escuro.
São Paulo: Companhia das Letras, 1996. Cap. 12 – A arte refina de detectar mentiras
São Paulo: Companhia das Letras, 1996. Cap. 12 – A arte refina de detectar mentiras
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