Retirado do Livro “Bilhões e bilhões”, de Carl
Sagan
Segundo o modo como ouvi pela primeira vez a
história, aconteceu na Pérsia antiga.
Mas podia ter sido na Índia ou até na China. De
qualquer forma, aconteceu há muito tempo. O grão-vizir, o principal conselheiro
do rei, tinha inventado um novo jogo. Era jogado com peças móveis sobre um
tabuleiro quadrado que consistia em 64 quadrados vermelhos e pretos. A peça
mais importante era o rei. A segunda peça mais importante era o grão-vizir
exatamente o que se esperaria de um jogo inventado por um grão-vizir. O
objetivo era capturar o rei inimigo, e por isso o jogo era chamado, em persa,
shahmat-shah para rei. Mat para morto. Morte ao rei. Em russo é ainda chamado
shukhnwt. Expressão que talvez transmita um remanescente sentimento revolucionário.
Até em inglês há um eco desse nome - o lance final é chamado "checkmate” (xeque-mate).
O jogo, claro, é o xadrez. Ao longo do tempo, as peças, seus movimentos as regras
do jogo, tudo evoluiu. Por exemplo já não existe um grão-vizir - que se
metamorfoseou numa rainha, com poderes muito mais terríveis. 19 A razão de um
rei se deliciar com a invenção de um jogo chamado "Morte ao Rei" é um
mistério. Mas reza a história que ele ficou tão encantado que mandou o
grão-vizir determinar sua própria recompensa por ter criado uma invenção tão
magnífica. O grão-vizir tinha a resposta na ponta da língua: era um homem
modesto, disse ao xá. Desejava apenas uma recompensa simples. Apontando as oito
colunas e as oito filas de quadrados no tabuleiro que tinha inventado, pediu
que lhe fosse dado um único grão de trigo no primeiro quadrado, o dobro dessa
quantia no segundo, o dobro dessa quantia no terceiro e assim por diante, até
que cada quadrado tivesse o seu complemento de trigo. Não, pro- testou o rei,
era uma recompensa demasiado modesta para uma invenção tão importante. Ofereceu
jóias, dançarinas, palácios. Mas o grão-vizir, com os olhos apropriadamente
baixos, recusou todas as ofertas. Só desejava pequenos montes de trigo. Assim,
admirando-se secretamente da humildade e comedimento de seu conselheiro, o rei
consentiu. No entanto, quando o mestre do Celeiro Real começou a contar os
grãos, o rei se viu diante de uma surpresa desagradável. O número de grãos começa
bem pequeno: 1, 2, 4, 8, 16, 32, 64, 128, 256, 5 12, 1024... mas quando se
chega ao 64`= quadrado, o número se toma colossal, esmagador. Na realidade, o
número é (veja quadro na página 29) quase 18,5 quintilhões. Talvez o grão-vizir
estivesse fazendo uma dieta rica em fibras. Quanto pesa 18,5 quintilhões de
grãos de trigo? Se cada grão tivesse o tamanho de um milímetro, todos os grãos
juntos pesariam cerca de 75 bilhões de toneladas métricas, o que é muito mais
do que poderia ser armazenado nos celeiros do xá. Na verdade, esse número
equivale cerca de 150 anos da produção de trigo mundial no presente.
O relato do que aconteceu a seguir não chegou até
nós. Se o rei, inadimplente, culpando-se pela falta de atenção nos seus estudos
de aritmética, entregou o reino ao vizir, ou se o último experimentou as
aflições de um novo jogo chamado vizi er mat, não temos o privilégio de saber.
A história do Tabuleiro de Xadrez Persa pode ser
apenas uma fábula. Mas os persas e indianos antigos foram brilhantes pioneiros
na matemática e conheciam muito bem os enormes números resultantes, quando se
continua a dobrar os valores. Se o xadrez tivesse sido inventado com cem ( 10 x
10) quadrados em vez de 64 (8 x 8), a dívida resultante em grãos de trigo teria
pesado o mesmo que a Terra. Uma sequencia de números desse tipo, quando cada número
é um múltiplo fixo do anterior, é chamada progressão geométrica, e o processo
se chama aumento exponencial. As exponenciais aparecem em todo tipo de áreas
importantes, familiares e não familiares - por exemplo, no juro composto. Se,
por exemplo, um antepassado seu tivesse depositado dez dólares no banco para
você há duzentos anos, isto é, logo depois da Revolução Americana, e o depósito
acumulasse um juro anual constante de 5%, a essa altura o dinheiro valeria dez
dólares x ( 1,05)z°°, isto é, 172 925,81 dólares. Mas poucos antepassados são
tão solícitos quanto à fortuna de seus descendentes remotos, e dez dó1 ares era
muito dinheiro naqueles dias. [( 1,05)2°~ significa simplesmente 1 ,05 multiplicado
por si mesmo duzentas vezes.) Se o antepassado tivesse conseguido uma taxa de 6%,
você teria agora um milhão de dólares; a uma taxa de 7%, mais de 7,5 milhões; e
a uma taxa extorsiva de 10°~0, a soma considerável de 1,9 bilhão. Vale o mesmo
para a inflação. Se a taxa é de 5% ao ano, um dólar vale 0,95 centavos depois
de um ano; (0,95)Z =0,91 centavos depois de dois anos; 0,61 depois de dez anos;
0,37 depois de vinte; e assim por diante. É uma questão muito prática para os
aposentados que recebem pensões equivalentes a um número fixo de dólares por
ano sem reajuste da inflação. A circunstância mais comum em que ocorrem repetidas
duplicações, e portanto crescimento exponencial, é na reprodução biológica.
Vamos considerar primeiro o simples caso de uma bactéria que se reproduz
dividindo-se em duas.
Depois de certo tempo, cada uma das duas bactérias
filhas também se divide. Desde que exista bastante alimento e não haja nenhum
veneno no ambiente, a colônia de bactérias vai crescer exponencialmente.
Em circunstâncias muito favoráveis, pode haver uma
duplicação a cada quinze minutos aproximadamente. Isso significa quatro
duplicações numa hora e 96 duplicações num dia. Embora uma bactéria só pese
aproximadamente um trilionésimo de grama, as suas descendentes, depois de um
dia de selvagem abandono sexual, vão pesar coletivamente o mesmo que uma
montanha; em pouco mais que um dia e meio, o mesmo que a Terra; em dois dias,
mais que o Sol... Em breve tudo no universo será composto de bactérias. Não é
uma perspectiva muito agradável, e felizmente nunca acontece. Por que não?
Porque o crescimento exponencial desse tipo sempre bate em algum obstáculo
natural. Os micróbios ficam sem alimento, ou se envenenam mutuamente, ou têm
vergonha de se reproduzir quando não têm privacidade. As exponenciais não podem
continuar para sempre, porque vão engolir tudo. Muito antes disso, encontram
algum impedimento. A curva exponencial se horizontaliza. Essa é uma distinção
muito importante no que diz respeito à epidemia da AIDS. No momento, em muitos
países o número de pessoas com sintomas de AIDS está crescendo exponencialmente.
O tempo de duplicação é mais ou menos de um ano. Isto é, a cada ano há duas
vezes mais casos de AIDS do que havia no ano anterior. Essa doença já nos
cobrou um tributo desastroso em mortes.
Se fosse continuar exponencialmente, seria uma
catástrofe sem precedentes. Em dez anos, haveria mil vezes mais casos de AIDS,
e em vinte anos, um milhão de vezes mais. Mas um milhão de vezes o número de pessoas
que já contraíram AIDS é muito mais que o número de pessoas sobre a Terra. Se
não houvesse impedimentos naturais à duplicação contínua da AIDS a cada ano e a
doença fosse invariavelmente fatal (e não se encontrasse a cura), todo mundo
sobre a Terra morreria de AIDS, e muito em breve. No entanto, algumas pessoas parecem
ser naturalmente imunes à AIDS. Além disso, segundo o Centro de Notificação de Doenças
do Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos, no início a duplicação nos Estados
Unidos estava restrita, quase em sua totalidade, a grupos vulneráveis,
sexualmente bem isolados do resto da população - em especial homossexuais
masculinos, hemofílicos e usuários de drogas intravenosas. Se não se encontrar
a cura para a AIDS, a maioria dos usuários de drogas intravenosas que partilham
agulhas hipodérmicas vai morrer- nem todos, porque há uma pequena porcentagem
de pessoas que são resistentes por natureza, mas vamos dizer quase todos. O
mesmo vale para os homossexuais masculinos que têm muitos parceiros e não se
previnem ao fazer sexo - mas não vale para os que usam preservativos adequadamente,
para os que têm relações monógamas de longo prazo e, mais uma vez, para a pequena
fração dos que possuem natureza resistente.
Casais heterossexuais com relações monógamas
duradouras desde o início dos anos 80, ou que têm o cuidado de prevenir-se ao
praticar sexo e não partilham agulhas - e são muitos - estão essencialmente a
salvo da AIDS. Depois que as curvas dos grupos demográficos de maior risco se
horizontalizarem, outros grupos vão tomar o seu lugar – hoje em dia, nos
Estados Unidos parecem ser os heterossexuais jovens que veem a prudência ser dominada
pela paixão e se dedicam a práticas sexuais pouco seguras. Muitos deles vão morrer,
alguns terão sorte, outros são naturalmente imunes ou abstermos, e serão substituídos
por outro grupo de maior risco - talvez a próxima geração de homossexuais
masculinos.
Espera-se que, por fim. A curva exponencial se
horizontalize para todos nós, depois de ter matado muito menos gente do que
todo o mundo sobre a Terra. (Pequeno consolo para as muitas vítimas da doença e
seus entes queridos.) As exponenciais também constituem a ideia central por
trás da crise da população mundial. Durante a maior parte da existência humana
sobre a Terra, a população era estável, com os nascimentos e as mortes quase em
equilíbrio. Essa situação é chamada "estado estacionário". Depois da
invenção da agricultura - incluindo o plantio e a colheita daqueles grãos de
trigo que o grão-vizir tanto desejava a população humana deste planeta começou
a aumentar, entrando numa fase exponencial, que está muito longe do estado
estacionário. No presente, o tempo de duplicação da população mundial é de
cerca de quarenta anos.
A cada quarenta anos haverá o dobro de seres
humanos. Como o clérigo inglês Thomas Malthus apontou em 1798, uma população
que cresce exponencialmente - Malthus a descreveu como uma progressão
geométrica vai superar qualquer aumento concebível de alimentos. Nenhuma
Revolução Verde, nenhum cultivo de plantas fora do solo, nenhum método que faça
os desertos florescerem, nada disso poderá dar conta de um crescimento populacional
exponencial. Não há tampouco solução extraterrestre para esse problema. Atualmente,
há mais 240 000 seres humanos nascendo do que morrendo a cada dia. Estamos muito
longe de poder enviar 240000 pessoas para o espaço a cada dia. Nenhuma colônia
na órbita da Terra, na Lua ou em outros planetas pode provocar uma diminuição
perceptível da explosão da população. Mesmo que fosse possível enviar todo o
mundo sobre a Terra para planetas de estrelas distantes em naves que viajassem
a uma velocidade maior que a da luz, quase nada mudaria - todos os planetas
habitáveis na galáxia da Via Láctea estariam lotados em aproximadamente um
milênio. A menos que diminuamos nossa taxa de reprodução. Nunca subestime uma
exponencial. O crescimento da população da Terra ao longo do tempo é mostrado
na figura seguinte. Estamos claramente numa (ou prestes a sair de uma) fase de crescimento
exponencial elevado. Mas muitos países - os Estados Unidos, a Rússia e a China,
por exemplo, alcançaram ou estão prestes a alcançar uma situação em que parou o
seu crescimento populacional, chegando perto de um estado estacionário.
Isso é tamanho - 24 aproximação otimista do _ RTAnn
FTarTnTri ------- (Crescimento Populacional Zero) / / 10-.. , crescimento da
população • mundial f como foi que crescemos. (U- l C . _O eixo vertical mostra
o número de humanos sobre a Terra; o eixo - horizontal indica o tempo desde
4000 = a.C. Chegamos a 1 bilhão de pessoas (em 1800, e agora estamos perto de 6
1 AGORA bilhões. Em parte, agora ajudando a eliminar a pobreza esmagadora em
todo o mundo, podemos parar o | crescimento exponencial em algum ( momento no
próximo século. -3000-2000-1000O 1000 2000 Tempo (Anos) bem chamado de
crescimento populacional zero (ZPG). Ainda assim, como as exponenciais são tão
poderosas, se até uma pequena fração da comunidade humana continua por algum
tempo a se reproduzir de forma exponencial, a situação continua essencialmente
a mesma - a população mundial cresce de forma exponencial, mesmo que muitas
nações estejam numa fase de ZPG. Há uma correlação bem documentada em todo o
mundo entre a pobreza e as altas taxas de natalidade. Em países pequenos e
grandes, capitalistas e comunistas, católicos e muçulmanos, ocidentais e
orientais - em quase todos esses casos, o crescimento exponencial da população
diminui ou cessa quando desaparece a pobreza esmagadora. A isso se dá o nome de
transição demográfica. A longo prazo, é do maior interesse da espécie humana
que todo lugar na Terra atinja essa transição demográfica.
É por isso que ajudar outros países a se tomarem
auto-suficientes não é apenas um ato elementar de decência humana, mas é também
do interesse daquelas nações mais ricas que podem ajudar. Uma das questões
centrais na crise da população mundial é a pobreza. As exceções à transição
demográfica são interessantes. Algumas nações com altas rendas per capita ainda
têm altas taxas de natalidade. Mas nelas não existem anticoncepcionais à disposição,
e/ou as mulheres não têm poder político efetivo. Não é difícil compreender a conexão.
Atualmente, há cerca de 6 bilhões de humanos. Em quarenta anos, se o tempo de duplicação
continuar constante, haverá 12 bilhões; em oitenta anos, 24 bilhões; em 120
anos, 48 bilhões... Mas poucos acreditam que a Terra possa suportar tanta
gente. Devido ao poder desse aumento exponencial, tratar da pobreza mundial
agora será muito mais barato e muito mais humanitário, ao que parece, do que
quaisquer soluções que nos serão propostas daqui a muitas décadas. Nossa tarefa
é provocar uma transição demográfica em todo o mundo e horizontalizar aquela
curva exponencial - eliminando a pobreza esmagadora, tomando amplamente
disponíveis métodos seguros e eficazes de controle da natalidade e estendendo o
poder político real (executivo, legislativo, judiciário, militar, e em
instituições que influenciam a opinião pública) às mulheres. Se falharmos,
algum outro processo, muito menos sujeito ao nosso controle, fará a tarefa por
nós. Por falar nisso... Em Londres, em setembro de 1933, o físico húngaro
emigrado Leo Szilard foi quem pela primeira vez imaginou a fissão nuclear. Ele
andara conjeturando se os experimentos humanos não poderiam liberar as vastas
energias escondidas no núcleo do átomo. Perguntava-se o que aconteceria se um
nêutron fosse disparado contra um núcleo atômico. (Como não tem carga elétrica,
o nêutron nau seria eletricamente repelido pelos prótons no núcleo e colidiria diretamente
com o núcleo.) Enquanto esperava que o sinal de tráfego mudasse num cruzamento
em Southampton Row. Szilard começou a pensar que talvez houvesse alguma
substância, algum elemento químico, que cuspisse para fora dois nêutrons,
quando fosse atingido por um nêutron. Cada um desses nêutrons poderia ejetar
mais nêutrons, e então, de repente apareceu na mente de Szilard a visão de uma
reação nuclear em cadeia, 26 com nêutrons sendo produzidos exponencialmente e
átomos caindo aos pedaços à direita e à esquerda. Naquela noite, em seu pequeno
quarto no Strand Palace Hotel, ele calculou que somente alguns quilos de
matéria, se submetidos a uma controlada reação em cadeia de nêutrons, poderiam
liberar energia suficiente para suprir as necessidades de uma pequena cidade
durante um ano... ou, se a energia fosse liberada de súbito, o suficiente para
destruir completamente aquela cidadezinha. Szilard acabou emigrando para os
Estados Unidos e começou uma pesquisa sistemática de todos os elementos
químicos, para ver se algum produzia mais nêutrons além daqueles que colidiam
com ele.
O urânio parecia um candidato promissor. Szilard
convenceu Albert Einstein a escrever sua famosa carta ao presidente Roosevelt,
pressionando os Estados Unidos a construírem a bomba atômica. Szilard
desempenhou um papel importante na primeira reação em cadeia com urânio,
realizada em Chicago em 1942, que na verdade levou à bomba atômica.
Passou o resto da sua vida alertando sobre os
perigos da arma que fora o primeiro a conceber. Tinha descoberto, ainda que de
forma diferente, o poder terrível das exponenciais. Todo o mundo tem dois pais,
quatro avós, oito bisavós, dezesseis trisavôs etc. A cada geração que
retrocedemos, temos duas vezes mais antepassados em linha direta. Pode-se ver
que é um problema muito semelhante ao do Tabuleiro de Xadrez Persa. Se cada
geração tem, vamos dizer, 25 anos, 64 gerações atrás equivalem a 64 x 25 = 1600
anos atrás, isto é, pouco antes da queda do Império Romano. Assim (veja o
quadro), cada um de nós que está vivo hoje tinha, no ano 400, uns 18,5
quintilhões de ancestrais - ou é o que parece. E isso sem falar dos parentes
colaterais. Mas é muito mais que a população da Terra, então ou agora; é muito
mais que o número total de seres humanos que já viveram. Alguma coisa está
errada com o nosso cálculo. O quê?
Bem, supusemos que todos esses ancestrais em linha
direta fossem pessoas diferentes. Mas, claro, não é o caso. O mesmo ancestral
está relacionado conosco por muitas linhas diferentes. Somos repetida e
multiplamente ligados a cada um de nossos parentes – um imenso número de vezes
no caso dos parentes mais distantes. Algo parecido vale para toda a população
humana. Se retrocedermos o bastante, quaisquer duas pessoas sobre a Terra têm um
ancestral comum. Sempre que um novo presidente americano é eleito, é quase
certo que alguém - geralmente na Inglaterra descubra que o novo presidente tem
um certo parentesco com a rainha ou o rei da Inglaterra. E uma forma de
supostamente unir os povos de língua inglesa. Quando duas pessoas provêm da
mesma nação ou cultura, ou do mesmo pequeno canto do mundo, e suas genealogias
estão bem registradas, é provável que o último antepassado comum seja
descoberto.
Mas, descobertas ou não, as relações são claras.
Somos todos primos todo o mundo sobre a Terra. Outra manifestação comum das
exponenciais é a ideia da meia-vida. Um elemento radioativo "pai" -
plutônio ou rádio - se desintegra, formando um outro elemento "filho",
talvez mais seguro, mas isso não se dá de repente. Ele se desintegra
estatisticamente. Há um certo tempo em que metade do elemento se desintegrou, e
esse é chamado de sua meia-vida. A metade do que resta se desintegra, formando
outra meia-vida, e metade do restante forma ainda outra meia-vida, e assim por
diante. Por exemplo, se a meia-vida fosse de um ano, metade se desintegraria
num ano, metade da metade ou tudo menos um quarto desapareceria em dois anos,
tudo menos um oitavo em três anos, tudo menos um milésimo em dez anos etc.
Elementos diferentes têm meias vidas diferentes. A meia-vida é uma ideia importante
quando se tenta decidir o que fazer com o lixo radioativo das usinas nucleares
ou quando se pensa sobre a precipitação radioativa na guerra nuclear.
Representa uma desintegração exponencial, assim como o Tabuleiro de Xadrez
Persa representa um aumento exponencial. A desintegração radioativa é um método
importante para datar o passado. Se conseguimos medir numa amostra a quantidade
do material radioativo pai e a quantidade do produto de desintegração filho,
podemos determinar há quanto tempo a amostra existe. Foi assim que descobrimos
que o assim chamado Sudário de Turim não é a mortalha de Jesus, mas uma fraude
piedosa do século XIV (quando foi denunciada pelas autoridades da Igreja); que
os humanos faziam acampamentos ao redor do fogo há milhões de anos; que os
fósseis mais antigos da vida sobre a Terra têm pelo menos 3,5 bilhões de anos;
e que a própria Terra tem 4,6 bilhões de anos. O cosmos claro, ainda tem muitos
outros 28 bilhões de anos. Quando compreendemos as exponenciais, a chave para
muitos dos segredos do universo está em nossas mãos. Se conhecemos um objeto
apenas qualitativamente, nós o conhecemos apenas de maneira vaga. Se o
conhecemos quantitativamente - entendendo alguma medida numérica que o
distingue de um número infinito de outras possibilidades -, começamos a
conhecê-lo profundamente. Percebemos parte da sua beleza e temos acesso ao seu
poder e à compreensão que ele propicia. Ter medo da quantificação equivale a
renunciar aos nossos direitos civis, abrindo mão de uma das esperanças mais
potentes de compreender e transformar o mundo. O CALCULO QUE O REI DEVIA TER
SOLICITADO AO SEU VIZIR \ Não se apavore. É muito fácil. Queremos calcular
quantos grãos de trigo havia sobre todo o Tabuleiro de Xadrez Persa. Um cálculo
elegante (e perfeitamente exato) é o seguinte: O expoente simplesmente indica
quantas vezes multiplicamos 2 por si mesmo. 22 = 4. 24 = 16. 210 1024, e assim
por diante. Vamos chamar de S o número total de grãos no tabuleiro de xadrez,
desde o 1, no primeiro quadrado, até o 263 no 64" quadrado. Depois,
simplesmente, Duplicando ambos os lados dessa equação, encontramos 25= 2 + 22 +
23 + 24 + ... + 263 + 264 Subtraindo a primeira equação da segunda, obtemos
2S-S=S=264-, que é a resposta exata. Quanto é isso aproximadamente, em notação
decimal comum? 210 é quase 1000, ou IO3 (dentro de uma margem de 2,4%).Assim, =
(20)2 = aproximadamente (IO3)2 = IO6, que é 10 multiplicado por si mesmo seis
vezes, ou 1 milhão. Da mesma forma, damcntedO3) O8. Assim, 2= 24 x
aproximadamente 16x IO. ou 16 seguido por 18 zeros que são 16 quintilhões de
grãos. Um cálculo mais preciso produz a resposta de 18,6 quintilhões de grãos.
SAGAN, Carl. Bilhões e bilhões na virada do milênio. 1ª Ed.
Schwarcz Ltda., 1997.
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