quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Ode ao ceticismo V - O tabuleiro de xadrez persa


Os jogadores de xadrez - Honoré Daumier
O TABULEIRO DE XADREZ PERSA


Retirado do Livro “Bilhões e bilhões”, de Carl Sagan

Segundo o modo como ouvi pela primeira vez a história, aconteceu na Pérsia antiga.
Mas podia ter sido na Índia ou até na China. De qualquer forma, aconteceu há muito tempo. O grão-vizir, o principal conselheiro do rei, tinha inventado um novo jogo. Era jogado com peças móveis sobre um tabuleiro quadrado que consistia em 64 quadrados vermelhos e pretos. A peça mais importante era o rei. A segunda peça mais importante era o grão-vizir exatamente o que se esperaria de um jogo inventado por um grão-vizir. O objetivo era capturar o rei inimigo, e por isso o jogo era chamado, em persa, shahmat-shah para rei. Mat para morto. Morte ao rei. Em russo é ainda chamado shukhnwt. Expressão que talvez transmita um remanescente sentimento revolucionário. Até em inglês há um eco desse nome - o lance final é chamado "checkmate” (xeque-mate). O jogo, claro, é o xadrez. Ao longo do tempo, as peças, seus movimentos as regras do jogo, tudo evoluiu. Por exemplo já não existe um grão-vizir - que se metamorfoseou numa rainha, com poderes muito mais terríveis. 19 A razão de um rei se deliciar com a invenção de um jogo chamado "Morte ao Rei" é um mistério. Mas reza a história que ele ficou tão encantado que mandou o grão-vizir determinar sua própria recompensa por ter criado uma invenção tão magnífica. O grão-vizir tinha a resposta na ponta da língua: era um homem modesto, disse ao xá. Desejava apenas uma recompensa simples. Apontando as oito colunas e as oito filas de quadrados no tabuleiro que tinha inventado, pediu que lhe fosse dado um único grão de trigo no primeiro quadrado, o dobro dessa quantia no segundo, o dobro dessa quantia no terceiro e assim por diante, até que cada quadrado tivesse o seu complemento de trigo. Não, pro- testou o rei, era uma recompensa demasiado modesta para uma invenção tão importante. Ofereceu jóias, dançarinas, palácios. Mas o grão-vizir, com os olhos apropriadamente baixos, recusou todas as ofertas. Só desejava pequenos montes de trigo. Assim, admirando-se secretamente da humildade e comedimento de seu conselheiro, o rei consentiu. No entanto, quando o mestre do Celeiro Real começou a contar os grãos, o rei se viu diante de uma surpresa desagradável. O número de grãos começa bem pequeno: 1, 2, 4, 8, 16, 32, 64, 128, 256, 5 12, 1024... mas quando se chega ao 64`= quadrado, o número se toma colossal, esmagador. Na realidade, o número é (veja quadro na página 29) quase 18,5 quintilhões. Talvez o grão-vizir estivesse fazendo uma dieta rica em fibras. Quanto pesa 18,5 quintilhões de grãos de trigo? Se cada grão tivesse o tamanho de um milímetro, todos os grãos juntos pesariam cerca de 75 bilhões de toneladas métricas, o que é muito mais do que poderia ser armazenado nos celeiros do xá. Na verdade, esse número equivale cerca de 150 anos da produção de trigo mundial no presente.
O relato do que aconteceu a seguir não chegou até nós. Se o rei, inadimplente, culpando-se pela falta de atenção nos seus estudos de aritmética, entregou o reino ao vizir, ou se o último experimentou as aflições de um novo jogo chamado vizi er mat, não temos o privilégio de saber.
A história do Tabuleiro de Xadrez Persa pode ser apenas uma fábula. Mas os persas e indianos antigos foram brilhantes pioneiros na matemática e conheciam muito bem os enormes números resultantes, quando se continua a dobrar os valores. Se o xadrez tivesse sido inventado com cem ( 10 x 10) quadrados em vez de 64 (8 x 8), a dívida resultante em grãos de trigo teria pesado o mesmo que a Terra. Uma sequencia de números desse tipo, quando cada número é um múltiplo fixo do anterior, é chamada progressão geométrica, e o processo se chama aumento exponencial. As exponenciais aparecem em todo tipo de áreas importantes, familiares e não familiares - por exemplo, no juro composto. Se, por exemplo, um antepassado seu tivesse depositado dez dólares no banco para você há duzentos anos, isto é, logo depois da Revolução Americana, e o depósito acumulasse um juro anual constante de 5%, a essa altura o dinheiro valeria dez dólares x ( 1,05)z°°, isto é, 172 925,81 dólares. Mas poucos antepassados são tão solícitos quanto à fortuna de seus descendentes remotos, e dez dó1 ares era muito dinheiro naqueles dias. [( 1,05)2°~ significa simplesmente 1 ,05 multiplicado por si mesmo duzentas vezes.) Se o antepassado tivesse conseguido uma taxa de 6%, você teria agora um milhão de dólares; a uma taxa de 7%, mais de 7,5 milhões; e a uma taxa extorsiva de 10°~0, a soma considerável de 1,9 bilhão. Vale o mesmo para a inflação. Se a taxa é de 5% ao ano, um dólar vale 0,95 centavos depois de um ano; (0,95)Z =0,91 centavos depois de dois anos; 0,61 depois de dez anos; 0,37 depois de vinte; e assim por diante. É uma questão muito prática para os aposentados que recebem pensões equivalentes a um número fixo de dólares por ano sem reajuste da inflação. A circunstância mais comum em que ocorrem repetidas duplicações, e portanto crescimento exponencial, é na reprodução biológica. Vamos considerar primeiro o simples caso de uma bactéria que se reproduz dividindo-se em duas.
Depois de certo tempo, cada uma das duas bactérias filhas também se divide. Desde que exista bastante alimento e não haja nenhum veneno no ambiente, a colônia de bactérias vai crescer exponencialmente.
Em circunstâncias muito favoráveis, pode haver uma duplicação a cada quinze minutos aproximadamente. Isso significa quatro duplicações numa hora e 96 duplicações num dia. Embora uma bactéria só pese aproximadamente um trilionésimo de grama, as suas descendentes, depois de um dia de selvagem abandono sexual, vão pesar coletivamente o mesmo que uma montanha; em pouco mais que um dia e meio, o mesmo que a Terra; em dois dias, mais que o Sol... Em breve tudo no universo será composto de bactérias. Não é uma perspectiva muito agradável, e felizmente nunca acontece. Por que não? Porque o crescimento exponencial desse tipo sempre bate em algum obstáculo natural. Os micróbios ficam sem alimento, ou se envenenam mutuamente, ou têm vergonha de se reproduzir quando não têm privacidade. As exponenciais não podem continuar para sempre, porque vão engolir tudo. Muito antes disso, encontram algum impedimento. A curva exponencial se horizontaliza. Essa é uma distinção muito importante no que diz respeito à epidemia da AIDS. No momento, em muitos países o número de pessoas com sintomas de AIDS está crescendo exponencialmente. O tempo de duplicação é mais ou menos de um ano. Isto é, a cada ano há duas vezes mais casos de AIDS do que havia no ano anterior. Essa doença já nos cobrou um tributo desastroso em mortes.
Se fosse continuar exponencialmente, seria uma catástrofe sem precedentes. Em dez anos, haveria mil vezes mais casos de AIDS, e em vinte anos, um milhão de vezes mais. Mas um milhão de vezes o número de pessoas que já contraíram AIDS é muito mais que o número de pessoas sobre a Terra. Se não houvesse impedimentos naturais à duplicação contínua da AIDS a cada ano e a doença fosse invariavelmente fatal (e não se encontrasse a cura), todo mundo sobre a Terra morreria de AIDS, e muito em breve. No entanto, algumas pessoas parecem ser naturalmente imunes à AIDS. Além disso, segundo o Centro de Notificação de Doenças do Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos, no início a duplicação nos Estados Unidos estava restrita, quase em sua totalidade, a grupos vulneráveis, sexualmente bem isolados do resto da população - em especial homossexuais masculinos, hemofílicos e usuários de drogas intravenosas. Se não se encontrar a cura para a AIDS, a maioria dos usuários de drogas intravenosas que partilham agulhas hipodérmicas vai morrer- nem todos, porque há uma pequena porcentagem de pessoas que são resistentes por natureza, mas vamos dizer quase todos. O mesmo vale para os homossexuais masculinos que têm muitos parceiros e não se previnem ao fazer sexo - mas não vale para os que usam preservativos adequadamente, para os que têm relações monógamas de longo prazo e, mais uma vez, para a pequena fração dos que possuem natureza resistente.
Casais heterossexuais com relações monógamas duradouras desde o início dos anos 80, ou que têm o cuidado de prevenir-se ao praticar sexo e não partilham agulhas - e são muitos - estão essencialmente a salvo da AIDS. Depois que as curvas dos grupos demográficos de maior risco se horizontalizarem, outros grupos vão tomar o seu lugar – hoje em dia, nos Estados Unidos parecem ser os heterossexuais jovens que veem a prudência ser dominada pela paixão e se dedicam a práticas sexuais pouco seguras. Muitos deles vão morrer, alguns terão sorte, outros são naturalmente imunes ou abstermos, e serão substituídos por outro grupo de maior risco - talvez a próxima geração de homossexuais masculinos.
Espera-se que, por fim. A curva exponencial se horizontalize para todos nós, depois de ter matado muito menos gente do que todo o mundo sobre a Terra. (Pequeno consolo para as muitas vítimas da doença e seus entes queridos.) As exponenciais também constituem a ideia central por trás da crise da população mundial. Durante a maior parte da existência humana sobre a Terra, a população era estável, com os nascimentos e as mortes quase em equilíbrio. Essa situação é chamada "estado estacionário". Depois da invenção da agricultura - incluindo o plantio e a colheita daqueles grãos de trigo que o grão-vizir tanto desejava a população humana deste planeta começou a aumentar, entrando numa fase exponencial, que está muito longe do estado estacionário. No presente, o tempo de duplicação da população mundial é de cerca de quarenta anos.
A cada quarenta anos haverá o dobro de seres humanos. Como o clérigo inglês Thomas Malthus apontou em 1798, uma população que cresce exponencialmente - Malthus a descreveu como uma progressão geométrica vai superar qualquer aumento concebível de alimentos. Nenhuma Revolução Verde, nenhum cultivo de plantas fora do solo, nenhum método que faça os desertos florescerem, nada disso poderá dar conta de um crescimento populacional exponencial. Não há tampouco solução extraterrestre para esse problema. Atualmente, há mais 240 000 seres humanos nascendo do que morrendo a cada dia. Estamos muito longe de poder enviar 240000 pessoas para o espaço a cada dia. Nenhuma colônia na órbita da Terra, na Lua ou em outros planetas pode provocar uma diminuição perceptível da explosão da população. Mesmo que fosse possível enviar todo o mundo sobre a Terra para planetas de estrelas distantes em naves que viajassem a uma velocidade maior que a da luz, quase nada mudaria - todos os planetas habitáveis na galáxia da Via Láctea estariam lotados em aproximadamente um milênio. A menos que diminuamos nossa taxa de reprodução. Nunca subestime uma exponencial. O crescimento da população da Terra ao longo do tempo é mostrado na figura seguinte. Estamos claramente numa (ou prestes a sair de uma) fase de crescimento exponencial elevado. Mas muitos países - os Estados Unidos, a Rússia e a China, por exemplo, alcançaram ou estão prestes a alcançar uma situação em que parou o seu crescimento populacional, chegando perto de um estado estacionário.
Isso é tamanho - 24 aproximação otimista do _ RTAnn FTarTnTri ------- (Crescimento Populacional Zero) / / 10-.. , crescimento da população • mundial f como foi que crescemos. (U- l C . _O eixo vertical mostra o número de humanos sobre a Terra; o eixo - horizontal indica o tempo desde 4000 = a.C. Chegamos a 1 bilhão de pessoas (em 1800, e agora estamos perto de 6 1 AGORA bilhões. Em parte, agora ajudando a eliminar a pobreza esmagadora em todo o mundo, podemos parar o | crescimento exponencial em algum ( momento no próximo século. -3000-2000-1000O 1000 2000 Tempo (Anos) bem chamado de crescimento populacional zero (ZPG). Ainda assim, como as exponenciais são tão poderosas, se até uma pequena fração da comunidade humana continua por algum tempo a se reproduzir de forma exponencial, a situação continua essencialmente a mesma - a população mundial cresce de forma exponencial, mesmo que muitas nações estejam numa fase de ZPG. Há uma correlação bem documentada em todo o mundo entre a pobreza e as altas taxas de natalidade. Em países pequenos e grandes, capitalistas e comunistas, católicos e muçulmanos, ocidentais e orientais - em quase todos esses casos, o crescimento exponencial da população diminui ou cessa quando desaparece a pobreza esmagadora. A isso se dá o nome de transição demográfica. A longo prazo, é do maior interesse da espécie humana que todo lugar na Terra atinja essa transição demográfica.
É por isso que ajudar outros países a se tomarem auto-suficientes não é apenas um ato elementar de decência humana, mas é também do interesse daquelas nações mais ricas que podem ajudar. Uma das questões centrais na crise da população mundial é a pobreza. As exceções à transição demográfica são interessantes. Algumas nações com altas rendas per capita ainda têm altas taxas de natalidade. Mas nelas não existem anticoncepcionais à disposição, e/ou as mulheres não têm poder político efetivo. Não é difícil compreender a conexão. Atualmente, há cerca de 6 bilhões de humanos. Em quarenta anos, se o tempo de duplicação continuar constante, haverá 12 bilhões; em oitenta anos, 24 bilhões; em 120 anos, 48 bilhões... Mas poucos acreditam que a Terra possa suportar tanta gente. Devido ao poder desse aumento exponencial, tratar da pobreza mundial agora será muito mais barato e muito mais humanitário, ao que parece, do que quaisquer soluções que nos serão propostas daqui a muitas décadas. Nossa tarefa é provocar uma transição demográfica em todo o mundo e horizontalizar aquela curva exponencial - eliminando a pobreza esmagadora, tomando amplamente disponíveis métodos seguros e eficazes de controle da natalidade e estendendo o poder político real (executivo, legislativo, judiciário, militar, e em instituições que influenciam a opinião pública) às mulheres. Se falharmos, algum outro processo, muito menos sujeito ao nosso controle, fará a tarefa por nós. Por falar nisso... Em Londres, em setembro de 1933, o físico húngaro emigrado Leo Szilard foi quem pela primeira vez imaginou a fissão nuclear. Ele andara conjeturando se os experimentos humanos não poderiam liberar as vastas energias escondidas no núcleo do átomo. Perguntava-se o que aconteceria se um nêutron fosse disparado contra um núcleo atômico. (Como não tem carga elétrica, o nêutron nau seria eletricamente repelido pelos prótons no núcleo e colidiria diretamente com o núcleo.) Enquanto esperava que o sinal de tráfego mudasse num cruzamento em Southampton Row. Szilard começou a pensar que talvez houvesse alguma substância, algum elemento químico, que cuspisse para fora dois nêutrons, quando fosse atingido por um nêutron. Cada um desses nêutrons poderia ejetar mais nêutrons, e então, de repente apareceu na mente de Szilard a visão de uma reação nuclear em cadeia, 26 com nêutrons sendo produzidos exponencialmente e átomos caindo aos pedaços à direita e à esquerda. Naquela noite, em seu pequeno quarto no Strand Palace Hotel, ele calculou que somente alguns quilos de matéria, se submetidos a uma controlada reação em cadeia de nêutrons, poderiam liberar energia suficiente para suprir as necessidades de uma pequena cidade durante um ano... ou, se a energia fosse liberada de súbito, o suficiente para destruir completamente aquela cidadezinha. Szilard acabou emigrando para os Estados Unidos e começou uma pesquisa sistemática de todos os elementos químicos, para ver se algum produzia mais nêutrons além daqueles que colidiam com ele.
O urânio parecia um candidato promissor. Szilard convenceu Albert Einstein a escrever sua famosa carta ao presidente Roosevelt, pressionando os Estados Unidos a construírem a bomba atômica. Szilard desempenhou um papel importante na primeira reação em cadeia com urânio, realizada em Chicago em 1942, que na verdade levou à bomba atômica.
Passou o resto da sua vida alertando sobre os perigos da arma que fora o primeiro a conceber. Tinha descoberto, ainda que de forma diferente, o poder terrível das exponenciais. Todo o mundo tem dois pais, quatro avós, oito bisavós, dezesseis trisavôs etc. A cada geração que retrocedemos, temos duas vezes mais antepassados em linha direta. Pode-se ver que é um problema muito semelhante ao do Tabuleiro de Xadrez Persa. Se cada geração tem, vamos dizer, 25 anos, 64 gerações atrás equivalem a 64 x 25 = 1600 anos atrás, isto é, pouco antes da queda do Império Romano. Assim (veja o quadro), cada um de nós que está vivo hoje tinha, no ano 400, uns 18,5 quintilhões de ancestrais - ou é o que parece. E isso sem falar dos parentes colaterais. Mas é muito mais que a população da Terra, então ou agora; é muito mais que o número total de seres humanos que já viveram. Alguma coisa está errada com o nosso cálculo. O quê?
Bem, supusemos que todos esses ancestrais em linha direta fossem pessoas diferentes. Mas, claro, não é o caso. O mesmo ancestral está relacionado conosco por muitas linhas diferentes. Somos repetida e multiplamente ligados a cada um de nossos parentes – um imenso número de vezes no caso dos parentes mais distantes. Algo parecido vale para toda a população humana. Se retrocedermos o bastante, quaisquer duas pessoas sobre a Terra têm um ancestral comum. Sempre que um novo presidente americano é eleito, é quase certo que alguém - geralmente na Inglaterra descubra que o novo presidente tem um certo parentesco com a rainha ou o rei da Inglaterra. E uma forma de supostamente unir os povos de língua inglesa. Quando duas pessoas provêm da mesma nação ou cultura, ou do mesmo pequeno canto do mundo, e suas genealogias estão bem registradas, é provável que o último antepassado comum seja descoberto.
Mas, descobertas ou não, as relações são claras. Somos todos primos todo o mundo sobre a Terra. Outra manifestação comum das exponenciais é a ideia da meia-vida. Um elemento radioativo "pai" - plutônio ou rádio - se desintegra, formando um outro elemento "filho", talvez mais seguro, mas isso não se dá de repente. Ele se desintegra estatisticamente. Há um certo tempo em que metade do elemento se desintegrou, e esse é chamado de sua meia-vida. A metade do que resta se desintegra, formando outra meia-vida, e metade do restante forma ainda outra meia-vida, e assim por diante. Por exemplo, se a meia-vida fosse de um ano, metade se desintegraria num ano, metade da metade ou tudo menos um quarto desapareceria em dois anos, tudo menos um oitavo em três anos, tudo menos um milésimo em dez anos etc. Elementos diferentes têm meias vidas diferentes. A meia-vida é uma ideia importante quando se tenta decidir o que fazer com o lixo radioativo das usinas nucleares ou quando se pensa sobre a precipitação radioativa na guerra nuclear. Representa uma desintegração exponencial, assim como o Tabuleiro de Xadrez Persa representa um aumento exponencial. A desintegração radioativa é um método importante para datar o passado. Se conseguimos medir numa amostra a quantidade do material radioativo pai e a quantidade do produto de desintegração filho, podemos determinar há quanto tempo a amostra existe. Foi assim que descobrimos que o assim chamado Sudário de Turim não é a mortalha de Jesus, mas uma fraude piedosa do século XIV (quando foi denunciada pelas autoridades da Igreja); que os humanos faziam acampamentos ao redor do fogo há milhões de anos; que os fósseis mais antigos da vida sobre a Terra têm pelo menos 3,5 bilhões de anos; e que a própria Terra tem 4,6 bilhões de anos. O cosmos claro, ainda tem muitos outros 28 bilhões de anos. Quando compreendemos as exponenciais, a chave para muitos dos segredos do universo está em nossas mãos. Se conhecemos um objeto apenas qualitativamente, nós o conhecemos apenas de maneira vaga. Se o conhecemos quantitativamente - entendendo alguma medida numérica que o distingue de um número infinito de outras possibilidades -, começamos a conhecê-lo profundamente. Percebemos parte da sua beleza e temos acesso ao seu poder e à compreensão que ele propicia. Ter medo da quantificação equivale a renunciar aos nossos direitos civis, abrindo mão de uma das esperanças mais potentes de compreender e transformar o mundo. O CALCULO QUE O REI DEVIA TER SOLICITADO AO SEU VIZIR \ Não se apavore. É muito fácil. Queremos calcular quantos grãos de trigo havia sobre todo o Tabuleiro de Xadrez Persa. Um cálculo elegante (e perfeitamente exato) é o seguinte: O expoente simplesmente indica quantas vezes multiplicamos 2 por si mesmo. 22 = 4. 24 = 16. 210 1024, e assim por diante. Vamos chamar de S o número total de grãos no tabuleiro de xadrez, desde o 1, no primeiro quadrado, até o 263 no 64" quadrado. Depois, simplesmente, Duplicando ambos os lados dessa equação, encontramos 25= 2 + 22 + 23 + 24 + ... + 263 + 264 Subtraindo a primeira equação da segunda, obtemos 2S-S=S=264-, que é a resposta exata. Quanto é isso aproximadamente, em notação decimal comum? 210 é quase 1000, ou IO3 (dentro de uma margem de 2,4%).Assim, = (20)2 = aproximadamente (IO3)2 = IO6, que é 10 multiplicado por si mesmo seis vezes, ou 1 milhão. Da mesma forma, damcntedO3) O8. Assim, 2= 24 x aproximadamente 16x IO. ou 16 seguido por 18 zeros que são 16 quintilhões de grãos. Um cálculo mais preciso produz a resposta de 18,6 quintilhões de grãos.

SAGAN, Carl. Bilhões e bilhões na virada do milênio. 1ª Ed. Schwarcz Ltda., 1997.

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