Prece e Louvor - fotografia de Julia Margaret Cameron |
A família é a
base da sociedade. Esta máxima, tão disseminada de maneira ignóbil e pavorosa
entre os indivíduos e/ou grupos mais ansiosos pela manutenção de certas
imposições que lhes prouve patamares mais agudos. Mas ela é, de fato, algo mais
profundo que isso. Uma família consistiria em ser uma “unidade básica da
sociedade formada por indivíduos com ancestrais em comum ou ligados por laços
afetivos”[1].
Estas ligações sempre foram importantes para a evolução constante da sociedade
humana, e esta conceptualização se mostra cada vez mais intensa.
Como família,
um grupo social possui sua unidade básica provinda da geração dos próximos
seres. Assim, em geral, possuímos o pai, a mãe e os filhos. E entre vários
animais, este conceito é estendido ao grupo, em si, sem uma unidade diminuta.
Nos leões, por exemplo, as fêmeas formam-se como famílias para proteger os
filhotes de esporádicos ataques e demais dos machos do bando, isso
caracterizando uma família acentuadamente diferente da que conhecemos. Assim o
cerne do uso da palavra ‘família’, neste texto, será o de unidade básica
humana, acima apenas do indivíduo.
Mas também é
inegável que o avanço da sociedade humana e suas compreensões cada vez mais
massificadas de como somos, como devemos ser, quais nossos ideais e afins, nos
moldaram de forma a visualizar e – mais até que isso – conceber famílias
diferenciadas. No dia-a-dia, podemos ver famílias das mais variadas formas, que
passam desde um indivíduo agindo familiarmente até a uma numerosa procedência.
Isso pode nos levar a compreender que o modelo familiar vigente por vários
séculos – e ainda hoje fortemente arraigado – possui em sua concepção a
necessidade da própria subsistência humana, este sendo a fonte de proteção,
alimentação, instrução e compreensão do ser que ali se transfigura bem como
seus membros mais antigos o possui como obrigação sócio biológica de prover os
citados, mas também ser, para si, o baluarte de seu posicionamento social.
Possivelmente
fora da concepção bradada por pessoas que veem na formação destas diferenciadas
famílias algo não natural, estas nos mostram a variabilidade do ser humano, e o
quão adaptável ele é. Ter e fazer uma família diferente de determinados padrões
em nada é regra de desalinhamento social, muito pelo contrário. A formação
diferenciada pode se dar pela necessidade de adaptação. Criar filhos – quando a
família os tem – sob a ótica de uma contemporânea sociedade é o principal
medidor que possuímos para saber a quantas anda a interpretação desta mesma
sociedade. A infância – para os celtas, por exemplo – era um período mágico.
Existiam leis que regulamentavam os deveres dos pais biológicos e adotivos com
respeito aos cuidados e à educação dos filhos pequenos. Uma das primeiras
responsabilidades é escolher cuidadosamente o nome da criança, pois o
significado do nome determina o papel que a pessoa desempenhará na vida adulta.
Também era importante que a criança recebesse um nome antes que fosse afetada
por forças adversas que pudessem influenciar seu destino. Contudo, muitas
crianças especiais - aquelas que possuem uma sabedoria extraordinária e estão
destinadas a transmiti-la aos outros - recebiam o nome de episódios
aparentemente acidentais, mas também simbólicos, ocorridos em sua infância.
Essas "crianças sábias" eram associadas com a água ao nascer ou logo
depois do nascimento, e passavam por um "segundo nascimento", do qual
emergiam precocemente instruídas e dotadas de ‘poderes sobrenaturais’[2].
Como é
possível ver, boa parte das diferenciações familiares se dá como necessidade de
adaptação, e não apenas do grupo, da sociedade, mas do próprio indivíduo. Esta
mudança gerará ocorrências que criem tendências, mas que ainda assim dependerão
de novas adaptações, e assim por diante.
A perceptível
intransigência postulada e disseminada ano após ano, geração após geração, salpicam
aqui e ali nestas famílias e em todos aqueles que abraçam isto que –
infelizmente – acaba tendo que ser visto como uma ‘causa humanista’, e não uma
‘naturalidade humana’. Dissemina-se lógica refutabilíssima contra as diferentes
maneiras de se formar uma família; impregna-se uma dialética que condiz com as
piores normas de se conceber o ser humano, levando inevitavelmente a uma
expansão epidêmica dessa visão deturpada, tanto para quem ataca quanto para
quem se vê obrigado à defesa. Além da misoginia imposta neste comportamento,
onde alegoricamente se apologiza a favor de seu meio de formação familiar, esta
atitude não leva em consideração que existem necessidade intrínsecas às
famílias, em função de uma gama de fatores que a fizeram evoluírem (ou pelo
menos se diferenciar), agindo assim de maneira que a mãe (a mulher, ou aquele
que se posicione neste papel) seja provedora da manutenção familiar, mas também
única responsável pela manutenção desta. Isso acaba por implicar este personagem
à dualidade de seu papel: “(me impõem) Amar os membros incondicionalmente (como
se este fosse papel apenas meu), mas possuo a total responsabilidade de manter
os filhos (ou membros) neste mesmo caminho específico. Desvirtuação mostra
fraqueza minha...”
A
religiosidade – principalmente as que detêm mais poder atualmente, como o
cristianismo, hinduísmo, judaísmo e islamismo – com o monopólio da
identificação “ideal” familiar (e este foi imputado pela persuasão física e
mental durante milênio) tendeu a descontruir durante longo período a razão
centralizadora e formadora do indivíduo no âmbito familiar diante a sociedade, tornando-se
assim ela (religião) a primazia da formação do ser. À família, os espórios do
que sobra do membro, como os seus erros[3].
Entretanto,
esta difamação com relação às famílias e suas consequências destruidoras criam,
por tanto, algo que poderíamos – até certo ponto – enxergar como paradoxal: uma
luta acirrada para manter e propagar um status
acaba por destruir os que se alinhem a ele. Famílias acabam por se
desmembrarem por causas religiosas, e pelos mais variados motivos. Não é
incomum ex-religiosos de seitas das mais variadas, como mórmons, Testemunhas de
Jeová e algumas vertentes islâmicas e judias[4]
se mostrarem e bradarem a dificuldades que possuem em se alinhar à família,
pois a mesma demonstra antipatia a caminhos que vão de encontro à sua
dogmática, e se relaciona diretamente – como dito anteriormente – com o
monopólio forçado pelas igrejas de que seus caminhos são os “corretos”.
Não é pouco,
nem incomum, que varias famílias cristãs se dissolvam por estas reflexões
diretas de doutrinação. Não se propõe, aqui, discutir o quão podem ser nocivas
concepções religiosas generalistas, e podem postular assimilações muito mais
individuais do que eclesiásticas, mas mais ênfase àquelas direcionadas para o
controle pelo controle, para o poder de membros de um grupo social clérigo em
detrimento aos outros. Independentemente de qual se siga, o que se acredite ou
o que seja o ideal, o miolo familiar acaba sendo degenerado para a elevação de
apontamentos que são alheios à esta, as suas necessidade e a tudo aquilo que se
veja na sua adaptação ao meio em que eles se inserem. E este distanciamento –
entre os membros e suas reais necessidades, com o que lhes é imputado fazer –
acarreta numa clara e incisa destruição familiar, gerando, além do próprio
paradigma, um futuro indivíduo viciado nas disparidades lhe apresentada.
[3] A
religião não é a única a se aproveitar disto e desta forma. O Estado, no papel
de articulador de grupo-mor, utiliza-se da mesma técnica, mas o faz comutamente
à primeira.
Perfeito
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