Um dos
fatores para a colonização do território brasileiro era a normalidade do ato do
estupro. Índio e escravos, em sua maioria, sendo vistos como socialmente excluídos
(mesmo esta premissa é questionável, uma vez que para se ser excluído de algo,
deve-se pensar que este poderia ser imaginado fazer parte, o que não ocorria) e
isso dava o direito a esta agir das formas mais desumanas e cruéis, sem nenhum
tipo de questionamento moral.
Isso sempre
foi um reflexo da direção patriarcal e machista envolto do comportamento humano
desde seus primórdios, onde a questão da força física aliada à inteligência
para este mesmo fim imperava como fator de manutenção grupal, tribal. Este
aspecto floresceu a criou artifícios de aporte megalomaníacos entre a classe
masculina, com o fator de preponderância entre estes. E seres ditos inferiores
não poderiam participar do pensamento em sociedade, mais que uma afronta, era
um perigo para a sobrevivência da mesma.
A pesquisa
realizada e apresentada no último dia 27/3 (quinta-feira) mostra a reluzente
escravidão moral ainda imposta na (ir)racionalidade brasileira. Os dados
apresentados mostram que 58,5% dos entrevistados concordaram totalmente ou
parcialmente com a frase "Se as mulheres soubessem como se comportar,
haveria menos estupros", além de dados sobre a vestimenta feminina (“Mulheres
que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas": 65,1%
concordaram totalmente ou parcialmente com a afirmação). Alguns outros dados indicam
que quase três quintos dos entrevistados, 58%, concordaram, total ou
parcialmente, que “se as mulheres soubessem se comportar haveria menos
estupros”. E 63% concordaram, total ou parcialmente, que “casos de violência
dentro de casa devem ser discutidos somente entre os membros da família”. Também,
89% dos entrevistados tenderam a concordar que “a roupa suja deve ser lavada em
casa”; e 82% que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”.[1]
Curiosamente
outros dados nos mostram algo que pode parecer paradoxal: “Homem que bate na
esposa tem que ir para a cadeia”, concordaram com esta afirmação, total ou
parcialmente, 91% dos entrevistados.
Mas,
analisando estes números e todo o contexto histórico envolvido, fica claro que nossa
sociedade possui bases estruturadas num paternalismo contemporâneo, que reflete
aspectos atuais. As pessoas acham errada a imposição física sobre as
companheiras, mas estas precisam cultivar hábitos morais que estes próprios
impõem para que sejam superiorizados. Um comportamento habitualmente histórico,
de linhas agressivas na sua imputação.
Colocar
esta máxima em prática implica, necessariamente, em se abster de seus próprios
preceitos morais. Dados de pesquisa do Sinan indicam que 89% das vítimas de
estupro são mulheres e possuem, em geral, baixa escolaridade. Do total, 70% são
crianças e adolescentes.[2] Este
período da pessoa é extremamente importante no desenvolvimento do adulto, na formação
de vários preceitos que a acompanharão por toda a vida e serão responsáveis
pela manutenção da sociedade, e estas acabam por serem brutalmente deformadas
pela estupidez de se perfazer superior a tudo e a todos, bem como um resquício
da anomalia de caráter destes homens.
Certos de
sua base cultural ser forte, estas pessoas que veem com naturalidade que não
cabe nas ações de liberdade de ações de mulheres (e homens) propõe uma
idealização de sociedade opressora, imputando responsabilidades descabidas a
troco de premissas que partem da falta de informação até ao mais puro culto à ignorância.
Querem que se responsabilizem as pessoas por suas ações sem analisar a realidade
destas. Uma mulher ou homem devem ‘pagar’ por suas ações individuais – que acabam
por remeter a apenas elas – e isso lhes custaria, naturalmente, sua dignidade e
até mesmo suas vidas.
Há uma
confusão profunda, e acredito devida a falta de capacidade de se ensinar, desde
cedo, a se interpretar pessoas e suas ações, no que tange o aspecto sexual na
sociedade. Este é um tabu, sempre foi. Se antes era por não ser citado, falado
e usado de logros para se repassar, hoje o erro é as associações escusas.
Estupro não é uma forma de sexo. A relação sempre deverá ser consensual e é ridículo
ter que se afirmar – principalmente hoje – como se fosse uma novidade.
Talvez – e que
se observe o ‘talvez’ – estejamos num processo de incorporação de ideias mais
livres de preceitos absintos, e isso deflagre numa guerra nojenta entre o que a
pessoa deve ser livre para si e o que não. No Brasil, muito por nosso clima e
necessidade de adaptação à tropicalidade, temos como uso normal roupas menores
e mais adaptáveis. Isso passa diretamente por se mostrar o corpo,
independentemente do sexo (ou orientação a este). Assim, criamos um conceito muito
generalista de beleza que envolve um número menor de roupas e mais corpo à
mostra. Isso tudo é natural. Sendo assim, uma pessoa que se prostre a sentir-se
bem – não importando sua devida intenção sexualmente ativa – irá se vestir e
agir como alguém que se sente bem em fazê-lo (ignoro propositalmente os
aspectos que levam a complexidade do ser humano – interno e ambiental – a crer
que uma determinada atitude seja a melhor para si ou não, em vista de que o
importante para este discurso é a ação efetivamente). Sendo assim, deve-se
ficar claro que uma pessoa que se veste e age como age não o faz para ser violentada
em suas integridades físicas e mentais, mas para mostrar atributos que lhe
mostram serem agradáveis.
Portanto,
aí reside o erro conceitual de interpretação – sem contar, obviamente, os despojos
déspotas de pessoas que pior que interpretar, não interpretam por preguiça
intelectual, apenas como lhes convém – por ‘excelência’: elas confundem o despudor
(ou o próprio pudor conceitualmente diferente) lógico e de direito com a
violência ignóbil e execrável. Uma relação funesta de causalidade.
É inadmissível
que numa sociedade dita democrática e livre, com preceitos humanistas e laicos,
se permita analisar uma pesquisa como estas e manter-se de braços cruzados
mediante a alienação da nossa população. Isto mexe com a vida e os direitos das
pessoas. Estes dados são resultados de uma grave manutenção de uma cultura
distorcida, errada e ignorante, que permeia muito nosso dia a dia. Todos os
fóruns de nossa sociedade devem lutar e extinguirem estes preceitos machistas,
sexistas, misóginos e arbitrários que os rodeiam. As entidades que, por algum
motivo (históricos, culturais, dogmáticos) que tenham premissas de submissão devem
ser revistas e expurgadas, e o melhor método é e sempre será a educação. Uma
educação verdadeiramente humanista e humanizadora, alijada de nossa atual
cultura. Esta, por sua vez, deve ser mostrada e incentivada a partir do momento
que se conclua sua literalidade como inútil.
A pesquisa
mostra aspectos que levam direto ao que foi intensamente proposto neste texto,
onde a sociedade com referencia masculina de paternidade tenderá a ver a mulher
(e outros “fora” deste universo masculinizado) como objeto de suas realizações
grupais e estes também devem possuir desejos e vontades que se concatenem com
esta manutenção. O dado mais absurdamente preocupante disto é que, dentre os
entrevistados, 66,5% eram mulheres.
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