Escola de Sócrates - John Vanderbank |
Qual é a
função da escola? Durante toda a história da educação na humanidade, o conceito
de se ensinar algo passa pela ideia central do mestre e seu discípulo. Com o
passar dos séculos, vários estudos e conceitos foram estudados, discutidos e
aplicados para se ampliar o conceito de educação e de escola. A própria Igreja
católica foi precursora de muito do que se possui da ideia de um prédio
específico para ministrar-se conhecimento.
Mas o
conceito mais interessante – e o que mais nos interessa para este texto – é
aquele implementado no Brasil nos anos 30, o escolanovista[1],
que entre suas proposições podemos destacar o ensino único, público, laico,
obrigatório e gratuito. E este foi adicionado à constituição federal de 1934,
sendo seguido como forma de educação e escolaridade desde então. Sendo laico o
ensino, isto remete que quaisquer questões que envolvam a doutrinação deste ou
daquele credo devem ser tratadas como não científicas e, portanto, não
pleiteáveis. Ensinar sobre religiões é diferente de ensinar religiões.
Sendo
assim, o que temos é que a escola possui a função pedagógica do ensino das
ciências humanas, e estas ciências são e sempre serão as ciências vigentes.
Muito do que hoje sabemos ser pseudociência já foram estudos sérios que
remeteram a grandes pesquisas e repassados para os estudantes. Uma delas –
talvez uma das mais clássicas – é a astrologia, que já foi ensinada por
Aristóteles, Hiparco e Ptolomeu. Isso nos direciona a pensar que o que sabemos
hoje, com relação à ciência, é que ela deve ser sempre indiferente às
confabulações humanas e voltada para a busca real da verdade da natureza. Com
isto, ela não pode, de forma alguma, se referir aos desejos humanos que não
possam ser mensurados, testados e averiguados.
Então o que
podemos ver com relação ao Criacionismo? Nada, na verdade. O que seus
defensores e promulgadores fazem é usar de técnicas de dialética e retórica
para dar um viés ‘cientifico’ em suas explanações. Ora, podemos chegar muito
facilmente à conclusão de que algo pode ser lógico, mas não signifique que este
seja verdadeiro. Vai depender principalmente da premissa utilizada pelo orador,
que tece uma rede de proposições que chegam a uma conclusão lógica. Mas o erro
na premissa é o ponto mais forte. E no criacionismo o erro é claro: se algo é
vivo, é porque um ser de inteligência deve tê-lo projetado, independentemente
de como teria sido feito este projeto.
Existem
três tipos de criacionistas[2] (e
deixemos claro que estamos falando do aspecto cristão, que é o mais vigente em
nossa posição geográfica): aqueles que veem nas escrituras sagradas a
literalidade de suas feições da criação e, portanto, seguem-na como algo que
realmente ocorreu, como lá está; aqueles que veem as partes morais bíblicas
como elaboradas parábolas da criação, mas deixando claro que a vida depende de
seu criador e os que procuram dar vieses científicos às escrituras, chegando às
raias das aliterações temáticas a respeito da ‘terra jovem’.
Com isto,
fica muito nítido que qualquer escola, seja pública ou particular, pode
repassar o criacionismo como um fator já estudado na História da humanidade e
que sua aceitação funcionou na forma de compreensão da mesma, que até então não
conhecia determinadas descobertas e estudos que hoje temos, assim como se deu
com a teoria da geração espontânea e mitos antigos. Mas querer que estes sejam
impostos nas escolas como uma ‘segunda forma’ de enxergar a existência e
evolução da vida? Definitivamente é o pior caminho.
E é isso
que o deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP) quer, com a sua PL 8099/2014[3],
apresentado na 13/11/2014 (quinta-feira) e com a ementa “Ficam inseridos na
grade curricular das Redes Pública e Privada de Ensino, conteúdos sobre
Criacionismo.” Com isto, ele acredita – como muitos que defendem esta ideia –
que o criacionismo é uma segunda via da formação evolucionista. Não é[4].
Evolução é ciência, dentro da aplicabilidade necessária ao ensino, enquanto que
criacionismo é apenas – e de forma alguma seja mais que isso – crença.
Logicamente,
a pessoa pode ter a crença que bem entender (e não levantarei aqui os motivos
socioculturais e históricos que interferem no indivíduo e na sua ideia de
‘escolher’ algo que lhe é imposto[5]),
mas impor as crenças pessoais a outros é errado; usar os meios educacionais
governamentais neste processo é uma afronta à constituição laica de nosso país,
bem como uma grave ofensa e um dano profundo ao futuro que nossos alunos
necessitam.
Um futuro em que sua educação seja compatível
com as ciências e tecnologias desenvolvidas em um ambiente laico, que contempla
a todos independente de fé religiosa; um futuro em que possam contribuir para a
democratização das ciências e dos seus frutos, inseridos no contexto maior do
bem social.
Por mais
que já tenha se falado e tenha ficado claro, a lógica é bem simples:
criacionismo não é ciência – nem natural, nem humana – e como tal não deve ser
ministrado a ponto de querer ser uma ideia rival daquilo que a ciências
apresentam.
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