domingo, 23 de novembro de 2014

Atrapalhando as aulas

Escola de Sócrates - John Vanderbank
Qual é a função da escola? Durante toda a história da educação na humanidade, o conceito de se ensinar algo passa pela ideia central do mestre e seu discípulo. Com o passar dos séculos, vários estudos e conceitos foram estudados, discutidos e aplicados para se ampliar o conceito de educação e de escola. A própria Igreja católica foi precursora de muito do que se possui da ideia de um prédio específico para ministrar-se conhecimento.
Mas o conceito mais interessante – e o que mais nos interessa para este texto – é aquele implementado no Brasil nos anos 30, o escolanovista[1], que entre suas proposições podemos destacar o ensino único, público, laico, obrigatório e gratuito. E este foi adicionado à constituição federal de 1934, sendo seguido como forma de educação e escolaridade desde então. Sendo laico o ensino, isto remete que quaisquer questões que envolvam a doutrinação deste ou daquele credo devem ser tratadas como não científicas e, portanto, não pleiteáveis. Ensinar sobre religiões é diferente de ensinar religiões.
Sendo assim, o que temos é que a escola possui a função pedagógica do ensino das ciências humanas, e estas ciências são e sempre serão as ciências vigentes. Muito do que hoje sabemos ser pseudociência já foram estudos sérios que remeteram a grandes pesquisas e repassados para os estudantes. Uma delas – talvez uma das mais clássicas – é a astrologia, que já foi ensinada por Aristóteles, Hiparco e Ptolomeu. Isso nos direciona a pensar que o que sabemos hoje, com relação à ciência, é que ela deve ser sempre indiferente às confabulações humanas e voltada para a busca real da verdade da natureza. Com isto, ela não pode, de forma alguma, se referir aos desejos humanos que não possam ser mensurados, testados e averiguados.
Então o que podemos ver com relação ao Criacionismo? Nada, na verdade. O que seus defensores e promulgadores fazem é usar de técnicas de dialética e retórica para dar um viés ‘cientifico’ em suas explanações. Ora, podemos chegar muito facilmente à conclusão de que algo pode ser lógico, mas não signifique que este seja verdadeiro. Vai depender principalmente da premissa utilizada pelo orador, que tece uma rede de proposições que chegam a uma conclusão lógica. Mas o erro na premissa é o ponto mais forte. E no criacionismo o erro é claro: se algo é vivo, é porque um ser de inteligência deve tê-lo projetado, independentemente de como teria sido feito este projeto.
Existem três tipos de criacionistas[2] (e deixemos claro que estamos falando do aspecto cristão, que é o mais vigente em nossa posição geográfica): aqueles que veem nas escrituras sagradas a literalidade de suas feições da criação e, portanto, seguem-na como algo que realmente ocorreu, como lá está; aqueles que veem as partes morais bíblicas como elaboradas parábolas da criação, mas deixando claro que a vida depende de seu criador e os que procuram dar vieses científicos às escrituras, chegando às raias das aliterações temáticas a respeito da ‘terra jovem’.
Com isto, fica muito nítido que qualquer escola, seja pública ou particular, pode repassar o criacionismo como um fator já estudado na História da humanidade e que sua aceitação funcionou na forma de compreensão da mesma, que até então não conhecia determinadas descobertas e estudos que hoje temos, assim como se deu com a teoria da geração espontânea e mitos antigos. Mas querer que estes sejam impostos nas escolas como uma ‘segunda forma’ de enxergar a existência e evolução da vida? Definitivamente é o pior caminho.
E é isso que o deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP) quer, com a sua PL 8099/2014[3], apresentado na 13/11/2014 (quinta-feira) e com a ementa “Ficam inseridos na grade curricular das Redes Pública e Privada de Ensino, conteúdos sobre Criacionismo.” Com isto, ele acredita – como muitos que defendem esta ideia – que o criacionismo é uma segunda via da formação evolucionista. Não é[4]. Evolução é ciência, dentro da aplicabilidade necessária ao ensino, enquanto que criacionismo é apenas – e de forma alguma seja mais que isso – crença.
Logicamente, a pessoa pode ter a crença que bem entender (e não levantarei aqui os motivos socioculturais e históricos que interferem no indivíduo e na sua ideia de ‘escolher’ algo que lhe é imposto[5]), mas impor as crenças pessoais a outros é errado; usar os meios educacionais governamentais neste processo é uma afronta à constituição laica de nosso país, bem como uma grave ofensa e um dano profundo ao futuro que nossos alunos necessitam.
 Um futuro em que sua educação seja compatível com as ciências e tecnologias desenvolvidas em um ambiente laico, que contempla a todos independente de fé religiosa; um futuro em que possam contribuir para a democratização das ciências e dos seus frutos, inseridos no contexto maior do bem social.
Por mais que já tenha se falado e tenha ficado claro, a lógica é bem simples: criacionismo não é ciência – nem natural, nem humana – e como tal não deve ser ministrado a ponto de querer ser uma ideia rival daquilo que a ciências apresentam.

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