segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

A culpa de Eva: uma herança cristã

A criação de Eva - Michelangelo
As mulheres cristãs, em princípio, aceitam a culpa de Eva, confirmam que seu pecado necessita de expiação, acreditam que o parto é um castigo, tratam a si mesmas como reprodutoras, encaram o sexo como pecado, abrem mão de sua independência sexual, dos direitos que têm sobre o próprio corpo e se submetem às regras da Bíblia e da Igreja para dirigirem suas vidas.
A doutrinação cristã junto às mulheres parte do princípio de culpabilização, necessidade de expiação e, em consequência, submissão ao poderio da religião e ao modelo ideal de mulher cristã[1]:
“Um recurso utilizado pelo Catolicismo para envolver a sociedade em seus dogmas foi a criação de símbolos que pudessem ser identificados às práticas femininas. Para difundir a prática da maternidade e, ao mesmo tempo, a repressão da sexualidade, todas as santas são virgens assexuadas, destacadas pela sua bondade, abnegação, obediência, resignação e filantropia. O culto à Virgem Maria, por exemplo, assumiu, no catolicismo, uma posição elementar.”[2]
Uma das formas mais fáceis de dominação é convencer o dominado de que ele não só merece ser subjugado como também de que esta dominação é um bem.
Como uma dominação pode ser vista como um bem para quem está sendo dominado? Convencendo-o de que ele é incapaz de tomar decisões acertadas, de que precisa de orientação, de que seu discernimento, seu pensamento racional e crítico são ineficientes para julgar o que é melhor para ele.
E o melhor para ele é, sem dúvida, ser perdoado e viver eternamente, uma vez que seu erro é ancestral, não depende dele, que já nasceu pecador e condenado à morte.
Por meio da assimilação de culpa é que o dominado poderá redimir-se, ser orientado e salvo das consequências de seu pecado maior: a desobediência.
Eva foi a grande causadora da entrada do pecado no mundo; através de sua desobediência todos os descendentes herdam esta culpa, devendo expiá-la negando em si mesmos os desejos pessoais e o pensamento livre, pondo-se sob as orientações e cuidados de Deus Pai e de seu Filho, Jesus Cristo, representados na Terra pela Igreja.
O homem é colocado como vítima da desobediência da mulher. Seu pecado foi ter se deixado convencer por ela.
A mulher é não só a introdutora do pecado, mas é, ainda, uma ameaça aos homens, visto que pode levá-los a pecar, sendo uma constante fonte de tentações e maior culpada pelos abusos sexuais que sofre:
“Quando se apresentou ao comissário do Santo Ofício de Pernambuco, em 1760, para confessar o abuso de seis mulheres, o padre José Pereira Afonso se explicou dizendo que os confessores não solicitavam mulheres na confissão e só deviam “cuidar e fugir para elas os não perseguir e solicitar a eles”. O religioso ainda afirmou que as coisas não eram assim na Europa, “por viverem as mulheres com mais recato e não haver tanta solidão, nem escravos que no Brasil são a perdição das casas”.[3]
Quando Eva pecou condenou todos os seres humanos a se submeterem ao Cristianismo em busca da única salvação possível: aceitá-lo.
Jesus Cristo diz claramente: Aquele que não crer em mim não conhecerá a vida eterna, mas já está condenado.
Por que os seres humanos estão condenados? Por terem nascido pecadores – culpa de Eva. A remissão dos pecados dá-se pela aceitação da culpa de Eva e acatá-la como sua própria.
Acreditar no Cristianismo implica em aceitar a Bíblia em sua totalidade como sendo a Palavra do deus cristão, inclusos aí a mitologia da Criação, do Nascimento Virginal de Jesus e de que Ele é a única salvação.
O controle do Cristianismo sobre a sexualidade feminina é uma das consequências do Mito do Nascimento Virginal de Jesus.
Quando a Bíblia coloca o sexo como pecado e a gravidez como um castigo a mulher passa, automaticamente, a ter a obrigação de manter-se casta e a restringir seus desejos sexuais ao casamento e à maternidade, já que precisa expiar por meio das dores do parto toda a sua terrível culpa.
Para as mulheres, eternas filhas de Eva, resta buscarem o modelo cristão de comportamento feminino: Maria, a Imaculada Mãe de Jesus, que jamais teve um orgasmo.
Ainda que o Evangelismo não pratique o culto à Maria, ao reconhecer o Mito do Nascimento Virginal de Jesus, contribui fortemente para a submissão feminina, uma vez que o ideal feminino defendido se enquadra na virgindade, no sexo apenas para procriação e na permissão da prática sexual unicamente com o parceiro reconhecido como legítimo através do casamento sagrado pela Igreja.
Todas as grandes denominações cristãs atuam de acordo com esses três mitos iniciais; são dogmas e, portanto, inquestionáveis.
Em uma sociedade de maioria cristã, ser ateu significa rejeição à ideia de divindades, especialmente o deus bíblico, ou seja, deveria significar também rejeitar os dogmas religiosos repletos de preconceitos.
Ateus não têm ou não deveriam alegar ter motivos para compactuar com a discriminação da mulher pela sua independência sexual e para legitimar o sexo e o comportamento sexual como indigno, como medida de valor humano e como forma de dominação de um gênero sobre outro.
A única justificativa para perpetuar os preconceitos e a misoginia bíblica é a crença religiosa ou o condicionamento a ela, que, sendo ainda fortemente decisivo no indivíduo, o impede de perceber que está apenas sendo fiel aos ditames de uma religião de um deus no qual não crê.
Mulheres e homens que se reconhecem como ateus dão significativo passo em direção à igualdade de direitos, ao respeito a esses direitos e à uma sociedade em que homens e mulheres, em todas as suas matizes de identidade sexual, possam conviver como iguais.

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