Despejados - Cândido Portinari |
Se formos procurar, tanto na internet quanto em bibliotecas
em geral, a respeito do que religiões têm feito pela sociedade, na nossa
história e seus efeitos – bons ou ruins – a conclusão que podemos facilmente
chegar é que a mesma possui uma infinidade de argumentações e
contra-argumentações que sempre revelam a epistêmica elaboração teológica, o
comprometimento racional e lógico de seus detratores para fins de
questionamentos que vários dogmas não permitem. Sendo assim, acabamos por
direcionar nossos conceitos em torno destes estudos, destas concepções e até
mesmo de algumas aliterações poéticas, outras prosaicas, mas de forma a
repassar um conteúdo complexo e com o máximo de sensatez que nosso senso pode
julgar, ou que, ao menos, consideremos nos representar.
Mas todos são assim (e quando se cita todos, cita-se a
totalidade das pessoas neste planeta)? Não, não somos, e nem temos o porquê ser
e fazer. A complexidade da sociedade humana passa em despercebido às
generalizações, e suas causas são menos dispendiosas que as que usamos
normalmente.
Citar um resultado e direciona-lo a uma totalidade, através
de uma pesquisa que englobe um tema que atinja muitas pessoas, mas esta sendo
realizada por uma população extremamente específica, e com varias e evidentes
diferenças entre povos, não pode suscitar a uma realidade abrangente.
Certa vez, uma pesquisa realizada para se constatar o quanto
os alunos de escolas pública do ensino médio no Brasil saberiam sobre a
compreensão da teoria molecular foi-nos passada, onde a mesma seria analisada.
Mas o que mais me chamou a atenção não foram os resultados, mas como foram
obtidos. A mesma foi realizada em duas escolas publicas de Belo Horizonte, no
ano de 2007, em seis salas de aulas. Mas de que maneira existira uma correlação
séria entre a totalidade dos alunos medianos brasileiros e apenas os
belo-horizontinos? Não, não há a menor chance de a correlação ser de fato
válida, pois mesmo que os dados desta pesquisa corroborassem os números
levantados pelo Ministério da Educação, ele apenas diria isso: que os dados do
levantamento feitos em Belo Horizonte indicam uma paridade com os dados
nacionais. E seria falacioso afirmar que, a partir desta, todos os dados
daquela cidade sirvam sempre para analisar o país todo.
Estes erros, em menor consequência, ocorrem com frequência
em levantamentos de varias reportagens vinculados a estes dados, inclui-se ai
grandes meios de comunicação, blogs, editais e, em escala assustadoramente
constante, nas redes sociais. Alegações que, por exemplo, pessoas disseram se
sentirem melhores por sua fé, não podem ser extrapoladas para além do fato de
que estas pessoas possuem sua individualidade ligada a uma cultura específica,
a uma educação e convivência específicas. O mesmo se daria ao afirmar a
descrença. E a quantidade de pessoas que aderem à este ou àquele posicionamento
não é uma relação específica às informações sociais que temos do local que
estas vivem. Não há na maioria das vezes uma relação causal analisada de
maneira suficiente às conclusões que vemos muitos tomarem.
Sendo assim, nos perdemos na maior parte dos argumentos que
envolvam pessoas e seus comportamentos. E um fator muito importante a se
evidenciar nisto são as pessoas simples. O Brasil tem 33 milhões de analfabetos
funcionais (cerca de 18% da população), ou seja, pessoas com menos de quatro
anos de estudo, e 16 milhões de pessoas com mais de 15 anos que ainda não foram
alfabetizadas. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE).[1] Como poderíamos imaginar estas
pessoas inseridas em determinados contextos que envolvam, por exemplo – e este
é o foco deste texto – sua intermitente responsabilidade em compreender o que a
religiosidade faz a elas?
A fé, que para elas é monopólio religioso, persiste não
apenas como uma necessidade[2] a sua existência, mas uma
naturalidade de seu dia a dia. E seus atos vão corresponder à esta
naturalidade. Há uma dificuldade insípida das religiões organizadas em se
retirar as crendices do comportamento de seus fiéis. Mesmo a rigidez do
comprometimento exigido por algumas igrejas não impede, por mais fiel que o
indivíduo se mostre, de que este se valha de suas superstições em suas e ações,
e isso quando não os associa diretamente à sua religiosidade. Conheço senhoras
que, mesmo pentecostais (e estas “lutam” contra isto, pois há o medo do desvio
intermitente que houve com a Igreja Católica), não abandonaram costumes
regionais como ‘não passar objetos para dentro de casa pela janela’, ou os
sincretizaram, substituindo as ferraduras, galhos de arruda e patuás por
envelopes (para dízimo) distribuídos nos cultos.
Para qualquer igreja, prelazias que impeçam estas ações são
viperinas, onde as mesmas concorreriam com a desfaçatez da funcionalidade
destas (para o religioso simplório, em geral, é possível que se uma coisa
funcione, a outra também a faça) e isso não angariaria fiéis e, por tanto,
poder e dinheiro. Fica, por tanto, melhor que se crie o sincretismo já citado:
Já existe a água benta? Melhor que seja água ungida; Fazer óleo de ervas para
dor? Não, basta o óleo de cozinha em cima do rádio e suas pregações através das
ondas moduladas e frequências moduladas, ou mesmo no altar durante o culto,
pois teremos o óleo ungido; Problemas de saúde e espirituais em geral? Esqueça
as águas termais, beba a água do banho de seu líder espiritual[3].
Especificamente em nosso país, ainda vivemos no complexo da
pobreza e das crendices. E estas pessoas, se não mais são a maioria, ainda
indicam o grosso do comportamento social que possuímos atualmente. Séculos de
subjulgo e detratação religiosa moldaram à barro a formação das percepção do
povo. E, muito naturalmente, fomos nos distanciando disto e nos propondo a
assimilações distintas do que sempre se prostrou. Mas ainda é grande o
contingente de pessoas que estão arraigadas naquilo ou mesmo possuem
dificuldades para se desligar completamente, seja esta uma ligação pessoal,
social ou ambas.
Educação é e sempre será a chave para desfazer esta
situação. Não apenas o investimento maciço financeiro, mas também a
estruturação predial, educacional, pedagógica e funcional do corpo de
educadores. As proposições pedagógicas inseridas em todos os tratados de educação
no Brasil, seus pormenores indicam uma boa base educacional[4] e abrangente o suficiente para que
comecemos uma real formação de cidadãos coerentes. Mas, individualmente, muitos
professores ainda utilizam de seus próprios prognósticos proselitista como base
para o ensino – às vezes até mais que sua própria formação – o que acaba por
desmistificar algo para mistificar outro, mesmo que o intento não seja este, já
que reforça no educando o senso de que “pode haver algo fora do alcance das
ciências naturais e do que o homem conhece”. Ora, mas o intento das ciências
naturais não é exatamente o de se descobrir se esta de fato há? E não seria
maravilhoso, portanto, o próprio aluno descobrir o que há – ou não há – neste
aspecto, sem ser empurrado a apenas continuar crendo?
Erros intrínsecos nestes aspectos podem minar todo um trabalho
na educação da criança, que muitas vezes não possui o respaldo da família e
sociedade para desenvolver qualquer tipo de pensamento lógico e cético.
Pensemos, pois, que o futuro dependerá quase que exclusivamente disto.
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