domingo, 8 de fevereiro de 2015

Vida após a morte

A Grande Família - René Magritte
As ciências têm investigado o corpo humano ao longo da História, desvendando um a um seus componentes, mecanismos, funcionamento e mistérios; no entanto, no que se refere ao funcionamento cerebral, ainda hoje temos um acirrado debate por parte dos defensores da espiritualidade sobre se a mente é uma função do cérebro ou se existe independente dele, o que nos leva ao debate sobre a existência ou não da vida após a morte.
Para a ciência, porém, não há outro caminho que não a investigação dos fenômenos; debates podem ser feitos e estimulados, mas estudos científicos indicam que a mente é um produto do cérebro e nada há até agora que indique, definitivamente, o contrário; a questão é tida em vários âmbitos como ainda em aberto, mas há certo consenso ou tendência da comunidade científica de que não havendo evidências para a existência da mente independente do cérebro, havendo-as para que a mente seja explicável a partir do funcionamento desse órgão, não há tal separação.
Não havendo separação entre mente e cérebro, sendo a mente uma função cerebral, o próprio conceito de vida após a morte se desfaz e se demonstra um fenômeno impossível.
Afinal, o que permaneceria após a morte, a não ser a mente, a consciência? E se não, o que seria, então?
A alma, responderão os religiosos.
Mas, o que seria a alma? Vejamos:
A morte é um fenômeno verificado no corpo, de dimensão física; com a morte, o indivíduo cessa de existir, seu cérebro deixa de funcionar e, caso houvesse alguma sua essência espiritual que permanecesse, não seria, por questões de lógica, perceptível ou detectável após a morte física, já que não está mais em contato com o corpo.
Mas deveria sê-lo, enquanto o indivíduo está vivo, não é mesmo?
Existindo uma alma que estivesse em contato com o corpo - e com o cérebro, claro - esta deveria ser detectada, caso realmente atuasse no indivíduo.
Sim, de fato é. No cérebro, através de sua detecção por meio do funcionamento cerebral,  ou seja, a mente, a consciência. 
Logo, sim, é detectável, de fato. Mas é o contrário; não é a 'alma' que atua no cérebro e sim o cérebro que a produz, mas a ciência dá-lhe o nome de mente. E não há dúvidas de que com o cessamento do funcionamento cerebral, a mente para de funcionar.
Para os que alegam que a alma não é a mente e não é produto do cérebro, pergunta-se:
Enquanto estamos vivos, onde estaria essa alma, se não é a mente? Estando o indivíduo vivo, sua consciência é detectável como uma das funções do cérebro, porém nenhuma outra manifestação além da consciência se verifica, o que nos leva à conclusão de que o que os religiosos denominam alma nada mais é do que a consciência.
A morte acomete todos os seres vivos, já que é uma etapa da vida, sendo um processo natural até agora inevitável. Começamos a morrer desde que nascemos.
Para que se pressuponha a existência de uma vida após a morte, teríamos que aceitar a ideia de que, estando ainda vivos, ou nossa 'alma' não seria a mente, mas sim uma entidade imanifesta e indetectável por quaisquer meios, não atuando no indivíduo de nenhuma forma (!) ou seria a mente mas estaria, de alguma forma 'adormecida' e portanto, indetectável e, novamente, não atuando no corpo.
A mente humana, ao contrário do conceito sobrenatural de alma, é perfeitamente detectável como funcionamento normal do cérebro, a partir da identificação de áreas cerebrais que são ativadas quando o indivíduo está pensando, sentindo, formulando hipóteses ou tomando decisões.
Sendo detectável como funcionamento cerebral, assim também seu fim se verifica de forma inequívoca na hora da morte.[1][2]
 Sendo a consequência da vida, a morte tem sido estudada em todos os seus aspectos pelas ciências naturais; suas causas, como se dá, o que ocorre com os órgãos na hora da morte e quando realmente acontece seu momento específico.
Para realizar essas investigações, a ciência conta com um instrumento denominado método científico, que até hoje desde a sua elaboração ainda não encontrou um substituto.
Este método permite que se elabore hipóteses para explicar os fenômenos observados e testar essas hipóteses para comprová-las ou descartá-las. Ao final do processo, o trabalho é exposto para que qualquer cientista em qualquer parte do globo possa reproduzir o estudo e verificar a idoneidade e a eficácia do mesmo.
As etapas do método científico, resumidamente, são:
1. Observação: análise crítica dos fatos.
2. Questionamento: elaboração de uma pergunta ou identificação de um problema a ser resolvido.
3. Formulação de hipótese: possível resposta a uma pergunta ou solução potencial de um problema. Uma hipótese científica é feita com base em conhecimentos disponíveis a respeito do assunto.
4. Realização de dedução: previsão possível baseada na hipótese.
5. Experimentação: teste da dedução ou novas observações para testar a dedução. Ao se realizar a experimentação, deve-se trabalhar com dois grupos:
Um experimental: aquele em que se promove alteração em um fator a ser testado, deixando todos os demais fatores sem alteração.
Um controle: que é submetido aos fatores sem nenhuma alteração. Assim, pode-se testar um fator por vez e comparar os resultados obtidos no grupo experimental com o que foi obtido no grupo controle. Ocorrendo diferenças entre os resultados do grupo experimental e do controle, elas são atribuídas ao fator que está sendo testado. Não ocorrendo diferenças, pode-se dizer que o fator analisado não interfere no processo em estudo.
6. Conclusão: etapa em que se aceita ou se rejeita uma hipótese.
7. Divulgação: descrição de hipóteses, experimentos, dados e discussões de modo que outros cientistas possam repetir o que foi feito, pensar sobre as conclusões que foram tiradas e usar as informações como ponto de partida para novas hipóteses e testes. Os cientistas compartilham informações por meio de publicações (as chamadas revistas científicas), encontros, congressos e comunicações pessoais.[3]
Hipóteses confirmadas por diversas experiências e experimentos poderão ser consideradas leis e um conjunto de leis e hipóteses poderão formar uma teoria. Todas as duas, apesar da credibilidade no meio científico, podem ser corrigidas e aperfeiçoadas à medida que novas descobertas são lançadas.[4]
As investigações regidas pelo método científico acerca do corpo humano e da vida humana apontam para sua dimensão totalmente física; não há, nas ciências, nenhum estudo que indique a existência de alguma parte que sobreviva após a morte, nenhuma alma ou espírito ou consciência.
Muitas têm sido as tentativas de alguns cientistas de comprovar a permanência da vida - ou da alma - após a morte, que conduzem experiências investigando as EQMs - Experiências de quase morte, nas quais indivíduos com paradas cardíacas e respiratórias, dados como mortos, são ressuscitados pelos médicos e relatam sensações auditivas, visuais e emocionais.
Tais estudos apontam para fenômenos naturais advindos do funcionamento do cérebro, circunstanciados não à morte em si, mas principalmente pela sensação de que se está à beira da morte, ou ainda por drogas ou alterações cerebrais e mecanismos de defesa.[5][6][7]
 Estudos que alegam provar a permanência da consciência ou da alma após a morte baseiam-se apenas nos relatos dos pacientes, sem levar em consideração o que já se sabe sobre o funcionamento cerebral, e admitem, os próprios condutores de alguns desses estudos, que "apesar de os pacientes terem aparentemente mais tempo de consciência durante a morte clínica, as memórias deles podem ser afetadas pelo impacto do processo de reanimação no cérebro ou pelos sedativos usados. Os autores do estudo apontaram ainda algumas limitações na pesquisa, como a dificuldade para identificar se as memórias que os pacientes diziam ter tido durante a parada cardíaca refletiam sua percepção real."
No Brasil, em outro desses estudos, os pesquisadores afirmam que há várias suposições sobre a EQM, "Entre elas, uma encontra razoável aceitação, a de que, no momento da parada cardíaca, algumas descargas elétricas ainda em atividade no cérebro resultariam na produção cognitiva de imagens, sensações, emoções, culminando naquilo que se convencionou chamar de EQM. Também há a hipótese de que a experiência quase-morte seja uma criação mental involuntária atuando como um mecanismo de defesa psicológica frente a uma situação ameaçadora como a morte."[8][9][10]
Ateus, céticos e racionalistas compreendem a vida como um fenômeno natural, regido em sua totalidade por leis naturais e totalmente explicável pelas ciências. Ainda que paulatinamente.
A morte não é um mistério para a ciência. A vida - todas as suas formas - têm prazo de validade e qualquer explicação para a vida fora das ciências pode ser e é refutada pelas descobertas acerca do nosso cérebro, do nosso corpo e de seu funcionamento.
A ciência caminha acumulativamente, investigando os fenômenos e encontrando sua explicação de acordo com o método científico e sua aplicação e comprovação na prática, sem nenhuma lacuna que abra espaço para hipóteses sobrenaturais.
A crença dos seres humanos em uma vida após a morte define a forma como eles viverão sua vida aqui na Terra, como se relacionarão uns com os outros e com a sociedade organizada, com os sistemas políticos e sociais e com tudo o mais.
Essa crença define seus conceitos de quais pessoas merecem ou não viver; de quais indivíduos merecem ou não respeito; de quais serão seus amigos, de quais livros ler e quais assuntos estudar; a crença na vida após a morte define relações familiares, profissionais, sociais e afetivas. Essa crença define até mesmo os preconceitos que norteiam as políticas defendidas pela bancada evangélica - ou qualquer outra bancada religiosa - e as aplicações e gerências dos impostos.
A crença na vida após a morte é danosa para a sociedade como um todo, pois impede que se pense o mundo como ele é e divide os seres humanos em 'certos' e 'errados' a partir de suas crenças, gerando distorções nas relações sociais e políticas.
Para muitas pessoas, a crença na vida eterna é um conforto, um alívio para o sofrimento vivenciado numa sociedade desigual e estratificada, trazendo a ideia de compensação em outra vida, paralisando o indivíduo na luta pelos seus direitos de ser humano, pela modificação social e pela verdadeira igualdade aqui mesmo, enquanto está vivo.
A existência de uma vida eterna após a morte é algo grandioso em comparação com o lapso de tempo em que dura a vida humana. Tudo, na vida eterna é superlativo, tanto a felicidade quanto o sofrimento, dependendo de como se viveu enquanto se estava... vivo.
Quando alguém se arvora o direito de definir qual é o objetivo da vida de outra pessoa, alegando possuir informações privilegiadas obtidas de um ser ou força maior que sabe de tudo e que é o criador de tudo, está criada a religião.
Todas as religiões partem da ideia de que o ser humano não é apenas o seu corpo mas possui ou é uma alma, espírito ou 'essência' não material que permanece após a falência física total, a morte.
Sendo assim, o objetivo da vida humana, para as religiões, não é a vida em si mas antes a preparação para a morte, em que a alma finalmente encontrará o seu destino eterno.
As várias religiões possuem cada uma seu próprio modelo de como deve ser essa preparação e como será esse destino final, mas todas concordam em um ponto crucial: o ser humano é, de alguma forma, mal, vil, torpe, pecador, equivocado, desamparado, perdido e necessitado de salvação, provações, expiações, ensinamentos, direcionamentos e regras de conduta.
Sendo tão vil e desamparado, as regras e direcionamentos para a sua vida não podem vir de outros seres humanos vis e desamparados, é claro que não. Tais diretrizes devem vir de alguma instância acima do ser humano, algo além dele e superior a ele em sabedoria e ética, ou seja, um deus.
Deus - todos eles, em especial o judaico-cristão, no Brasil - não só define como os seres humanos devem viver sua vida real, mas ainda os afasta dela, ao declarar que esta não é a vida real, mas sim a outra, na qual todos serão verdadeiramente iguais e felizes, se se comportarem direitinho.
Os representantes de Deus na Terra sabem que essa crença na eternidade de felicidade ou de sofrimento é um instrumento poderoso de manipulação social e fazem uso dele não só como forma de enriquecimento ilícito, mas também como método alienante tanto social como político.
O fiel que crê que nasceu pecador e que sua vida deve ser vivida pelos parâmetros de um deus não será nunca um humanista, nunca será um igualitário nem nunca poderá ser solidário com todas as pessoas. Ele será sempre um individualista, pois crê-se separado do mundo, e orgulhar-se-á disto.
Não percebe, o fiel, que ao se pôr nas mãos de um deus e esperar pelas recompensas após a morte, está abrindo mão de sua vida, a única que tem e que é sua verdadeiramente humanidade.

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