A Grande Família - René Magritte |
As ciências têm investigado o corpo humano ao longo da
História, desvendando um a um seus componentes, mecanismos, funcionamento e
mistérios; no entanto, no que se refere ao funcionamento cerebral, ainda hoje
temos um acirrado debate por parte dos defensores da espiritualidade sobre se a
mente é uma função do cérebro ou se existe independente dele, o que nos leva ao
debate sobre a existência ou não da vida após a morte.
Para a ciência, porém, não há outro caminho que não a
investigação dos fenômenos; debates podem ser feitos e estimulados, mas estudos
científicos indicam que a mente é um produto do cérebro e nada há até agora que
indique, definitivamente, o contrário; a questão é tida em vários âmbitos como
ainda em aberto, mas há certo consenso ou tendência da comunidade científica de
que não havendo evidências para a existência da mente independente do cérebro,
havendo-as para que a mente seja explicável a partir do funcionamento desse
órgão, não há tal separação.
Não havendo separação entre mente e cérebro, sendo a mente
uma função cerebral, o próprio conceito de vida após a morte se desfaz e se
demonstra um fenômeno impossível.
Afinal, o que permaneceria após a morte, a não ser a mente,
a consciência? E se não, o que seria, então?
A alma, responderão os religiosos.
Mas, o que seria a alma? Vejamos:
A morte é um fenômeno verificado no corpo, de dimensão
física; com a morte, o indivíduo cessa de existir, seu cérebro deixa de
funcionar e, caso houvesse alguma sua essência espiritual que permanecesse, não
seria, por questões de lógica, perceptível ou detectável após a morte física,
já que não está mais em contato com o corpo.
Mas deveria sê-lo, enquanto o indivíduo está vivo, não é
mesmo?
Existindo uma alma que estivesse em contato com o corpo - e
com o cérebro, claro - esta deveria ser detectada, caso realmente atuasse no
indivíduo.
Sim, de fato é. No cérebro, através de sua detecção por meio
do funcionamento cerebral, ou seja, a
mente, a consciência.
Logo, sim, é detectável, de fato. Mas é o contrário; não é a
'alma' que atua no cérebro e sim o cérebro que a produz, mas a ciência dá-lhe o
nome de mente. E não há dúvidas de que com o cessamento do funcionamento
cerebral, a mente para de funcionar.
Para os que alegam que a alma não é a mente e não é produto
do cérebro, pergunta-se:
Enquanto estamos vivos, onde estaria essa alma, se não é a
mente? Estando o indivíduo vivo, sua consciência é detectável como uma das
funções do cérebro, porém nenhuma outra manifestação além da consciência se
verifica, o que nos leva à conclusão de que o que os religiosos denominam alma
nada mais é do que a consciência.
A morte acomete todos os seres vivos, já que é uma etapa da
vida, sendo um processo natural até agora inevitável. Começamos a morrer desde
que nascemos.
Para que se pressuponha a existência de uma vida após a
morte, teríamos que aceitar a ideia de que, estando ainda vivos, ou nossa
'alma' não seria a mente, mas sim uma entidade imanifesta e indetectável por
quaisquer meios, não atuando no indivíduo de nenhuma forma (!) ou seria a mente
mas estaria, de alguma forma 'adormecida' e portanto, indetectável e,
novamente, não atuando no corpo.
A mente humana, ao contrário do conceito sobrenatural de
alma, é perfeitamente detectável como funcionamento normal do cérebro, a partir
da identificação de áreas cerebrais que são ativadas quando o indivíduo está
pensando, sentindo, formulando hipóteses ou tomando decisões.
Sendo detectável como funcionamento cerebral, assim também
seu fim se verifica de forma inequívoca na hora da morte.[1][2]
Para realizar essas investigações, a ciência conta com um
instrumento denominado método científico, que até hoje desde a sua elaboração
ainda não encontrou um substituto.
Este método permite que se elabore hipóteses para explicar
os fenômenos observados e testar essas hipóteses para comprová-las ou
descartá-las. Ao final do processo, o trabalho é exposto para que qualquer
cientista em qualquer parte do globo possa reproduzir o estudo e verificar a
idoneidade e a eficácia do mesmo.
As etapas do método científico, resumidamente, são:
1. Observação: análise crítica dos fatos.
2. Questionamento: elaboração de uma pergunta ou
identificação de um problema a ser resolvido.
3. Formulação de hipótese: possível resposta a uma pergunta
ou solução potencial de um problema. Uma hipótese científica é feita com base
em conhecimentos disponíveis a respeito do assunto.
4. Realização de dedução: previsão possível baseada na
hipótese.
5. Experimentação: teste da dedução ou novas observações
para testar a dedução. Ao se realizar a experimentação, deve-se trabalhar com
dois grupos:
Um experimental: aquele em que se promove alteração em um
fator a ser testado, deixando todos os demais fatores sem alteração.
Um controle: que é submetido aos fatores sem nenhuma
alteração. Assim, pode-se testar um fator por vez e comparar os resultados obtidos
no grupo experimental com o que foi obtido no grupo controle. Ocorrendo
diferenças entre os resultados do grupo experimental e do controle, elas são
atribuídas ao fator que está sendo testado. Não ocorrendo diferenças, pode-se
dizer que o fator analisado não interfere no processo em estudo.
6. Conclusão: etapa em que se aceita ou se rejeita uma
hipótese.
7. Divulgação: descrição de hipóteses, experimentos, dados e
discussões de modo que outros cientistas possam repetir o que foi feito, pensar
sobre as conclusões que foram tiradas e usar as informações como ponto de
partida para novas hipóteses e testes. Os cientistas compartilham informações
por meio de publicações (as chamadas revistas científicas), encontros, congressos
e comunicações pessoais.[3]
Hipóteses confirmadas por diversas experiências e
experimentos poderão ser consideradas leis e um conjunto de leis e hipóteses
poderão formar uma teoria. Todas as duas, apesar da credibilidade no meio
científico, podem ser corrigidas e aperfeiçoadas à medida que novas descobertas
são lançadas.[4]
As investigações regidas pelo método científico acerca do
corpo humano e da vida humana apontam para sua dimensão totalmente física; não
há, nas ciências, nenhum estudo que indique a existência de alguma parte que
sobreviva após a morte, nenhuma alma ou espírito ou consciência.
Muitas têm sido as tentativas de alguns cientistas de
comprovar a permanência da vida - ou da alma - após a morte, que conduzem
experiências investigando as EQMs - Experiências de quase morte, nas quais
indivíduos com paradas cardíacas e respiratórias, dados como mortos, são
ressuscitados pelos médicos e relatam sensações auditivas, visuais e
emocionais.
Tais estudos apontam para fenômenos naturais advindos do
funcionamento do cérebro, circunstanciados não à morte em si, mas
principalmente pela sensação de que se está à beira da morte, ou ainda por
drogas ou alterações cerebrais e mecanismos de defesa.[5][6][7]
Estudos que alegam provar a permanência da consciência ou da
alma após a morte baseiam-se apenas nos relatos dos pacientes, sem levar em
consideração o que já se sabe sobre o funcionamento cerebral, e admitem, os
próprios condutores de alguns desses estudos, que "apesar de os pacientes
terem aparentemente mais tempo de consciência durante a morte clínica, as
memórias deles podem ser afetadas pelo impacto do processo de reanimação no
cérebro ou pelos sedativos usados. Os autores do estudo apontaram ainda algumas
limitações na pesquisa, como a dificuldade para identificar se as memórias que
os pacientes diziam ter tido durante a parada cardíaca refletiam sua percepção
real."
No Brasil, em outro desses estudos, os pesquisadores afirmam
que há várias suposições sobre a EQM, "Entre elas, uma encontra razoável
aceitação, a de que, no momento da parada cardíaca, algumas descargas elétricas
ainda em atividade no cérebro resultariam na produção cognitiva de imagens,
sensações, emoções, culminando naquilo que se convencionou chamar de EQM.
Também há a hipótese de que a experiência quase-morte seja uma criação mental
involuntária atuando como um mecanismo de defesa psicológica frente a uma
situação ameaçadora como a morte."[8][9][10]
Ateus, céticos e racionalistas compreendem a vida como um
fenômeno natural, regido em sua totalidade por leis naturais e totalmente
explicável pelas ciências. Ainda que paulatinamente.
A morte não é um mistério para a ciência. A vida - todas as
suas formas - têm prazo de validade e qualquer explicação para a vida fora das
ciências pode ser e é refutada pelas descobertas acerca do nosso cérebro, do
nosso corpo e de seu funcionamento.
A ciência caminha acumulativamente, investigando os
fenômenos e encontrando sua explicação de acordo com o método científico e sua
aplicação e comprovação na prática, sem nenhuma lacuna que abra espaço para
hipóteses sobrenaturais.
A crença dos seres humanos em uma vida após a morte define a
forma como eles viverão sua vida aqui na Terra, como se relacionarão uns com os
outros e com a sociedade organizada, com os sistemas políticos e sociais e com
tudo o mais.
Essa crença define seus conceitos de quais pessoas merecem
ou não viver; de quais indivíduos merecem ou não respeito; de quais serão seus
amigos, de quais livros ler e quais assuntos estudar; a crença na vida após a
morte define relações familiares, profissionais, sociais e afetivas. Essa
crença define até mesmo os preconceitos que norteiam as políticas defendidas
pela bancada evangélica - ou qualquer outra bancada religiosa - e as aplicações
e gerências dos impostos.
A crença na vida após a morte é danosa para a sociedade como
um todo, pois impede que se pense o mundo como ele é e divide os seres humanos
em 'certos' e 'errados' a partir de suas crenças, gerando distorções nas
relações sociais e políticas.
Para muitas pessoas, a crença na vida eterna é um conforto,
um alívio para o sofrimento vivenciado numa sociedade desigual e estratificada,
trazendo a ideia de compensação em outra vida, paralisando o indivíduo na luta
pelos seus direitos de ser humano, pela modificação social e pela verdadeira
igualdade aqui mesmo, enquanto está vivo.
A existência de uma vida eterna após a morte é algo
grandioso em comparação com o lapso de tempo em que dura a vida humana. Tudo,
na vida eterna é superlativo, tanto a felicidade quanto o sofrimento,
dependendo de como se viveu enquanto se estava... vivo.
Quando alguém se arvora o direito de definir qual é o
objetivo da vida de outra pessoa, alegando possuir informações privilegiadas
obtidas de um ser ou força maior que sabe de tudo e que é o criador de tudo,
está criada a religião.
Todas as religiões partem da ideia de que o ser humano não é
apenas o seu corpo mas possui ou é uma alma, espírito ou 'essência' não
material que permanece após a falência física total, a morte.
Sendo assim, o objetivo da vida humana, para as religiões,
não é a vida em si mas antes a preparação para a morte, em que a alma
finalmente encontrará o seu destino eterno.
As várias religiões possuem cada uma seu próprio modelo de
como deve ser essa preparação e como será esse destino final, mas todas
concordam em um ponto crucial: o ser humano é, de alguma forma, mal, vil,
torpe, pecador, equivocado, desamparado, perdido e necessitado de salvação,
provações, expiações, ensinamentos, direcionamentos e regras de conduta.
Sendo tão vil e desamparado, as regras e direcionamentos
para a sua vida não podem vir de outros seres humanos vis e desamparados, é
claro que não. Tais diretrizes devem vir de alguma instância acima do ser
humano, algo além dele e superior a ele em sabedoria e ética, ou seja, um deus.
Deus - todos eles, em especial o judaico-cristão, no Brasil
- não só define como os seres humanos devem viver sua vida real, mas ainda os
afasta dela, ao declarar que esta não é a vida real, mas sim a outra, na qual
todos serão verdadeiramente iguais e felizes, se se comportarem direitinho.
Os representantes de Deus na Terra sabem que essa crença na
eternidade de felicidade ou de sofrimento é um instrumento poderoso de
manipulação social e fazem uso dele não só como forma de enriquecimento
ilícito, mas também como método alienante tanto social como político.
O fiel que crê que nasceu pecador e que sua vida deve ser
vivida pelos parâmetros de um deus não será nunca um humanista, nunca será um
igualitário nem nunca poderá ser solidário com todas as pessoas. Ele será
sempre um individualista, pois crê-se separado do mundo, e orgulhar-se-á disto.
Não percebe, o fiel, que ao se pôr nas mãos de um deus e
esperar pelas recompensas após a morte, está abrindo mão de sua vida, a única
que tem e que é sua verdadeiramente humanidade.
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