Titus em sua mesa - Rembrandt |
Ser professora de crianças de cinco a
catorze anos envolve uma gama tão extensa de saberes, comportamentos,
sentimentos e decisões que não dá para resumir aqui![1]
É também um desafio diário, recheado
de situações de conflitos morais, profissionais, éticos e existenciais.
Ser professora de crianças e ser ateia
exacerba essas experiências e essas situações de conflitos para além do
descritível. Mas vou tentar:
Quando os objetivos laicos que
deveriam nortear a educação pública são desvirtuados pelas autoridades, colegas
de profissão e pais de alunos, pela negação deste desrespeito ao laicismo
estatal e pelo policiamento ideológico dentro da escola pública, o conflito
ético é inevitável e, quase sempre, não declarado nem sequer debatido.
Dá-se por vias não oficiais, por
persuasão, argumentação da força da maioria e do costume de que sempre se rezou
antes das aulas, sempre se vivenciou o Natal, a Páscoa, as Festas Juninas, o
Plantio do Milho de São José… e pelo poderoso argumento final: “Os pais não vão
gostar”.
De quê? Das mudanças de abordagem dos
conteúdos, das aulas de Ciências negando a Criação Divina, das aulas de
História falando em hominídeos peludos e criadores de mitos, das aulas de
Geografia mostrando a evolução geológica e negando o Dilúvio e aquela coisa dos
seis dias e dos seis mil anos…
É um conflito que se dá fortemente
também pelas vias oficiais, na triste e irrefutável verdade de que a Secretaria
de Educação elabora (em conjunto com os educadores) a matriz curricular
estadual e municipal…
Determina o calendário escolar, agenda
e premia as apresentações dos alunos nas solenidades cristãs lá na Feira de
Conhecimentos, no Congresso Tecnológico da Educação, nas Capacitações…
A religião está presente nas escolas
públicas, não só nas aulas de religião, como muitos parecem pensar, sempre que
se fala no assunto!
A escola pública está imersa no
Cristianismo ainda pela bagagem religiosa cristã das autoridades da educação,
dos professores e professoras, da gestão e do corpo de funcionários da
instituição.
A religião dos profissionais de
educação atua como uma força constante, sem adversários, persistente e danosa,
agindo de forma aceita e incentivada pelas escolas e pelos poderes públicos;
atua no cotidiano escolar e é praticada abertamente pelos educadores, sendo uma
inimiga da sua função primeira:
Estimular e orientar o comportamento
científico, no uso do criticismo, na investigação e na apropriação do saber
acumulado pela humanidade em sua História.
É claro que a religião não entra nas
escolas apenas pela atuação dos profissionais de educação (muitas vezes
inconsciente, acrítica e desapercebida como um abuso), mas chega à sala de aula
através dos próprios alunos, multiplicadores do pensamento religioso de sua
família, da sua comunidade e de sua fé.
Percebe-se que, em questões culturais,
a tendência é a tácita imposição das manifestações e normatizações da maioria,
já que as outras, minoritárias, são sufocadas, discriminadas e desestimuladas e
não se veem representadas no trato social, exceto em seus espaços específicos.
Que Secretaria de Educação
incentivaria e normatizaria manifestações escolares de cunho umbandista,
candomblecista ou kardecista nas escolas públicas?
Seria risco de uma rebelião cristã de
professores, gestores e pais de alunos… Sem falar na mídia. O Cristianismo
Católico é a cultura religiosa predominante no Brasil. O Cristianismo
Evangélico cresce a olhos vistos. É lógico, claro e visível que o Cristianismo
é a religião que mais influencia educadores, alunos e pais de alunos.
Dessa forma, pode-se dizer que o
Cristianismo é a religião mais danosa ao estímulo ao saber científico, função
primordial da educação sistemática.
E não me venham dizer que a escola
pública é apenas um instrumento governamental de manipulação das populações
mais carentes e desprivilegiadas… Isso é um desvirtuamento da função da escola
pública, não sua função primeira e eu me recuso a aceitar que será sempre
assim.
O Cristianismo segue contaminando as
leis da educação, conteúdos escolares e padrões de mentalidade e comportamento
exercidos e alimentados nas escolas. Essa contaminação se dá através do
tratamento cotidiano nos espaços escolares e sociais e também nos meios de
comunicação de massa, nas ações ou omissões governamentais.
Estamos cercados pelo Cristianismo na
própria atuação daquela bagagem cultural e da normatização de um modo cristão
de pensar e ver o mundo e as pessoas, seja de forma consuetudinária
estabelecida pela tradição, seja pela força que esta bagagem exerce nas
autoridades públicas, nos educadores e no alunado e famílias.
Para terminar, algumas frases comuns
sobre a profissão de professor:
“Magistério é “sacerdócio”.
Professores são heróis. Professores deveriam ganhar mais. Sem professores não
haveria médicos, advogados, engenheiros…”
“Professores são formadores de
opinião. Professores influenciam os alunos para toda a vida. Professores são
exemplos.”
Mas ouso acrescentar algumas frases
minhas: Professores deveriam ser, antes de tudo, proibidos de trazer sua
bagagem religiosa para a escola.
Deveriam ser treinados para não
fazê-lo.
Professores deveriam ser profissionais
livres para desenvolverem seu trabalho e sua função de orientadores e
facilitadores da aprendizagem, sem a influência anti ética e alienante da
religião no exercício de sua profissão. Que aceitem essa influência em sua
vida, não é culpa dos alunos.
Os alunos não deveriam ser doutrinados
no Cristianismo e nem em nenhuma outra religião dentro da escola pública; não
deveriam ter cerceados, em sala de aula, seus questionamentos sobre o que ouvem
na igreja e no culto; não deveriam ser repreendidos em seus comportamentos com
um “Deus não gosta disso!”; não deveriam estar sujeitos a professores que não
sabem e não querem separar seu trabalho de sua religião.
Não somente professores enquadram-se neste processo de dificuldades, instrutores, treinadores, líderes de equipe e lideranças sociais, sendo ateus, todos enfrentam diariamente os obstáculos impostos "homeopaticamente", pelo impacto da cultura da religiosidade que atravancam o livre pensamento.
ResponderExcluirA religiosidade não depende apenas de tradições culturais recebidas, mas das necessidades individuais de cada ser, e devem ser respeitadas, sejam religiosos ou não. Assim como cada vez que se lê um livro novas informações são acrescentadas, cada dia que se vive novas verdades surgirão, então muita calma com sua verdade de hoje.
ResponderExcluirConcordo que os professores deveriam serem treinados a se manterem neutros religiosamente em escolas publicas.
ResponderExcluirAssim como em qualquer outro ambiente de uso público.
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