sábado, 20 de dezembro de 2014

Professores x Religião x Ética profissional

Titus em sua mesa - Rembrandt
Ser professora de crianças de cinco a catorze anos envolve uma gama tão extensa de saberes, comportamentos, sentimentos e decisões que não dá para resumir aqui![1]
É também um desafio diário, recheado de situações de conflitos morais, profissionais, éticos e existenciais.
Ser professora de crianças e ser ateia exacerba essas experiências e essas situações de conflitos para além do descritível. Mas vou tentar:
Quando os objetivos laicos que deveriam nortear a educação pública são desvirtuados pelas autoridades, colegas de profissão e pais de alunos, pela negação deste desrespeito ao laicismo estatal e pelo policiamento ideológico dentro da escola pública, o conflito ético é inevitável e, quase sempre, não declarado nem sequer debatido.
Dá-se por vias não oficiais, por persuasão, argumentação da força da maioria e do costume de que sempre se rezou antes das aulas, sempre se vivenciou o Natal, a Páscoa, as Festas Juninas, o Plantio do Milho de São José… e pelo poderoso argumento final: “Os pais não vão gostar”.
De quê? Das mudanças de abordagem dos conteúdos, das aulas de Ciências negando a Criação Divina, das aulas de História falando em hominídeos peludos e criadores de mitos, das aulas de Geografia mostrando a evolução geológica e negando o Dilúvio e aquela coisa dos seis dias e dos seis mil anos…
É um conflito que se dá fortemente também pelas vias oficiais, na triste e irrefutável verdade de que a Secretaria de Educação elabora (em conjunto com os educadores) a matriz curricular estadual e municipal…
Determina o calendário escolar, agenda e premia as apresentações dos alunos nas solenidades cristãs lá na Feira de Conhecimentos, no Congresso Tecnológico da Educação, nas Capacitações…
A religião está presente nas escolas públicas, não só nas aulas de religião, como muitos parecem pensar, sempre que se fala no assunto!
A escola pública está imersa no Cristianismo ainda pela bagagem religiosa cristã das autoridades da educação, dos professores e professoras, da gestão e do corpo de funcionários da instituição.
A religião dos profissionais de educação atua como uma força constante, sem adversários, persistente e danosa, agindo de forma aceita e incentivada pelas escolas e pelos poderes públicos; atua no cotidiano escolar e é praticada abertamente pelos educadores, sendo uma inimiga da sua função primeira:
Estimular e orientar o comportamento científico, no uso do criticismo, na investigação e na apropriação do saber acumulado pela humanidade em sua História.
É claro que a religião não entra nas escolas apenas pela atuação dos profissionais de educação (muitas vezes inconsciente, acrítica e desapercebida como um abuso), mas chega à sala de aula através dos próprios alunos, multiplicadores do pensamento religioso de sua família, da sua comunidade e de sua fé.
Percebe-se que, em questões culturais, a tendência é a tácita imposição das manifestações e normatizações da maioria, já que as outras, minoritárias, são sufocadas, discriminadas e desestimuladas e não se veem representadas no trato social, exceto em seus espaços específicos.
Que Secretaria de Educação incentivaria e normatizaria manifestações escolares de cunho umbandista, candomblecista ou kardecista nas escolas públicas?
Seria risco de uma rebelião cristã de professores, gestores e pais de alunos… Sem falar na mídia. O Cristianismo Católico é a cultura religiosa predominante no Brasil. O Cristianismo Evangélico cresce a olhos vistos. É lógico, claro e visível que o Cristianismo é a religião que mais influencia educadores, alunos e pais de alunos.
Dessa forma, pode-se dizer que o Cristianismo é a religião mais danosa ao estímulo ao saber científico, função primordial da educação sistemática.
E não me venham dizer que a escola pública é apenas um instrumento governamental de manipulação das populações mais carentes e desprivilegiadas… Isso é um desvirtuamento da função da escola pública, não sua função primeira e eu me recuso a aceitar que será sempre assim.
O Cristianismo segue contaminando as leis da educação, conteúdos escolares e padrões de mentalidade e comportamento exercidos e alimentados nas escolas. Essa contaminação se dá através do tratamento cotidiano nos espaços escolares e sociais e também nos meios de comunicação de massa, nas ações ou omissões governamentais.
Estamos cercados pelo Cristianismo na própria atuação daquela bagagem cultural e da normatização de um modo cristão de pensar e ver o mundo e as pessoas, seja de forma consuetudinária estabelecida pela tradição, seja pela força que esta bagagem exerce nas autoridades públicas, nos educadores e no alunado e famílias.
Para terminar, algumas frases comuns sobre a profissão de professor:
“Magistério é “sacerdócio”. Professores são heróis. Professores deveriam ganhar mais. Sem professores não haveria médicos, advogados, engenheiros…”
“Professores são formadores de opinião. Professores influenciam os alunos para toda a vida. Professores são exemplos.”
Mas ouso acrescentar algumas frases minhas: Professores deveriam ser, antes de tudo, proibidos de trazer sua bagagem religiosa para a escola.
Deveriam ser treinados para não fazê-lo.
Professores deveriam ser profissionais livres para desenvolverem seu trabalho e sua função de orientadores e facilitadores da aprendizagem, sem a influência anti ética e alienante da religião no exercício de sua profissão. Que aceitem essa influência em sua vida, não é culpa dos alunos.
Os alunos não deveriam ser doutrinados no Cristianismo e nem em nenhuma outra religião dentro da escola pública; não deveriam ter cerceados, em sala de aula, seus questionamentos sobre o que ouvem na igreja e no culto; não deveriam ser repreendidos em seus comportamentos com um “Deus não gosta disso!”; não deveriam estar sujeitos a professores que não sabem e não querem separar seu trabalho de sua religião.


[1] Texto originalmente postado no site AASA: Ateus e Agnósticos - Sociedade Ateístata

4 comentários:

  1. Não somente professores enquadram-se neste processo de dificuldades, instrutores, treinadores, líderes de equipe e lideranças sociais, sendo ateus, todos enfrentam diariamente os obstáculos impostos "homeopaticamente", pelo impacto da cultura da religiosidade que atravancam o livre pensamento.

    ResponderExcluir
  2. A religiosidade não depende apenas de tradições culturais recebidas, mas das necessidades individuais de cada ser, e devem ser respeitadas, sejam religiosos ou não. Assim como cada vez que se lê um livro novas informações são acrescentadas, cada dia que se vive novas verdades surgirão, então muita calma com sua verdade de hoje.

    ResponderExcluir
  3. Concordo que os professores deveriam serem treinados a se manterem neutros religiosamente em escolas publicas.

    ResponderExcluir

Comente!